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ACÓRDÃO N.º 379/2015

 

PROCESSO Nº 480-A/2015

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do povo, acordam em conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

AFONSO MEHENDA MATIAS, ALBANO EVARISTO BINGO BINGO, DOMINGOS JOSÉ DA CRUZ, HENRIQUE LUATI BEIRÃO DA SILVA, HITLER JESSY CHIVONDE, JOSÉ GOMES HATA, MANUEL BAPTISTA CHINDE NITO ALVES, NELSON DIBANGO MENDES DOS SANTOS, OSVALDO SÉRGIO CORREIA CAHOLO E SEDRICK DE CARVALHO, melhor identificados nos autos, vieram, com o fundamento na al. a) do artigo 49.º e seguintes da Lei n.º 3/08, de 17 de Julho – Lei do Processo Constitucional, interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, da decisão do Tribunal Supremo, proferido no Processo n.º 537, que negou provimento ao pedido de Habeas Corpus por entender que a prisão dos Recorrentes é legal (cfr. fls. 51 e ss dos autos).

Para fundamentar o pedido, os Recorrentes alegam, em síntese, o seguinte:

  1.  A sua prisão foi motivada por facto pelo qual a lei não autoriza (cfr. al. b) do artigo 315.º do Código de Processo Penal, “C.P.P.”);
  2.  Às arguidas Laurinda Manuel Gouveia e Rosa Cusso Conde foi-lhes aplicada a medida de coacção de termo de identidade e residência, constituindo assim a aplicação da prisão preventiva aos Recorrentes uma violação do princípio da igualdade previsto no artigo 23.º da Constituição da República de Angola (CRA);
  3. O Acórdão recorrido violou, igualmente, o princípio da aplicação da medida de coacção mais favorável aos arguidos e o direito à presunção de inocência (cfr. artigo 57.º e 65.ºn.º 3 da CRA);
  4. A manutenção da prisão dos arguidos, viola o direito à liberdade, previsto nos artigos 36.º e 26.º n.º 2 da CRA., no artigo 9.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no artigo 6.º da Carta Africana do Direitos do Homem e dos Povos;
  5. Os factos praticados pelos arguidos não constituem crime, mas sim correspondem ao exercício da liberdade de expressão e informação (artigo 40.º da C.R.A.) e de liberdade de reunião e de manifestação (artigo 47.º da C.R.A.);
  6. Afirmam que o acórdão recorrido, ao validar a manutenção da prisão alegadamente ilegal, violou os imperativos constitucionais contidos nos artigos 36.º, 40.º, 47.º, 57.º, 65.º, 67.ºn.º 4 e 68.ºn.º 2, todos da C.R.A., os artigos 9.º e 19.ºn.º 3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o artigo 6.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.

Termina pedindo que os Recorrentes sejam postos em liberdade provisória, mediante termo de identidade e residência. 

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

Nos termos das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.ºda Lei n.º 2/08 de 17 de Junho - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, com a redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro, e da alínea a) do art.º 49.º, da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho-Lei do Processo Constitucional, o Tribunal Constitucional é competente para julgar os recursos de inconstitucionalidade interpostos de sentenças que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola.

III. LEGITIMIDADE DOS RECORRENTES

A legitimidade processual é apreciada por uma relação da parte com o objecto da acção. Essa relação é estabelecida através do interesse da parte em demandar ou contradizer.

Os Recorrentes são réus presos e pretendem, com a interposição do habeas corpus, ser restituídos à liberdade.

Assim, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), têm legitimidade para interpor o presente recurso.

IV. OBJECTO DE APRECIAÇÃO

O objecto do presente recurso é a decisão proferida pelo Tribunal Supremo que, no seu Acórdão de 10 de Setembro de 2015, negou provimento ao pedido de Habeas Corpus por entender ser legal a prisão dos Recorrentes.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais dos Juízes Conselheiros, cumpre, agora, apreciar e decidir.

V. APRECIANDO

A prisão preventiva é uma medida de coação processual, que consiste na privação da liberdade de um arguido para o colocar à disposição da entidade encarregue da investigação criminal e da instrução processual ou de um juiz, na fase judicial, sob determinadas condições e requisitos, a ser cumprida dentro dos prazos estabelecidos na lei.

O artigo 68.º da CRA prevê o direito à providência de habeas corpus. Por sua vez, o § único do artigo 315.º do CPP, estabelece as condições da sua procedência, designadamente a existência de prisão efectiva e actual ferida de ilegalidade, por qualquer dos seguintes motivos:

  1. ter sido efectuada ou ordenada por quem para tal não tenha competência legal;
  2.  ser motivado por facto pelo qual a lei não autoriza a prisão;
  3.  manter-se além dos prazos legais para apresentação ao Magistrado e para a formação da culpa;
  4.  prolongar-se para além do tempo fixado por decisão judicial para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação.

Entende este Tribunal que as ilegalidades que têm o condão de fazer proceder uma providência de habeas corpus são, apenas, as taxativamente enumeradas acima.

Alegam os Recorrentes que o seu pedido é fundado na alínea b) do artigo 315.º do C.P.P., onde se prevê o atendimento à providência de Habeas Corpus, por esta ser “motivada por facto pelo qual a lei não autoriza prisão”.

O que é importante aferir para determinar se, de facto, a prisão dos recorrentes foi motivada por facto cuja lei não autoriza a prisão, é saber se o comportamento assumido por estes, é ou não subsumível à algum tipo legal de crime.

O Ministério Público (M.ºP.º) junto do Serviço de Investigação Criminal (SIC), no âmbito das suas competências, assim como a acusação e a pronúncia que se lhe seguiram e de que este Tribunal tem conhecimento oficioso (Processo n.º 495-B/2015), consideram que os actos praticados pelos Recorrentes indiciam a prática de actos preparatórios de rebelião e de atentado contra o Presidente da República, previstos e punidos nos termos dos artigos 21.º n.º 1 e 23.º n.º 1, com referência ao artigo 28.º, todos da Lei n.º 23/10, de 3 de Dezembro, - Lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado.

Só em sede de julgamento, em primeira instância, se pode concluir o contrário, ou seja, que o comportamento adoptado pelos Recorrentes não está tipificado como crime.

Na verdade, uma vez que os Recorrentes já foram acusados e pronunciados, e neste momento decorre o julgamento, é nesta sede, como se disse supra, que se deverá clarificar se os recorrentes cometeram ou não algum crime.

A providência aqui requerida, não tem este condão, pois, conforme já se afirmou no Acórdão n.º 236/13, deste Tribunal, “O Habeas Corpus não é (mais) um recurso, é uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo, em muito curto espaço de tempo, a uma situação ilegal de privação de liberdade”, pelo que não podem os recorrentes usar este expediente para conseguir um fim que só é alcançável com o recurso ordinário, que é a alteração da medida de coacção.

Em boa verdade, os recorrentes requereram a providência por não concordarem com a medida de coacção aplicada (prisão preventiva), por entenderem que à eles deveria ter sido aplicado outra medida, isto é, o termo de identidade e residência.

Como se demonstrou, não é este o escopo do habeas corpus.

Contrariamente ao que afirmam os Recorrentes, o Representante do Ministério Público informou ao Tribunal Supremo, a fls.31, que a prisão foi efectuada em flagrante delito, pelo que se regeu pelo Capítulo II da Lei n.º 18-A/92, Lei da Prisão Preventiva.

Decorre desta lei que o único requisito para se legalizar a prisão efectuada em flagrante delito é a infracção cometida corresponder a pena de prisão maior.

Ora, entendendo que a pena de prisão maior é o contrapolo da prisão correccional (inferior a dois anos), ela corresponde a pena superior a dois anos. O Crime de que os recorrentes foram indiciados na altura, é punível com a pena de até 3 (três) anos, nos termos do artigo 28.º da Lei dos crimes contra a Segurança do Estado.

É do conhecimento deste Tribunal que os aqui Recorrentes já foram pronunciados pelos mesmos crimes de que foram indiciados e acusados.

Segundo o professor Grandão Ramos, in Direito Processual Penal, Noções Fundamentais, pags. 346 e 347, “A pronúncia representa a confirmação do juízo de probabilidade expresso na acusação pública ou privada a respeito da existência do crime, das circunstâncias em que foi cometido, da forma de participação do réu e do seu grau de responsabilidade.” Ainda na senda do mesmo tratadista, ela “significa a aceitação pelo juiz dos factos alegados na acusação…” e “fixa, em princípio, definitivamente, os factos e, com eles, o objecto do processo”.

Um dos objectivos do despacho de pronúncia é decidir sobre a situação carcerária dos réus (cfr n.º 5 do art. 366.º do CPP). Pressupõe dizer que qualquer irregularidade decorrente da detenção ou prisão, considera-se sanada pelo despacho de pronúncia.

Como acima dito a pretensão de fundo dos Recorrentes, com o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, é a de cessação da prisão preventiva.

Contudo, tal pretensão não pode proceder por via da declaração de inconstitucionalidade do Acórdão do Tribunal Supremo que recusou o seu pedido de habeas corpus pois, como anteriormente dito, esse acórdão está conforme à Constituição e a prisão dos Recorrentes foi determinada com base na lei vigente aplicável à data.

Todavia, não pode o Tribunal Constitucional deixar de considerar que com a entrada em vigor da nova lei das medidas cautelares em processo penal (Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro), o crime de que vêm pronunciados os Recorrentes, passa a não admitir prisão preventiva - art. 36.º, porque punível com pena não superior a três anos. Consequentemente e por se tratar de Lei mais favorável, dela beneficiarão os Recorrentes (aplicação retroactiva) nos termos do n.º 4 do artigo 65.º da CRA.

Porém, a competência para a partir de 18/12/2015, data de entrada em vigor da nova lei, para decidir a substituição da medida de coacção (prisão preventiva) que lhes foi aplicada é do juiz da causa e não do Tribunal Constitucional.

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado,

Acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:  

Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 15 de Dezembro de 2015

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS 

Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente) 

Dr. Agostinho António Santos

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa (Relator) 

Dra. Efigénia M. dos S. Lima Clemente

Dra. Luzia Bebiana de Almeida Sebastião

Dra. Maria da Imaculada L. da C. Melo

Dr. Miguel Correia

Dr. Onofre Martins dos Santos

Dr. Raúl Carlos Vasques Araújo