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ACÓRDÃO N.º 371/2015

 

PROCESSO Nº 473-D/2015

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

MUSSUNDA FELICIANO EDUARDO, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade com o fundamento na al. a) do artigo 49.º e seguintes da Lei n.º 3/08 – Lei do Processo Constitucional (LPC), da Sentença do Tribunal Municipal da Ingombota, proferida no Processo Sumário n.º 264-C/15, que o condenou a dezoito (18) meses de prisão correccional, por entender que tal decisão violou o princípio da presunção de inocência previsto no n.º 2 do artigo 67.º da Constituição da Republica de Angola (CRA).

Para fundamentar o pedido, o Recorrente alega, em síntese, que:

  1. Interpôs o presente recurso directamente no Tribunal Constitucional porque prescindiu do recurso ordinário, nos termos do artigo 531.º do Código do Processo Penal (CPP), o que determinou o esgotamento dos recursos ordinários previstos nos tribunais comuns;
  2. O Recorrente foi julgado e condenado pela prática do crime de Posse Ilegal de Arma de Fogo, p. e p. pelo Decreto n.º 33778 de 2 de Maio de 1962, na pena de dezoito meses de prisão correccional, AKZ 10.000,00 de multa, AKZ 30.000,00 de taxa de justiça e AKZ 3.000,00 de emolumentos ao seu defensor oficioso;
  3. No dia 13 de Março do presente ano, o Recorrente deslocou-se com dois amigos para um estabelecimento comercial denominado “Soukumarou”, pertencente a um cidadão da Guiné Conacri, às 21 horas, sito no Distrito Urbano do Rangel, Bairro Terra Nova, Rua do Alentejo;
  4. O Recorrente sustenta que a arma de fogo que estava na mochila pertencia a um dos seus amigos conhecido por “Cai Balas” e ele não carregava nenhuma mochila às costas;
  5. Quanto ao conteúdo da Sentença, o Recorrente diz que a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” não se dignou sequer a abordar, muito menos aprofundar e a esclarecer, como era sua obrigação, se a arma de fogo do tipo AKM, registada sob o n.º AFV 2750, com o cano cerrado, pertencia realmente ao Recorrente, antes de o ter condenado e dado como provados os factos constantes do auto de notícia;
  6. Ao ter agido naqueles termos a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 65.º, n.º 1 e 2 e 72.º, ambos da CRA.

Por tudo o exposto, o Recorrente termina pedindo ao Tribunal Constitucional que aprecie a constitucionalidade da decisão recorrida e dos actos praticados pelos agentes da polícia nacional e, em consequência, pede a anulação de todo o processo desde o momento da instrução até a audiência de julgamento.

Colhidos os vistos dos Venerandos Juízes e da Digna Representante do Ministério Público, cumpre decidir.

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º e seguintes da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, segundo o qual “podem ser objecto de recurso as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades, e garantias previstas na Constituição da República de Angola”. Porém, este recurso, nos termos do parágrafo único do artigo 49.º, com a redacção dada pelo artigo 13.º da Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro, impõe o “prévio esgotamento nos tribunais comuns e demais tribunais, os recursos ordinários legalmente previstos”.

In casu sub judice trata-se de um recurso de uma decisão do Tribunal Municipal da Ingombota, da qual não cabe mais recurso ordinário por dele ter prescindido o próprio Recorrente pelo que, dele se pode, assim, recorrer extraordinariamente para o Tribunal Constitucional.

Tem, pois, este Tribunal Constitucional competência para conhecer o recurso extraordinário de inconstitucionalidade da referida Sentença.

III. LEGITIMIDADE

O ora Recorrente não é o Réu no Processo n.º 264-C/15, que correu termos no Tribunal Municipal da Ingombota, cuja Sentença é objecto de apreciação neste recurso.

Nos termos do Código do Processo Penal (CPP), têm legitimidade para interpor recurso ordinário, de entre outros, o Réu e a parte acusadora das decisões contra eles proferidas, ex vi, n.º 2 do artigo 647.º do CPP, sendo que, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, estabelece que “podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

Da análise dos autos (Processo n.º 264-C/15, que correu tramites no Tribunal Municipal da Ingombota, cuja Sentença é objecto de apreciação), bem como da decisão proferida, constata-se que o Réu naquele processo é o cidadão que atende pelo nome de Claudino Afonso Eduardo, t.c.p “Kilamu”, cujo nome é referenciado ao longo de todo o processo (fls. 2, 4, 8, 9,11, 14,15, 25, 28,29, 37, 39).

Entretanto, do conjunto de peças processuais acima referidas, constantes dos autos e que deram origem ao presente recurso, denota-se uma flagrante contradição, pois não existe coincidência quanto à identidade do cidadão que foi acusado, julgado e condenado e o cidadão que interpôs o presente recurso (Recorrente).

Ora, no Processo n.º 264-C/15, foi julgado e condenado o cidadão que atende pelo nome de Claudino Afonso Eduardo, t.c.p, Kilamu, enquanto o cidadão Recorrente é Mussunda Feliciano Eduardo, não se percebendo, assim, pois, quais as razões que levaram a que este se identificasse como Claudino Afonso Eduardo e não como Mussunda Feliciano Eduardo.

O Crime em que o Réu foi julgado e condenado no dia 18 de Março de 2015, é de Posse Ilegal de Arma de Fogo, previsto e punível pelo Decreto n.º 33778 de 2 de Maio de 1962, na pena de dezoito meses de prisão correcional.

Antes do julgamento foram realizadas várias diligências de investigação e de instrução processual, sendo que durante o primeiro interrogatório em sede da Instrução Preparatória do processo, declarou chamar-se CLAUDINO ADOLFO EDUARDO, filho de Fula de Castro e de Elisa Feliciano, tendo respondido à todos os actos subsequentes com esta identidade, como se pode aferir nos Autos.

Posteriormente, na fase da audiência de discussão e julgamento, voltou a declarar ser este o seu nome e respectiva filiação.

No final da audiência de discussão e julgamento, assinou-se a acta com o mesmo nome como se pode ver a fls. 8, 9,10, 11 e seguintes.

Proferida a Sentença (Acórdão), e na ocasião foi lida na presença do Réu não reclamou quaisquer irregularidades ou erros formais ou materiais que implicaria a correcção do mesmo, sendo por isso o único cidadão condenado o Claudino Adolfo Eduardo.

Sucede porém que o recurso apresentado ao Tribunal Constitucional é feito em nome de Mussunda Feliciano Eduardo, filho de Adolfo Eduardo e Elisa Eduardo, que não é o Réu condenado no processo (Claudino Adolfo Eduardo) cujo aresto é objecto necessário do presente recurso.

Portanto, mesmo a filiação também é diferente entre ambos cidadãos.

Acontece, que nos termos do artigo 254.º do Código de Processo Penal (modo de interrogar o arguido preso), no seu n.º 1.º estabelece “O arguido será perguntado pelo seu nome, estado e profissão, idade, naturalidade, filiação, última residência, se já esteve alguma vez preso, quando e porquê, se foi ou não condenado e porquê. Será advertido de que a falta de resposta a estas perguntas o fará incorrer na pena de desobediência e a sua falsidade na pena de falsas declarações.”

Por força desta disposição, este Tribunal é levado a concluir que o Réu no processo é o cidadão que atende pelo nome de Claudino Adolfo Eduardo e não o cidadão Mussunda Feliciano Eduardo.

Tendo em atenção o exposto supra, a apreciação do presente recurso fica prejudicada, pois, o Recorrente não tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade e nele formular o pedido que ora submete à apreciação do Tribunal Constitucional.

A legitimidade processual é um pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa, sendo que a legitimidade substantiva é um requisito de procedência do pedido. A legitimidade processual exprime a posição concreta por quem é parte numa causa perante o conflito de interesses que aí se discute e pretende resolver.

No caso em apreço, o Recorrente é parte ilegítima, o que obsta ao Tribunal de conhecer do mérito do Recurso, por não estarem preenchidos os pressupostos estabelecidos n.º 2 do artigo 647.º do CPP e consequentemente da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Admitindo-se a possibilidade de apresentação de identidade falsa ou duplicada por parte do Réu, do Proc. N.º 264-C/2015 do Tribunal Municipal da Ingombota, o que constitui crime previsto e punido por lei, deve-se por dever de ofício dar ciência do facto ao Magistrado competente do Ministério Público para todos os devidos e legais efeitos.

  1. DECIDINDO

Tudo visto e ponderado,

Acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 17 de Novembro de 2015.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr.ª Efigénia M. dos S. Lima Clemente

Dra. Luzia Bebiana de Almeida Sebastião

Dr.ª Maria da Imaculada L. da C. Melo 

Dr. Miguel Correia

Dr. Onofre Martins dos Santos

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo (Relator)