ACÓRDÃO N.º 383/2016
PROCESSO Nº 453-B/2015
(Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações)
Em nome do Povo, acordam em conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Sediangani Mbimbi, na qualidade de Presidente do Partido PDP-ANA, com os demais sinais especificados nos autos, intentou e fez seguir contra Simão Makazo, Secretário-Geral Adjunto do PDP-ANA, uma acção de impugnação do Congresso do referido Partido realizado em Luanda, nos dias 27, 28 e 29 de Março de 2015, nos termos do nº 2 do artigo 29º da Lei n.º 22/10 de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos, conjugado com o artigo 177º do Código Civil.
Para o efeito, o Requerente apresentou os seguintes argumentos:
1- Que soube, por intermédio de notícias veiculadas na Imprensa, que o Requerido havia convocado para os dias 27, 28, e 29 do mês de Março de 2015 um Congresso em que terá sido eleito Presidente do Partido PDP-ANA;
2- Enquanto Secretário-Geral Adjunto, o Requerido não tem competência para convocar o Congresso, porquanto tal poder é atribuído, nos termos das alíneas c) e m) do artigo 49º dos Estatutos do Partido, ao Presidente da referida organização;
3- O Secretário-Geral, (e não o Secretário Geral-Adjunto) poderá convocar o Congresso, apenas nas situações de impedimentos do Presidente do Partido;
4- A convocação de um Congresso, como o que constitui objecto do presente processo, deve ser antecedida de algumas formalidades, de entre as quais se destacam:
5- Nenhum dos requisitos acima referidos foi cumprido, pelo que,
o Requerente termina a sua exposição, solicitando que o Tribunal Constitucional declare a nulidade do Congresso convocado pelo Requerido.
Tendo o Requerido, Simão Makazo sido notificado para contestar, pronunciou-se sobre o pedido do Requerente, e veio afirmar o seguinte:
O Requerido termina a sua exposição solicitando ao Tribunal Constitucional o seguinte:
Sobre a matéria dos autos e com o objectivo de obter das partes informação complementar, o Tribunal Constitucional ouviu ainda em Plenário e em separado, o Requerente e o Requerido, que se fizeram acompanhar dos seus mandatários judiciais.
Colhida a vista da Digna Representante do Ministério Público e os demais vistos legais dos Juízes Conselheiros, cumpre apreciar e decidir.
II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
A competência do Tribunal Constitucional para apreciar a presente acção resulta do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 180º da Constituição da República de Angola – CRA, da alínea j) do artigo 16º e do artigo 30º, ambos da Lei n.º 2/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, conjugados com a alínea d) do artigo 63º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, e do nº 2 do artigo 29º da Lei n.º 22/10 de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos.
III. LEGITIMIDADE
Para intervir no processo como parte, afigura-se necessária a existência de um interesse sério em demandar ou em contradizer. Será este interesse que nos termos da legislação aplicável, determinará a legitimidade dos intervenientes para manifestação das suas pretensões, tendo em conta o objecto da lide.
O Recorrente, é membro do Partido PDP-ANA, exercendo as funções de Presidente, desde o ano de 2005, após a realização do Iº Congresso extraordinário. Neste mesmo Congresso, o Requerido assumira o cargo de Secretário-Geral Adjunto daquela organização partidária.
Deste modo, não restam dúvidas que ambos têm uma ligação com o Partido PDP-ANA, estando por isso em condições de impugnar qualquer acto ou deliberação que tenha sido tomada pelos restantes membros da organização.
Têm, assim, Requerente e Requerido, legitimidade para formular e responder ao pedido submetido à apreciação do Tribunal Constitucional.
IV. OBJECTO
O processo incide sobre o Congresso do PDP-ANA, realizado nos dias 27, 28 e 29 de Março de 2015, devendo o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a sua validade.
V. APRECIANDO
Acompanhando e analisando a vida interna e o percurso do Partido PDP-ANA, constata o Tribunal Constitucional que, esta, não é a primeira vez que é chamado para dirimir um conflito que opõe os militantes do referido Partido, sendo que a conflitualidade existente no seio do PDP-ANA, vem de, há pelo menos, sete (7) anos.
No ano de 2009, o ora Requerente Sediangani Mbimbi, recorreu ao Tribunal Constitucional, interpondo um recurso para impugnar a legalidade da realização de uma reunião do Comité Central do Partido, convocada e dirigida pelo ora Requerido, Simão Makazo. O recurso foi autuado como processo n.º 109/2009.
Da análise do referido processo, constatou o Tribunal Constitucional que, o Comité Central do Partido PDP-ANA não reunia desde Abril de 2005, sendo esta a razão fundamental em que assentava a divergência que opunha as partes.
Assim, pelo Acórdão n.º 119/2010, de 12 de Maio, decidiu este Tribunal invalidar a reunião do Comité Central convocada pelo ora Requerido, pelo facto deste não ter competência estatutária para o efeito. De igual modo, a decisão determinou que o ora Requerente, na qualidade de Presidente do Partido, deveria convocar uma reunião do Comité Central, no prazo fixado de aproximadamente três meses.
O ora Requerente, enquanto Presidente do Partido PDP-ANA, não cumpriu esta decisão do Tribunal de reunir o Comité Central.
Mais tarde, com os bons ofícios do Gabinete dos Partidos Políticos deste Tribunal, o Requerente e o Requerido celebraram um acordo conciliatório em 03/09/2011 (fls. 291) à luz do qual o Partido PDP-ANA deveria realizar o seu Congresso ordinário, depois das Eleições Gerais que tiveram lugar no país em Agosto de 2012. Também este compromisso não foi respeitado pelo Requerente, não tendo este feito alguma convocatória para reunir o Comité Central do Partido PDP-ANA, a fim de este convocar o Congresso nos termos dos respectivos Estatutos.
Constata este Tribunal que, os órgãos de direcção do Partido PDP-ANA (Comité Central, Bureau Político e Secretariado) não se reúnem por falta de vontade política e por inacção do Presidente, ora Requerente (o Comité Central e o Bureau Político desde 2005, e o Secretariado desde 2009).
Consequentemente, a decisão de promover a reunião dos órgãos colegiais de direcção do Partido (Comité Central), a realização do Congresso em Março de 2015, pelo ora Requerido, somente ocorreu porque o ora Requerente lhe deu causa, com a sua conduta omissiva e de incumprimento sistemático e reiterado do estatuto do partido, do acordo de conciliação acima referido e de uma decisão judicial deste Tribunal.
Com efeito, de acordo com as disposições conjugadas da alínea f) do n.º 2 do art.º 17.º da Constituição da República de Angola (CRA), e da alínea c) do art.º 8.º da Lei dos Partidos Políticos (LPP), os Partidos Políticos, organizam-se e funcionam respeitando o princípio democrático. É ao abrigo do mesmo princípio democrático que devem ser feitas as eleições periódicas dos órgãos centrais e locais dos Partidos Políticos, sob pena de extinção, nos termos da al. d) do n.º 4 do art.º 33.º da LPP.
A decisão de não convocar e também não realizar as reuniões dos órgãos colegiais de Direcção do Partido PDP-ANA, por parte do seu Presidente, ora Requerente, viola o princípio constitucional e legal supra mencionado.
No entanto, verifica este Tribunal que o Congresso do PDP-ANA realizado em finais de Março de 2015 teve a aceitação de militantes do Partido, como o atestam as actas presentes nos autos, documentando uma participação significativa de militantes de distintas províncias do País. Mais observa o Tribunal, que o Congresso procedeu à eleição democrática, por via do voto, dos órgãos de direcção do Partido, dando um sinal de democraticidade interna que respeita o princípio exarado tanto na Constituição (alínea f) do n.º 2 do artigo 17.º) quanto na Lei dos Partidos Políticos (alínea c) do artigo 8.º).
Ao invés, o comportamento omissivo do Requerente Sediangani Mbimbi não apenas contraria a Constituição e a Lei dos Partidos Políticos, como também a determinação do Tribunal Constitucional, comportamento omissivo tal que deixaria o Partido à mercê de um pedido de extinção que só a realização do Congresso ora impugnado pode agora impedi-lo (alínea d) do n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos).
Embora o Tribunal não possa deixar de registar que o Requerente Sediangani Mbimbi tenha vindo requerer a anulação do Congresso em seu proveito – a sua manutenção na presidência do Partido – com base em factos a que ele próprio deu causa pela sua omissão reiterada, uma jurisprudência consistente obriga a avaliar dos fundamentos do pedido, nomeadamente a convocação do Congresso por quem não tenha competência estatutária para o fazer. Foi, aliás, com fundamentos idênticos que o Tribunal Constitucional se pronunciou favoravelmente ao pedido apresentado em 2009 pelo mesmo Requerente, no referido Acórdão n.º 119/2010.
O Tribunal verifica, em primeiro lugar, que muito dificilmente o Requerente podia desconhecer a convocatória para o Congresso, que foi feita pelo Comité Central na sua reunião extraordinária datada de Maio de 2014, a qual foi objecto de publicação e larga divulgação nos media, como consta dos autos.
Constata, igualmente, pela documentação apresentada, que o Congresso não foi convocado pelo Requerido Simão Makazo, mas sim pelo órgão competente que, de acordo com os Estatutos, é o Comité Central.
O Tribunal Constitucional ouviu, em separado, cada uma das partes, acompanhadas dos seus mandatários judiciais, tendo apurado, do esclarecimento por estas prestados, que muitos dos membros do Comité Central já são falecidos, outros perderam a qualidade por não residirem no país, para além dos que se filiaram em outros partidos políticos.
Por estes factos, não seria realista ajuizar do quórum de 2/3 tendo como referência os 220 membros eleitos para o Comité Central há mais de dez anos (2005). Da documentação relativa ao Congresso realizado em Março consta que o Comité Central que o precedeu contou com a presença de 88 membros, de um total de 108 em efectividade de funções.
Este número (88 de um total de 108) é perfeitamente aceitável e configura um quórum de mais de 2/3 dos membros em efectividade de funções pelo que não procede o argumento do Requerente quanto à falta de quórum da sessão do Comité Central para convocar o Congresso.
Nos termos estatutários o Presidente do PDP-ANA é substituído nos seus impedimentos e ausências pelo Secretário-Geral. Na falta deste, essas competências são exercidas pelo Secretário-Geral Adjunto. Poderia, nessa qualidade, o Requerido Simão Makazo convocar o Comité Central com vista à convocação do Congresso em causa?
Depois da audição das partes, o Tribunal Constitucional formou a convicção de que o Requerente não convocou o Comité Central não porque tenha estado ausente ou impedido, mas porque não o quis. Invocou, é certo, razões de diversa ordem, praticamente todas de ordem financeira, mas o resultado é o mesmo: a não realização da reunião do Comité Central por falta de vontade política do Presidente. O facto de o Congresso ter sido efectivamente realizado com o esforço do Secretário-Geral Adjunto e a contribuição dos militantes apenas torna essa conclusão ainda mais evidente.
É convicção deste Tribunal que a convocação do Comité Central pelo Secretário-Geral Adjunto resultou de uma omissão voluntária, reiterada e sistemática do Presidente do Partido que tem o mesmo efeito da deliberada recusa da sua convocação. Uma omissão não apenas sem fundamento, mas à revelia da Lei dos Partidos Políticos, dos Estatutos do PDP-ANA, da Constituição e de uma decisão do próprio Tribunal Constitucional. Uma negação tácita, implícita numa conduta omissiva que se confunde e se equipara ao abandono de funções e ao impedimento definitivo do Presidente que, de motu próprio, se excluiu da vida partidária do PDP-ANA, ao ponto de arriscar a extinção do próprio Partido.
Resulta claro, para este Tribunal que deve colocar num dos pratos da balança da justiça, um comportamento partidário que vai ao encontro dos princípios democráticos estabelecidos na Constituição e na lei e, no outro, um comportamento omissivo que vai contra esses valores.
A avaliação do Tribunal vai, assim, no sentido da salvaguarda do princípio constitucional da democraticidade interna dos Partidos Políticos, conforme lapidarmente enunciado no art.º 17.º da CRA e que, consequentemente, no caso presente, aponta para a continuidade da existência do Partido PDP-ANA.
DECIDINDO
Neste termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda,16 de Fevereiro de 2016.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. Agostinho António Santos
Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator)
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr.ª Efigénia M. dos S. Lima Clemente
Dra. Luzia Bebiana de Almeida Sebastião
Dr.ª Maria da Imaculada L. da C. Melo
Dr. Miguel Correia
Dr. Onofre Martins dos Santos
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo