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ACÓRDÃO N.º 369/2015

 

PROCESSO Nº 444-C/2015

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do povo, acordam em conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Manuel Eduardo Cavaco da Costa Guerreiro, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade com o fundamento na al. a) do artigo 49.º e seguintes da Lei n.º 3/08 – Lei do Processo Constitucional (LPC), do Acórdão do Tribunal Supremo, proferido no Processo n.º 443/14, que negou provimento ao pedido de Habeas Corpus por entender que a prisão do recorrente é legal.

Para fundamentar o pedido, o Recorrente alega, em síntese, que:

  1. Interpôs, junto da Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo a providência extraordinária de habeas corpus invocando como fundamento a ilegalidade da sua prisão, por força do excesso da prisão preventiva, durante a fase de instrução preparatória do processo;
  1. A Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo negou provimento à providência de habeas corpus por entender que, estando o recorrente detido desde o dia 29 de Abril de 2014, só no dia 29 de Abril de 2015 cumpriria um ano de detenção, o máximo permitido por lei sem que haja julgamento, assim, a prisão do arguido é legal;
  1. O Recorrente foi detido, sem mandato de captura, a 29 de Abril de 2014 e notificado da douta acusação do Ministério Público a 16 de Dezembro de 2014, isto é, 7 meses depois, ou seja mais de 210 dias, depois do início da instrução preparatória, não obstante ter impetrado um pedido de Habeas Corpus a 22 de Setembro de 2014, isto quando já tinham passado 150 dias depois da sua detenção, estando, assim esgotados os prazos de prisão preventiva em instrução preparatória;
  1. O Tribunal Supremo apenas decidiu sobre esse pedido a 08 de Janeiro de 2015 e notificou o arguido a 29 de Janeiro de 2015, com decisão desfavorável fundada no argumento de que cumprirá apenas em Abril de 2015, um ano de detenção, o máximo permitido por lei, sem que haja julgamento;
  1. A decisão da Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo viola o disposto na Lei n.º 18-A/92, de 17 de Julho, bem como o princípio da presunção da inocência, nos termos do n.º 2 do artigo 67.º, bem como os artigos 68.º, 66.º, n.º 1, 29.º e 28.º n.º 1, todos da Constituição da República de Angola.

  2. O Recorrente é acusado e pronunciado pelo crime de homicídio voluntário da sua esposa, Sandra Manuela Quintas Castro Borges, previsto e punível pelo artigo 349.º do Código Penal.

Por tudo o exposto, o Recorrente termina pedindo ao Tribunal Constitucional, que seja declarado inconstitucional o Acórdão recorrido e, em consequência, dar-se por procedente a providência do Habeas Corpus, a favor do Recorrente de nacionalidade portuguesa.

 O Recorrente juntou ao seu Recurso, fotocópias do Douto Acórdão do Tribunal Supremo e do despacho de Acusação e de Pronúncia.

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º e ss da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional), segundo o qual “podem ser objecto de recurso as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstas na Constituição da Republica de Angola”. Porém, este recurso nos termos do § único do artigo 49.º, da lei supra, com a redacção dada pelo artigo 13.º da Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro, impõe o “prévio esgotamento nos tribunais comuns e demais tribunais, os recursos ordinários legalmente previstos”.

No casu sub judice trata-se de um recurso de uma decisão do Tribunal Supremo, instância superior da jurisdição comum e da qual não cabe outro recurso que não o recurso em matéria constitucional para este Tribunal. 

Tem, pois, este Tribunal Constitucional competência para conhecer o recurso extraordinário de inconstitucionalidade do referido Acórdão.

III. LEGITIMIDADE DO RECORRENTE

Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, (Lei do Processo Constitucional), “podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

O Recorrente é arguido no Processo n.º 443, cujo Acórdão é objecto de apreciação e nos termos do Código do Processo Penal, tem legitimidade para interpor recurso ordinário.

Tem assim, o Recorrente legitimidade para formular o pedido que ora submetem à apreciação do Tribunal Constitucional.

IV. OBJECTO DE APRECIAÇÃO

O objecto do presente recurso é a decisão proferida pelo Tribunal Supremo que, no seu Acórdão de 8 de Janeiro de 2015, negou provimento ao pedido de Habeas Corpus por entender que a prisão do recorrente é legal.

V. APRECIANDO

A prisão preventiva é uma medida de coação processual que consiste na privação da liberdade de um arguido para o colocar à disposição da entidade encarregue da investigação criminal e da instrução processual ou de um juiz, na fase judicial, sob determinadas condições e requisitos, e obedecendo aos prazos estabelecido na lei.

O artigo 68.º da CRA, conjugado com o § único do artigo 315.º do CPP, estabelecem as condições da procedência de uma providência de Habeas Corpus designadamente: a existência de prisão efectiva e actual, ferida de ilegalidade por qualquer dos seguintes motivos:

a) ter sido efectuada ou ordenada por quem para tal não tenha competência legal;

b) ter sido motivada por facto pelo qual a lei não autoriza a prisão;

c) manter-se além dos prazos legais para apresentação ao Magistrado e para a formação da culpa;

e) prolongar-se para além do tempo fixado por decisão judicial para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação.

Analisados os autos e o Acórdão ora recorrido, verifica-se que existe excesso de prisão preventiva, antes da culpa formada, conforme consagrado na alínea c) do § único do artigo 315.º do CPP, qual seja “manter-se além dos prazos legais para apresentação ao Ministério Público e para a formação de culpa”.

O Recorrente foi detido no dia 29 de Abril de 2014, acusado a 30 de Outubro de 2014 e notificado do referido despacho apenas a 16 de Dezembro de 2014, pelo crime de homicídio voluntário, p.p. pelo artigo 349.º do Código Penal (C.P.). Constata-se que, até à acusação, se passaram 191 dias, ultrapassando, assim, os limites estabelecidos na lei, que, nesta fase, é de 135 dias.

Tal entendimento, resulta das disposições combinadas dos artigos 25.º e 26.º da Lei n.º 18-A/92, de 17 de Julho e do n.º 2 do artigo 308.º do CPP, que estabelecem os prazos de prisão preventiva, em processos de querela, os seguintes:

a) Antes da Culpa Formada

  1. 45 dias prazo ordinário e inicial que, pode ser prorrogado por mais;
  2. 45 dias com despacho fundamentado que, por sua vez pode ainda ser novamente prorrogado por mais;
  3. 45 dias em virtude de extrema complexidade do processo.

Estes prazos perfazem um total de 135 dias como limite máximo do tempo útil e necessário para instruir o processo antes da sua introdução em juízo, isto é, antes da culpa formada.

b) Depois da culpa formada

Após culpa formada contam os prazos previstos no n.º 2 do artigo 308.º do CPP, isto é, entre a notificação da acusação até ao despacho de pronúncia é de 120 dias.

Isto significa que, considerando os primeiros 135 dias, sem culpa formada, mais os 120 dias depois da culpa formada perfaz um total de 255 dias antes do julgamento, isto é, o período de tempo desde a instrução preparatória até à pronúncia.

Sobre os prazos supra (255 dias), devem ainda ser acrescidos mais 110 dias uma vez que, da interpretação dos §§ 2.º e 3.º do artigo 337.º do CPP, o prazo entre a prolação da pronúncia e o julgamento não deverá exceder 110 dias. Contabilizando, temos que o Arguido pode ficar 365 dias até ser julgado. 

Assim, em termos puramente legais, a detenção de um arguido por um período superior a 365 dias sem que o julgamento tenha lugar, é perfeitamente legal, não sendo, nesses termos considerado haver excesso. 

A este prazo poderá acrescer mais 10 meses nos processos de querela quando tenha havido recurso para tribunais superiores, como se estabelece no § 3.º do artigo 337.º do CPP.

Posto isso, coloca-se a questão de saber quando é que há excesso de prisão preventiva e pode ser procedente a providência de Habeas Corpus. 

A procedência ou não do Habeas Corpus por excesso de prisão preventiva, nos termos da Lei n.º 18-A/92 e do Código de Processo Penal, deve ser aferida numa das situações seguintes: i) inexistência de culpa formada depois de terem decorrido os 135 dias em Instrução Preparatória; ii) inexistência de pronúncia depois de terem decorrido 120 dias e iii) inexistência de julgamento após ter decorrido mais de um ano desde o início da instrução preparatória sem início de julgamento, caso não tenha recorrido a um tribunal superior.

Pelos cálculos feitos e de acordo com os prazos legais que a lei impõe para a fase de instrução preparatória, o Recorrente foi detido no dia 29 de Abril de 2014, e deveria ter sido acusado dentro dos 135 dias seguintes à detenção, ou seja, até ao dia 11 de Setembro de 2015, o que não se verificou, razão pela qual, como se afere nos autos, o Recorrente interpôs no dia 22 de Setembro de 2014 a providência de Habeas Corpus, com o fundamento de se ter esgotado os prazos de prisão preventiva em fase de instrução preparatória.

Entretanto, o Recorrente só foi acusado a 30 de Outubro de 2014 e notificado do referido despacho, a 16 de Dezembro de 2014, o que consubstancia uma violação aos prazos de prisão preventiva na fase de instrução preparatória.

Assim, embora, a data da prolação do Acórdão recorrido não tenha decorrido ainda um ano de prisão, entende-se que não é legítima a prisão preventiva, mesmo no caso de crimes referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 18-A/92, de 17 de Junho, como é o caso em apreciação, quando se mostram excedidos os prazos de prisão preventiva estabelecidos nessa mesma lei. Quer isto dizer que a Lei de Prisão Preventiva, embora imponha a detenção ou captura do arguido sobre o qual pese a suspeita da prática de um crime punível com prisão maior, também impõe que essa detenção não deva exceder determinados prazos limite.

Sobre essa matéria já existe jurisprudência firmada do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.ºs 121/2010, 124/2011, 139/2011 e 312/2013), sustentando que, excedido o prazo da prisão preventiva e respectivas prorrogações, o detido deve ser restituído à liberdade.  

Contudo, não obstante o exposto supra, infere-se dos autos a existência de vários requerimentos do Recorrente que, sucessivamente, determinaram que as várias datas marcadas para a audiência de julgamento fossem alteradas, e esta só tivesse início na data de 25 de Abril de 2015, pelas 11 horas, não tendo prosseguido em consequência do pedido do ora Recorrente de conhecimento da suspeição do Juiz da causa, o que levou a suspensão da audiência.

Em conformidade com o referido no parágrafo anterior, em síntese, são da autoria do Recorrente os seguintes actos que atrasaram o curso normal do processo:

  1. Em 26 de Janeiro de 2015, o Recorrente interpôs recurso do Despacho de Pronúncia, tendo sido indeferido por extemporaneidade (fls. 61);
  2. Em 13 de Fevereiro de 2015, o Recorrente reclamou do Despacho de Indeferimento junto do Tribunal Supremo (fls. 60);
  3. O julgamento, tempestivamente marcado para o dia 16 de Abril de 2015, foi adiado porque o Recorrente apresentou justificativo um documento passado na mesma data pelo Posto Médico do Estabelecimento Prisional de Viana, para realização de exames (fls. 63 e 64);
  4. Igualmente, a sessão de julgamento marcada para o dia 24 de Abril de 2015 foi adiada porque o Recorrente apresentou outros justificativos médicos (fls. 65 a 70);
  5. De igual modo o julgamento iniciado no dia 25 de Abril de 2015, teve que ser suspenso porque o Recorrente suscitou como questão prévia, a suspeição do Juiz da causa, vindo a formaliza-lo no dia 28 de Abril de 2015 (fls. 71 a 75).

Ora, todos os documentos supra citados foram apresentados a este Tribunal Constitucional pelo próprio Recorrente, como documentos anexos e que sustentaram as suas alegações.

Este conjunto de actos e diligências do Recorrente foram determinantes para a não realização tempestiva do julgamento, pois as datas que tinham sido marcadas inicialmente estavam dentro dos prazos legalmente estabelecidos para a prisão preventiva até à realização do julgamento, pois o Recorrente ainda não se encontrava detido há mais de um ano.

Além disso, leva este Tribunal em consideração que o Recorrente, em três ocasiões recorreu a tribunais superiores: ao Tribunal Supremo com o recurso do despacho da pronúncia e o Habeas Corpus e ao Tribunal Constitucional no presente processo.

Assim sendo, e em face do disposto no § 3.º do artigo 337.º do CPP, não está excedido, ainda, o prazo limite de prisão preventiva estabelecido por lei para o caso do Recorrente.

Por tudo quanto acima se deixou apreciado e fundamentado, é entendimento do Tribunal Constitucional que não procede o pedido do Recorrente, porquanto não ficou provado que o Acórdão recorrido tenha violado os imperativos constitucionais contidos nos artigos 6.º, 64.º e 68.º, todos da Constituição da República de Angola de 2010, bem como os preceitos dos artigos 25.º e 26.º da Lei n.º 18-A/92, de 17 de Julho e alínea c) do § único do artigo 315.º do CPP.

Nestes termos:

Tudo visto e ponderado,

DECIDINDO:

Acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 27 de Outubro de 2015.   

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)  

Dr. Agostinho António Santos 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr.ª Efigénia M. S. Lima Clemente  

Dr. Miguel Correia  

Dr. Onofre Martins dos Santos 

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo (Relator)  

Dra. Teresinha Lopes