ACÓRDÃO N.º 374/2015
PROCESSO N.º 437-D/2014
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
A NASA Comercial de Nascimento Alberto veio interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade na sequência do indeferimento, pelo Venerando Tribunal Supremo, de uma Reclamação apresentada para pedir a revogação parcial de um Acórdão proferido por esta alta instância judicial.
A Reclamação teve por fundamento o previsto nas alíneas c) e d) do artigo 668º do Código do Processo Civil, CPC; - aplicável em instância recursória em decorrência do artigo 716º do CPC- nos termos das quais a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão e quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estava, assim, em causa um pedido de nulidade de parte do Acórdão do Tribunal Supremo, proferido a 23 de Abril de 2010, referente a um recurso de Apelação interposto pelo Banco Português do Atlântico, Sucursal de Luanda (BPA), actualmente Banco Millennium Angola SA, que, no âmbito de uma acção declarativa de condenação proposta pela NASA – Comercial, foi condenado a pagar a aqui Recorrente, a título de indemnização, o montante de USD. 50.000.00 (cinquenta mil dólares americanos) e a descongestionar a sua conta nesse banco com o nº 09850/005293/02.
Na Apelação, a que foi atribuído efeito suspensivo pelo Tribunal ad quem, o Banco Português do Atlântico, além de impugnar os fundamentos de facto, que considerou não provados, e os de direito, que motivaram a decisão do Tribunal a quo, pediu, a título reconvencional, que a NASA fosse condenada no pagamento de uma indemnização no valor de USD 70.000.00 (setenta mil dólares americanos).
Por seu lado, a NASA Comercial, em contra-alegações, arguiu a deserção do recurso por virtude de, como alegou, as custas finais e o preparo devidos terem sido pagos fora do prazo. Referiu, sobre a matéria, que o Banco havia sido notificado a 7 de Julho de 2006 para, no prazo de 5 dias, proceder ao pagamento das custas aqui mencionadas, o que, contudo, só viria a acontecer a 14 de Julho de 2006. Aliás, o pedido de deserção havia sido inicialmente requerido no Tribunal a quo, tendo nesta instância merecido despacho de indeferimento (fls. 145).
Com este mesmo fundamento (deserção), o Tribunal Supremo viria a indeferir, a 19/12/2008, o recurso interposto pelo BPA, decisão que, contudo, seria revista em consequência de uma Reclamação apresentada pelo Banco e que deu lugar ao Acórdão de 23/04/2010, de que a NASA Comercial ora recorre.
Neste segundo Acórdão, o Tribunal Supremo julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo BPA, tendo decidido no sentido seguinte:
Face a esta decisão, a Recorrente vem, em síntese e no que releva para o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, alegar o seguinte:
Que no exercício da sua actividade comercial abriu a conta com o nº 0965/005293/002, que foi indevidamente movimentada por uma funcionária do BPA, Joana Fernanda da Natividade, o que provocou um desfalque ao Banco, situação para a qual foi alertada, a 24 de Abril de 2000, por um representante desta instituição financeira;
Que a funcionária em causa, que foi detida e pronunciada pelo crime de abuso de confiança, pp pelos artigos 453º e 421º, nº 4 do CP, confessou a dívida, reconheceu os danos morais causados à Recorrente e comprometeu-se a pagar ao Banco a quantia retirada, o que viria a acontecer, como decorre dos autos (declaração de dívida, a fls. 7);
Que face aos movimentos irregulares, ordenou ao BPA que cativasse a sua conta, sendo que todo este processo foi acompanhado pelo representante do Banco, José Ribeiro, que testemunhou abonatoriamente a favor da Recorrente. Nos autos consta, a fls. 96, uma declaração nesse sentido, emitida a partir de Portugal, em que o representante do BPA atesta que a NASA nunca agiu de má fé ou com conhecimento perfeito dos movimentos irregulares verificados na sua conta;
Que o Tribunal Supremo deveria ter indeferido liminarmente a Reclamação ao Acórdão de 19/12/2008, que julgou deserto o recurso interposto pelo BPA, pois que do despacho que declara a deserção não se recorre, nem se reclama, por configurar despacho de mero expediente, nos termos do artigo 292º , nº 3 do CPC;
Que no Acórdão de 23/04/2010 ficou provado que o BPA não pagou o preparo do incidente do recurso e as custas finais, sendo que este segundo Acórdão traduz violação à lei, por virtude do que dispõem os artigos 668º nº 1, alínea c), 515º e 664º, todos do CPC;
Que os argumentos aduzidos pelo BPA, plasmados no Acórdão ora recorrido, não procedem, porquanto o Banco confunde pagamento do preparo inicial com o pagamento de custas finais, cuja liquidação deve ser feita no prazo peremptório de cinco dias, sob pena de violação dos artigos 292º, nº 3 do CPC, conjugado com os artigos 89, nº 4 e 135º do CCJ;
Que o Tribunal Supremo andou mal ao reconhecer a extemporaneidade do pagamento do preparo e das custas finais e, ainda assim, ter decidido pela não deserção do recurso;
Que o BPA manteve cativa a conta da Recorrente durante cinco anos, o que causou problemas sérios em matéria de pagamentos a fornecedores e de salários aos trabalhadores da NASA Comercial.
A Recorrente termina pedindo ao Tribunal Constitucional que seja confirmada a deserção do recurso, decidida no Acórdão de 19/12/de 2008, e que, não sendo esse o entendimento, o Banco seja condenado no pagamento de uma indemnização de montante não inferior a USD 70.000 (setenta mil dólares americanos).
II. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50º da Lei 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, LPC, têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade o Ministério Público e as pessoas, que de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.
A Recorrente foi Autora na Acção Declarativa de Condenação, que correu trâmites na 2ª Secção da Sala do Cível e do Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, com o nº 1.331/20002-A, e que deu lugar, em instância de recurso para o Venerando Tribunal Supremo, ao Acórdão de que ora recorre.
É, nesta qualidade, parte na relação material controvertida, possuindo, consequentemente, legitimidade para recorrer.
III. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
Ao Tribunal Constitucional compete, após esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, julgar os recursos interpostos das sentenças que violem princípios, direitos fundamentais, garantias e liberdades dos cidadãos, nos termos das disposições combinadas da alínea m) do artigo 16º da Lei nº 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC e da alínea a) do artigo 49º da Lei nº 3/08, ambos com as alterações que resultam das Leis 24 e 25/10, de 3 de Dezembro.
O presente recurso foi interposto e admitido no Venerando Tribunal Supremo por despacho datado de 31 de Julho de 2014 e prosseguiu os seus termos por despacho do Venerando Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, de 25 de Novembro de 2014, como recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
IV. OBJECTO DO RECURSO
O objecto do presente recurso é o Acórdão do Tribunal Supremo datado de 23/04/2010 (fls. 245 a 255) que, como anteriormente dito, anula a decisão de deserção da Apelação, absolve o Apelante (o Banco) da indemnização arbitrada em primeira instância e a Apelada (NASA Comercial) da reconvenção.
Atenta à natureza do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, o que nesta sede se fará é avaliar em que medida o Acórdão do Tribunal Supremo contém qualquer fundamento de direito ou decisão que contrarie princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na CRA (al. a) do artigo 49.º da LPC.
Nessa medida e na sequência do alegado pela Recorrente, apreciar-se-á se o Acórdão recorrido foi proferido à margem do que vem estabelecido na alínea c) do artigo 668º do CPC, e se com isso se configura violação a uma das dimensões do direito a um julgamento justo e em conformidade com a lei, consagrado no artigo 72º da Constituição da República de Angola, CRA e, em consequência, violação ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
À luz deste enunciado e face ao pedido formulado nesta instância pela Recorrente que igualmente tem por fundamento o disposto na alínea c) do artigo 668º do CPC, vai este Tribunal verificar se assiste razão a NASA Comercial quando defende a deserção do recurso interposto pelo BPA e quando reivindica o direito à indemnização em resultado da responsabilidade civil incorrida pelo Banco Português do Atlântico, Sucursal de Luanda, alegadamente por serem questões preteridas e que reclamam por um juízo de constitucionalidade.
V. APRECIAÇÃO
A deserção do recurso de apelação
No seu Acórdão de 19/12/2008 o Tribunal Supremo julgou deserta a apelação interposta pelo BPA face à constatação de que o pagamento das custas e preparo para o recurso, havia ocorrido fora do prazo peremptório de cinco dias previsto no Código das Custas Judiciais. A este propósito, lê-se no Acórdão:“…Resulta dos autos que o recorrente foi notificado no dia 07 de Julho de 2006 para efectuar o pagamento das custas e preparo para o recurso (fls. 139). No entanto o mesmo apenas procedeu a junção do duplicado das guias no dia 27 de Julho de 2208 retirando-se das mesmas que o pagamento foi efectuado no dia 18 de Julho de 2006. Em face de tais factos e atendendo que o Código das Custas Judiciais impõe no art. 89§ quatro (querendo dizer § terceiro) ex vi do art 135º que se proceda ao pagamento das custas e preparo do recurso no prazo de 5 dias, não restam dúvidas que, in concreto, o pagamento em causa foi efectuado fora do prazo previsto na lei. Assim sendo, tratando-se de um prazo peremptório, o não cumprimento do mesmo tem como consequência a deserção do recurso (artº 292º nº 1 do CPC).
Deste Acórdão o BPA deduziu reclamação com fundamento, no que à matéria da deserção diz respeito, nas seguintes nulidades processuais: a) erro na aplicação do direito, alegando que a cominação prevista na lei para o pagamento do preparo fora do prazo não é a deserção, mas antes a notificação do recorrente para proceder ao pagamento, com multa e no prazo de cinco dias, o que decorre, segundo o versado no douto Acórdão do Tribunal Supremo, da conjugação do artigos 135º e 134º do CCJ; b) relevância do vício de omissão de notificação de mandatário judicial, sustentada no facto de a notificação para o pagamento das custas judiciais aqui em causa ter sido feita na pessoa do Presidente do Conselho de Administração do BPA e não na pessoa do mandatário judicial, o que constitui violação ao artigo 253º do CPC; e c) conhecimento de questões de que o Tribunal não podia conhecer por não caberem no âmbito da Apelação, trazendo à liça o facto de a NASA não ter agravado do despacho de indeferimento que recaiu sobre o pedido de deserção do recurso do BPA proferido pelo Juiz da 1ª Instância, decisão que, deste modo, constitui, caso julgado formal.
O Venerando Tribunal Supremo decidiu pela improcedência do reclamado pelo BPA quanto ao erro na aplicação do direito, tendo reiterado os fundamentos expendidos no Acórdão de 19/12/2008 bem como do reclamado sobre a relevância do vício de notificação de mandatário judicial. Sobre esta questão, o Tribunal defendeu a preclusão do direito de arguir o vício de omissão de mandatário judicial por considerar que a irregularidade na notificação configura uma nulidade secundária que deveria ter sido suscitada no prazo de 5 dias após o seu conhecimento (artº 205º, nº 1 do CPC).
O Venerando Tribunal Supremo julgou, porém, procedente o facto de a NASA não ter agravado do despacho que indeferiu o requerimento de deserção do recurso pelo não pagamento das custas judiciais. Nestes termos, lê-se no Acórdão: “…Tendo já o Tribunal “a quo” se pronunciado expressamente acerca da questão da deserção do recurso e, não tendo a parte contrária recorrido da decisão de indeferimento, tal decisão transitou em julgado e, como tal, constituiu caso julgado formal. Tal equivale dizer que a decisão de indeferimento vincula necessariamente o Tribunal “ad quem” –artº 672º do C.P.C.”
Pelo que acima se enuncia, afigura-se constatar que a decisão de considerar improcedente o pedido de deserção não contradiz, nos seus elementos essenciais, os fundamentos que lhe deram causa, já que oTribunal Ad quem revogou o seu primeiro entendimento sobre esta questão com base num elemento novo trazido ao processo pelo BPA e que materializa a autoridade do caso julgado formal, ex vi do artigo 672º do CPC.
Na verdade, a consequência que decorre do presente pressuposto processual assenta exactamente na preclusão de reapreciação da mesma questão no âmbito do mesmo processo. Ou seja, a formação do caso julgado formal impede, à partida, a alteração dos despachos e sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual através da interposição de recurso, constituindo, desta forma, pressuposto da estabilidade da própria instância. Em síntese e como se colhe em alguma doutrina, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual, o que, consequentemente, torna definitiva a decisão tomada no processo que estiver em causa, já que esta não pode ser modificada por acto posterior que venha a ser praticado dentro do mesmo processo.
Face a ratio aqui subjacente, considera este Tribunal que, ao decidir como decidiu, o Tribunal Supremo não incorreu em qualquer inconstitucionalidade susceptível de afectar o direito a um julgamento em conformidade com a lei. Acresce que a protecção do caso julgado formal assume-se como garante dos princípios da confiança e da segurança jurídica que encontram respaldo na Constituição da República de Angola à luz da natureza do próprio estado democrático de direito, consagrado no artigo 2º da CRA.
E assim andou bem o Tribunal Supremo ao salvaguardar, desta forma, o direito ao recurso do BPA, enquanto direito que corporiza uma das dimensões do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e que garante as partes que dele se socorram a possibilidade de obter uma decisão sobre o mérito da causa. No mesmo sentido, tem este Tribunal constatado que os procedimentos relativos à cobrança das custas judiciais apresentam, na maior parte das vezes, dificuldades que prejudicam a realização do direito material. Nesse sentido, tem perfilhado o entendimento segundo o qual, estando em causa princípios constitucionais e direitos, liberdades e garantias protegidos pela CRA, a justiça material não deve sucumbir face ao direito processual, na medida em este deve servir como meio idóneo para a sua concretização. (Veja-se, entre outros, o Acórdão nº 154 /2012).
Por outro lado, também não colhe a tese da Recorrente que considera despacho de mero expediente o despacho de indeferimento relativo à deserção do recurso. A decisão de acolhimento ou de rejeição de um requerimento de interposição de recurso tem, face à teleologia do próprio direito ao recurso, que visa assegurar a função de reparação de eventual erro do julgador, consequências directas sobre o conflito de interesses em jogo. Daí a possibilidade de um tal despacho ser objecto de reclamação/ recurso nos termos do artigo 688ª do CPC.
Da responsabilidade civil
Ao abrigo da relação jurídica contratual entre a Recorrente e o Banco Português do Atlântico, Sucursal de Luanda, estabelecida com abertura da conta nº 0965/005293/002, o Tribunal a quo condenou o BPA a pagar uma indemnização à NASA em montante não inferior a USD 50.000.00 por danos verificados na esfera jurídica desta última. Lê-se na sentença, lavrada a 11 de Julho de 2005: “ O comportamento do réu em manter congeladas as contas por período longo, por não ter dado ouvido à solicitação das autoridades judiciais, que ordenaram há muito o descongestionamento das mesmas, é censurável, provocou danos na esfera jurídica da autora, pelo que se condena a pagar uma indemnização não inferior a USD 50.000.00”.
No Acórdão de que agora se recorre, o Venerando Tribunal Supremo decidiu revogar esta decisão, considerando ter sido insuficiente a prova produzida para demonstrar os danos morais e materiais sofridos pela NASA, no valor da indemnização arbitrada. Na sua decisão, este Tribunal refere: “… na elaboração da decisão está o juiz obrigado a respeitar o silogismo jurídico, devendo, como tal, subsumir os factos ao direito. Não resultando provado a existência de danos, está o Tribunal impedido de condenar no ressarcimento destes danos, pelo que ao decidir neste sentido andou mal o Tribunal “a quo”.”
Também neste domínio verifica este Tribunal que o Tribunal Supremo fez uma interpretação da matéria de facto subsumível aos preceitos legais que regulam a responsabilidade civil por perdas e danos, ex vi dos artigos 342º, 500º, 501º, 562º e 798º do Código Civil, CC, não configurando o alcance da referida interpretação qualquer inconstitucionalidade por contradição com o que dispõe a alínea c) do artigo 668º do CPC.
Não obstante, impõe-se avaliar se, ao revogar a decisão do Tribunal a quo e face às circunstâncias do caso concreto, terá, ainda assim, o Tribunal Supremo preterido o direito à indemnização reivindicado pela NASA por violação do contrato de depósito bancário que resultou da abertura da conta à ordem no BPA, Sucursal de Luanda, e enquanto titular de um direito de crédito sobre este último e se tal preterição releva para efeitos de qualificação como inconstitucional da medida tomada pelo Tribunal Supremo.
Como se constata, o Tribunal Supremo enquadrou a relação contratual vigente entre a Recorrente, credor, e o BPA, devedor, no âmbito de um contrato de depósito bancário, válido e eficaz, definindo-o como contrato ligado ao de conta bancária, nos termos do qual “uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante”, entendimento igualmente perfilhado por este Tribunal.
Considerou ter existido negligência por parte do Banco, ao permitir que uma funcionária movimentasse a conta de um cliente e provocasse o desfalque em causa, e que a NASA, ante à factualidade provada, não procedeu a levantamentos irregulares nem agiu de má fé, fundamentos que alicerçaram a convicção do Tribunal Supremo no sentido de rejeitar o pedido reconvencional deduzido pelo BPA e de confirmar a decisão de descongestionar a conta bancária da aqui Recorrente.
O Venerando Tribunal Supremo entendeu, deste modo, estarem reunidos os requisitos concretizadores de imputação de responsabilidade ao banco – conduta lesante, ilícita e negligente - para fundamentar apenas a reconstituição natural da obrigação que impendia sobre o BPA de colocar o dinheiro à disposição do depositante NASA, ou seja, a obrigação de cumprimento de um dos deveres decorrentes do contrato de depósito bancário. E nesta acepção não se pode, a bom rigor, falar de indemnização, já que no seu sentido rigoroso compreende apenas as medidas ou providências destinadas a reparar o prejuízo sofrido por outrem, com exclusão do que seja a mera realização (coactiva) do direito, como afirma Antunes Varela, a págs., 784, Das Obrigações em Geral. Assim, a indemnização aqui visada seria a destinada a compensar o prejuízo que resultou do período em que a recorrente se viu privada da possibilidade de movimentar a sua conta bancária, sendo certo que, à partida, a simples privação de um bem (o dinheiro, no caso) é efectivamente susceptível de provocar um dano, que pode ser avaliado monetariamente.
É, pois, consabido que a obrigação de indemnização, reunidos os seus pressupostos, pode resultar, além de outros factos, do incumprimento de obrigações contratuais, decorrente de facto danoso gerador de responsabilidade objectiva, porque incluído na zona de riscos a cargo de pessoa diferentes do lesado, nos termos dos artigos 798 º e 500º e seguintes do Código Civil, requisitos que se subsumem ao caso vertente, mas que, apesar de tudo, não foram suficientes para configurar o direito à indemnização da Recorrente.
A relação jurídico-bancária, da qual emerge o direito reclamado pela Recorrente, tem, na verdade, uma natureza complexa, por vezes difícil de explicar e traduzir, através da instrumentação jurídica tradicional, no dizer de António Menezes Cordeiro, in Direito Bancário. Requer, por isso, uma regulação prudencial, duradoura e assente em princípios como o da confiança e da boa-fé, dos quais adviriam para o Banco deveres de acompanhamento e prevenção e de acautelamento dos interesses dos seus clientes, como se extrai do autor acima citado. O caso sub judice configura afectação de tais princípios, o que poderia justificar a atribuição da indemnização reclamada pela recorrente NASA.
No entanto, a regulação da relação bancária não se posiciona à margem dos cânones gerais do direito civil, já que se desenvolve primacialmente em torno do contrato bancário, cuja celebração promana da autonomia privada das partes. Daí que a constituição da obrigação de indemnização no domínio bancário, não dispense nem a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, nem os da atribuição do ónus da prova. Desta feita, reivindicando a NASA a reparação dos prejuízos sofridos teria igualmente de fazer prova dos referidos danos, sustentada na relação de causalidade entre estes (danos) e a conduta do banco, como decorre do artigo 342º, nº 1 do CC.
Ora, a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos (artigo 341º do CC) e como destinatário o Juiz para permitir que este forme a sua convicção pela busca da verdade material a partir dos elementos probatórios que lhe são apresentados. Dos autos não se recolhe efectivamente matéria suficiente para sustentar a proposição da NASA com relação aos danos sofridos, quer os materiais, quer os morais, pelo que tal proposição não poderia ser tida em conta.
Embora a Recorrente não proceda à distinção entre os danos que pretende ver indemnizados, retira-se da sentença do Tribunal a quo que um dos fundamentos que determinou a condenação do BPA residiu no facto de, a funcionária que movimentou indevidamente a conta bancária da aqui Recorrente, além de ter confessado a dívida e equacionado a forma de ressarcimento, ter também reconhecido que provocou danos morais ao representante da NASA, Nascimento Alberto.
Tendo como ponto de partida tal entendimento, sempre se poderia admitir que o escopo da indemnização ora em causa era o de reparar os danos morais ocasionados à Recorrente.
Como supra se menciona, tanto os danos morais como os materiais devem, para merecerem tutela jurídica, ser objecto de prova nos termos do artigo 342º, nº 1 do CC. Porém, apesar de legalmente admissível a ressarcibilidade dos danos morais face ao estabelecido no nº 1 do artigo 496º do CC, o critério da sua determinabilidade, a ser encontrado na gravidade do dano, apresentará certamente maior complexidade em matéria de prova, o que não se compagina com o simples reconhecimento da sua existência, como verificado no caso sub judice. É pois de concluir que a prova é um pressuposto essencial para a concretização de um julgamento justo.
Do que vem dito supra, resulta que, também neste domínio, a decisão recorrida, não violou direitos constitucionalmente protegidos que se consubstanciasse em inconstitucionalidade.
VI. DECISÃO
As razões de direito acima expostas não sustentam a pretensão que a Recorrente pretende ver acolhida. O Acórdão do Tribunal, nos seus termos e fundamentos, não viola o direito a um julgamento justo e em conformidade com a lei, nem o princípio do acesso ao direito, com o sentido que se retira dos artigos 72º e 29º da Constituição da República de Angola.
Nestes termos
Tudo visto e ponderado
Acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:
Custas pela Recorrente artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 25 de Novembro 2015.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa (declarou-se impedido)
Dr.ª Efigénia Mariquinha S.L. Clemente
Dr.ª Luzia Bebiana de Almeida Sebastião
Dr.ª Maria da Imaculada L. da C. Melo (Relatora)
Dr. Miguel Correia
Dr. Onofre Martins dos Santos
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo