ACÓRDÃO N.º386/2016
PROCESSO N.º 489-B/2015
Recurso para o Plenário
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Daniel António Afonso e Eduardo Sebastião Mateus, respectivamente Secretário Nacional e membro do Secretariado Nacional da JFNLA – Juventude da Frente Nacional de Libertação de Angola, vieram interpor recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do despacho do Juiz Presidente que indeferiu o seu pedido de revisão do Acórdão nº365/2015 deste Tribunal, prolatado a 22 de Setembro de 2015 e que recaiu sobre o processo 447-D/2015.
Nesse Acórdão, o Tribunal Constitucional negou provimento a um pedido dos Recorrentes no sentido de ser declarada a nulidade do IV Congresso Ordinário da FNLA, revogado o mandato do actual presidente do partido Lucas Mbenghi Ngonda e ordenada a constituição de uma comissão de reconciliação, com competência para estruturar e dinamizar a realização de um Congresso de reunificação, aberto e democrático, e assegurar a gestão administrativa, financeira e patrimonial desta força partidária.
No despacho de indeferimento, que dá causa ao presente recurso, o Venerando Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, após apreciação preliminar pelo Plenário do pedido de recurso extraordinário de revisão, nos termos do nº 4 do artigo 5º da Lei nº 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, fundamentou a sua decisão na inexistência de requisitos legais de admissibilidade do pedido de revisão, em decorrência do estabelecido no artigo 771º do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo constitucional pelo disposto no artigo 2º da Lei nº 3/08.
No presente recurso, os Recorrentes reiteram, no essencial, os fundamentos constantes do primeiro pedido de revisão, alegando, porém, terem suprido as deficiências que fundamentaram a rejeição.
Assim e no que mais releva, sustentam a sua pretensão no que a seguir se enuncia:
A - Oposição nos depoimentos da Juíza Relatora com a decisão recorrida. Referem, a propósito, que:
B - Falta de quórum, falsificação e apresentação, fora dos prazos legais exigidos pelo Tribunal Constitucional, de novos documentos para aferição do Congresso. Sobre esta matéria, dizem, em síntese, que:
C - Fraude na eleição de delegados ao Congresso. Acerca deste “quesito”, dizem os Recorrentes que:
Terminam reiterando o pedido de nulidade do Congresso e requerendo ao Tribunal que, com vista à supressão de eventuais dúvidas relacionadas com as questões de facto, considere o previsto no artigo 642º do CPC, nos termos do qual “se houver oposição directa, acerca de determinado facto entre os depoimentos das testemunhas ou entre eles e o depoimento da parte, pode ter lugar, oficiosamente ou a requerimento das partes, a acareação das pessoas em contradição”.
Enquanto prova documental, anexam, grosso modo, o rol de documentos que juntaram ao primeiro pedido de revisão extraordinária do Acórdão nº 365/2015, que foi processado e autuado com o nº 482-C/2015.
II. LEGITIMIDADE
Os Recorrentes são membros do Partido FNLA e foram parte vencida na acção de impugnação do IV Congresso da FNLA, relativamente a qual recaiu o Acórdão nº 365/2015, que pretendem, agora, seja revisto ao abrigo do recurso extraordinário de revisão.
Têm, em consequência, um interesse em ver apreciado o recurso submetido ao Plenário do Tribunal Constitucional e, como tal, são parte legítima na presente lide, em decorrência do que prevêem os artigos 26º e 680º nº 1 do CPC, aplicáveis subsidiariamente por força do artigo 2º da Lei nº 3/08, de 17 de Junho.
III. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
Ao Tribunal Constitucional compete, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 180º da Constituição da República de Angola, em conjugação com o artigo 16º, alínea j) da Lei nº 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (com a redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro) e com alínea d) do nº 1 do artigo 63º da Lei nº 3/07, de 17 de Junho, julgar as acções de natureza político-partidária bem como as que se referem à impugnação de eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos.
No presente processo está em causa um despacho de indeferimento da admissão de um recurso extraordinário de revisão do Acórdão n.º 365/2015.
IV. OBJECTO DO RECURSO
É objecto deste recurso verificar se o pedido de revisão extraordinária do Acórdão n.º 365/2015 reúne, como alegado, os requisitos legais de admissibilidade previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 771º do CPC, contrariando, desta forma, o despacho de indeferimento do Venerando Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, uma vez que os Recorrentes alegam ter suprido as deficiências que determinaram a rejeição do pedido.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
V. APRECIAÇÃO
A-Questão Prévia
Na pendência da presente acção, os Recorrentes deram entrada a 23 de Fevereiro de 2016, fls. 37 e 38, de uma peça inominada cujo conteúdo apresenta dois pontos: No primeiro denominado "causa de pedir", contendo um subponto intitulado "questão de facto", os Recorrentes invocam caducidade do prazo para julgamento do processo sub-judice e consequentemente estar-se perante um caso julgado formal, alegadamente por o Tribunal Constitucional não ter cumprido o prazo para a prática dos actos processuais legalmente previstos nos artigos 112º, subsecção II e 776º alínea b) do Código do Processo Civil, C.P.C.
No segundo ponto, com a epígrafe "objecto do pedido", os Recorrentes requerem ao Plenário do Tribunal Constitucional que, "decorrida a caducidade de prazo legal para a prática dos actos processuais sobre o Proc. nº 489-B/2015, se profira decisão de nulidade do Congresso da FNLA de 2015, visto que a causa apresentada está ganha nos termos dos artigos 112º, subsecção II, 772º e 776º do C.P.C e demais razões e fundamentos legais expostos no Recurso, Proc. Nº489-B/2015 sobre o Acórdão nº 365/2015, de 22 de Setembro, -FNLA".
O entendimento deste Tribunal sobre a peça produzida é de que está-se perante uma inutilidade processual, pelo que deveria ser desentranhada dos autos, por extemporaneidade e inutilidade jurídica.
Outrossim, face à situação de conflitualidade em que se encontra o Partido FNLA, constata este Tribunal que os Recorrentes encontram-se a pleitear num tribunal superior, desacompanhados de mandatário judicial, conforme resulta do disposto no artigo 32º do C.P.C., que estabelece a obrigatoriedade legal de constituição de mandatário para protecção e garantia dos interesses dos cidadãos.
Constata, assim, o Tribunal Constitucional que a ratio subjacente no artigo 32º do C.P.C, que estabelece à obrigatoriedade legal de constituição de mandatário para protecção e garantia dos interesses dos cidadãos, manifesta-se no caso em apreço de forma evidente, porquanto, como se pode verificar, os Recorrentes invocam erradamente o direito e fazem uma má aplicação do mesmo. Qualquer um dos artigos citados para fundamentar a pretensão invocada não se refere a prazo para o juiz proferir decisão. Apenas o artigo 772º do C.P.C consagra o prazo para interpor o recurso de revisão, logo é um preceito que se aplica às partes e não ao juiz. De igual modo, tem a mesma sorte o entendimento estabelecido pelos Recorrentes quanto ao decurso do prazo para decidir, uma vez que não tem enquadramento no disposto nos artigos 63º e 66º da Lei do Processo Constitucional, L.P.C.
Por conseguinte, é de aludir, na mesma esteira, que a cominação que pretendem os Recorrentes não tem respaldo nem legal, nem constitucional. Como é bem de ver, num recurso dirigido ao Plenário deste Tribunal, por não admissão de um recurso extraordinário de revisão, não se pode inferir, mesmo que o juiz estivesse sujeito a prazo para julgamento, que o decurso do prazo daria um efeito cominatório ao objecto da revisão solicitada. É que, dentro da racionalidade do direito, o efeito máximo que se poderia obter é a cominação relativamente ao recurso de revisão. Ou seja, dar-se o mesmo como aceite e voltar-se a julgar a acção, não podendo decorrer daí, ipso facto, a invalidade do congresso do Partido FNLA, como pretendem os Recorrentes.
B - Quanto aos fundamentos do presente recurso ao Plenário deste Tribunal
Tal como decorre da lei, da doutrina e da jurisprudência, o recurso extraordinário de revisão, enquanto mecanismo processual destinado a“atacar” uma decisão transitada em julgado, justifica-se perante a existência de razões excepcionalmente graves que determinem alterar a decisão revidenda. Tem, assim, subjacente a ideia de fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o da segurança jurídica, que exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora, nas palavras de Alberto Reis, in Código do Processo Civil Anotado.
Deste modo, a procedência deste recurso só é admissível quando, em face da verificação de algum dos requisitos enunciados taxativamente no artigo 771º do CCP, se justificar o reexame da decisão recorrida, que obrigue a quebrar a rigidez do princípio da segurança jurídica, já que a sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio, como igualmente enfatiza o Ilustre Processualista acima citado.
Ora, os Recorrentes fundamentam o seu pedido de revisão extraordinária do Acórdão nº 365/2015 nas alíneas a), b) e c) do artigo 771º do CPC, pelo que irá este Tribunal avaliar se os argumentos que arrolam, além de se subsumirem ao estipulado nestas disposições legais, justificam a abertura de um juízo rescisório com vista à prolação de uma nova decisão.
A alínea a) do artigo 771º
Nos termos desta alínea, a decisão de que se recorre só pode ser objecto de revisão quando se mostre, por sentença criminal passada em julgado, que foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz ou de algum dos juízes que na decisão intervieram.
Dito de outro modo, decorre desta disposição legal que o que desencadeia o pedido de revisão é um facto criminoso praticado pelo juiz da causa, sendo que a revisão apenas pode ser requerida depois de obtida sentença judicial, com trânsito em julgado, de condenação do juiz por qualquer um dos crimes aí previstos.
Ora, do que é trazido à consideração deste Tribunal, evidente se afigura que esta previsão não se enquadra no caso sub judice. Os factos que os Recorrentes subsumem à alínea a) são os que resultam do que se encontra vertido no 1º parágrafo do ponto V (Apreciando) do Acórdão recorrido e que consideram que entram em contradição com os actos processuais que praticaram nos dias 2 e 30 de Abril de 2015, de conformidade com documentos juntos aos autos.
O parágrafo a que fazem referência ilustra o facto de os Recorrentes, ao invés de apresentarem alegações para sustentarem o pedido (entenda-se, pedido de impugnação do Congresso), quando notificados para o efeito, terem-se limitado a juntar aos autos cópias do texto da conferência de imprensa, realizada pelo porta-voz do referido Congresso da FNLA (fls. 47 a 77) e de uma outra conferência de imprensa realizada pelo Secretário Nacional para os Assuntos Parlamentares e Eleitorais da FNLA (fls. 56 a 62).
Os actos que, por seu lado, dizem ter praticado referem-se à junção de documentos (notas de ofício) que incidem sobre as alegadas irregularidades verificadas em torno da preparação, realização e conclusão do Congresso e que sintetizam o que foi divulgado nas referidas conferências de imprensa. O bom rigor, tais documentos não configuram alegações, nem articulados supervenientes, pelo menos com o sentido que se retira do nº 1 do artigo 151º do CPC.
A partir do que aqui se expõe, entende este Tribunal não ser atendível o pretendido pelos Recorrentes.
As alíneas b) e c) do Artigo 771º
O fundamento para a revisão de sentença estabelecido na alínea b) do artigo 771º diz respeito à existência de sentença transitada em julgado que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. Acrescenta esta alínea que “a falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se proferida a decisão a rever.
À semelhança da alínea a), também a alínea b) do artigo 771.º pressupõe que, no momento do pedido de revisão, exista já reconhecimento judicial da falsidade de documento ou dos demais actos previstos neste dispositivo legal. Daqui resulta não ser da competência do Tribunal, enquanto instância de recurso, julgar a falsidade que, à luz deste postulado legal, deve ser apreciada em acção judicial instaurada pela parte vencida.
E tal não se verificou no presente processo. Os Recorrentes limitaram-se a invocar, uma vez mais, a falsidade dos dados inseridos na Lista Nominal de Presenças, no Caderno Eleitoral e na Acta Eleitoral e a violação das normas referentes ao quórum, reiterando argumentos escrutinados minuciosamente por este Tribunal, quer em sede do pedido de Impugnação do Congresso, quer no âmbito da apreciação pelo Plenário do pedido de revisão extraordinária do Acórdão nº 365/2015 que está na origem do presente recurso.
Também não apresentaram qualquer documento novo de que não tivessem tido conhecimento ou de que não tivessem podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão revidenda, susceptível de fundamentar a revisão nos termos da alínea c) do artigo 771º do CPC.
Os documentos juntos ao processo são basicamente de teor idêntico aos dos que acompanharam o pedido de impugnação e não contêm matéria bastante para que este Tribunal repita o seu exercício jurisdicional sobre o pedido de impugnação do Congresso e altere, em consequência, o sentido do Acórdão nº 365/2015, o que de outro modo colocaria em causa a intangibilidade do caso julgado. Os dados que, por exemplo, constam da acta eleitoral que os Recorrentes alegam terem sido adulterados coincidem com os que foram reportados a este Tribunal relativamente à eleição do Presidente do Partido. O documento que se refere ao apuramento das candidaturas ao cargo de Presidente da FNLA também dá conta dos termos em que José Fernando Fula reingressou no Partido, o que também já havia merecido a apreciação deste Tribunal.
Não se encontra, assim, no rol de documentos um que, de per si, possa fazer desmoronar os elementos probatórios que ajudaram a formar a convicção deste Tribunal quando decidiu negar provimento ao pedido de impugnação do Congresso da FNLA submetido pelos Recorrentes.
Não estando reunidos os pressupostos de admissibilidade do pedido de revisão nos termos das alíneas supra citadas, não pode igualmente proceder o pedido de acareação formulado ao abrigo do artigo 642º do CPC.
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em
Sem custas (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 10 de Maio de 2016.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dr.ª Guilhermina Prata
Dr.ª Maria da Imaculada L. da C. Melo (Relatora)
Dr. Onofre Martins dos Santos
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr.ª Teresinha Lopes