ACÓRDÃO N.º 384/2016
PROCESSO N.º 491-D/2015
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
Nos termos do artigo 16.º, alínea m), da Lei n.º 2/08 de 17 de Junho e do artigo 49.º, alínea a), da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, o Tribunal Constitucional é o competente para julgar os recursos de inconstitucionalidade interpostos de sentenças que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola.
III. LEGITIMIDADE
A ora Recorrente foi a requerente da indeferida providência de habeas corpus pelo que, nos termos do artigo 50.º, alínea a), da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho- Lei do Processo Constitucional, é parte legítima.
IV. OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é o Acórdão do Tribunal Supremo, proferido na 3.ª Secção da Câmara Criminal, Processo n.º 515, que indeferiu o pedido de revogação da medida de coacção de interdição de saída do país imposta à ora Recorrente, com fundamento na inadequação da providência de habeas corpus ao presente caso, na medida em que se tratava de um instrumento exclusivamente destinado a pôr termo a detenção ou prisão ilegal.
V. APRECIANDO
A ora Recorrente apresentou ao Tribunal Supremo um pedido de habeas corpus, nos termos do artigo 68.º da Constituição da República de Angola (CRA), com fundamento no excesso da limitação imposta à sua liberdade de circulação, no âmbito do processo contra si instaurado na DNIAP (processo n.º 86/2013).
Embora reconhecendo o Tribunal Supremo que a medida de interdição de saída do país afectava a liberdade de circulação da Requerente, excluiu do âmbito da providência de habeas corpus qualquer eventual abuso de autoridade que não se traduzisse em prisão ou detenção ilegal (n.º 1 do artigo 68.º da CRA).
Ora, os princípios que regem a liberdade individual, consagrados na Constituição e nas Convenções Internacionais a que Angola aderiu, visto o disposto no n.º 2 do art.º 26.º da CRA, apontam, no entanto, no sentido de integrar no âmbito da providência de habeas corpus qualquer outra restrição abusiva do direito à liberdade individual em todas as suas manifestações, como é o caso, especificadamente do direito de circulação expresso no artigo 46.º da Constituição da República de Angola.
Estando decorrido, à data do acórdão em apreciação, mais de ano e meio sobre o decretamento da medida de interdição da Requerente de saída do país, sem que tivesse sido deduzida a acusação ou a pronúncia contra a Requerente, tendo como elemento de comparação outros prazos constantes da lei penal, então vigente, relativos à prisão preventiva, era por demais evidente o excesso daquela medida de coacção.
Não seria coerente com a Constituição, com base numa interpretação restritiva de uma das suas disposições, deixar de decidir um pedido contra um excesso de uma medida de coacção quando esta reconhecidamente não se limite ao necessário, proporcional e razoável, numa sociedade livre e democrática (n.º 1 do artigo 57.º da CRA).
Com efeito, o acórdão recorrido fez uma interpretação literal do artigo 68.º da Constituição. Tal interpretação não se compagina com a moderna hermenêutica do regime dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, nomeadamente a que orienta para a interpretação que prefira a máxima eficácia e abrangência dessas normas, vistas no conjunto da Constituição, tal como é indicado nos artigos 29.º, 46.º, 57.º e 66.º.
Entende, assim, o Tribunal Constitucional, que todos têm direito à providência de habeas corpus contra o abuso do poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal mas, também, nos demais casos que consubstanciem restrições abusivas e ilegais a liberdade individual dos cidadãos consagrada na Constituição, tais como a interdição de saída do país, a prisão preventiva ou domiciliária.
Entretanto, já posteriormente à prolacção da decisão recorrida, foi publicada a Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, a qual veio sujeitar todas as medidas de coacção aos mesmos princípios fundamentais, como os da necessidade, proporcionalidade, subsidiaridade e adequação (Preâmbulo), unificando os prazos a que a quase totalidade das medidas de coacção passam a estar submetidas.
Assim, nos termos da nova lei, a duração da interdição de saída do país não pode exceder os prazos estabelecidos para a prisão preventiva (n.º 3 do artigo 32.º e artigo 40.º da Lei n.º 25/15).
Por remissão para o artigo 40.º da Lei n.º 25/15, a medida de interdição de saída do país deve cessar quando tenham decorrido:
Uma vez que se acham decorridos mais de dois anos desde a aplicação da medida de interdição de saída do país e não tendo sido ainda a Recorrente levada a julgamento, mostra-se largamente excedido o prazo de duração da medida de coacção aplicada (de 12 de janeiro de 2014 a 17 de Fevereiro de 2016).
A Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal não estabelece, no entanto, apenas o seu limite de duração, como as considera extintas com o decurso do respectivo prazo legal (alínea a) do n.º 1 do seu artigo 24.º).
Perante o reconhecimento de que se mostra esgotado, há muito, o prazo legal admissível para a aplicação da medida de coacção em causa, não pode este Tribunal, como Tribunal dos Direitos Humanos e Fundamentais que particularmente o é, especialmente no âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, deixar de dar provimento ao recurso, declarando a extinção da medida aplicada.
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado,
Acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em
Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15 da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 17 de Fevereiro de 2016.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. Agostinho António Santos
Dr. Américo Maria de Morais Garcia)
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr.ª Efigénia M. dos S. Lima Clemente
Dra. Luzia Bebiana de Almeida Sebastião
Dr.ª Maria da Imaculada L. da C. Melo
Dr. Miguel Correia
Dr. Onofre Martins dos Santos (Relator)
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo