ACÓRDÃO N.º 387/2016
PROCESSO N.º 486-C/2015
(Processo de Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
I. RELATÓRIO
HENRIQUE LUIS MIGUEL, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade contra a decisão proferida pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Venerando Tribunal Supremo que julgou deserto o recurso, ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 49.º, alínea a), 50.º, alínea a), 51.º, n.º 1, 52.º, n.1, 41.º, 42.º e 44.º, todos da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho.
A decisão de que se recorre é fundamentada no facto de o recurso ter sido interposto na acta da audiência de julgamento, na sequência da sentença proferida no processo nº 1251/14.6 TPLDA-A, 4ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, que teve lugar no dia 16 de Março de 2015. Consequentemente, o recurso foi admitido e notificado ao Recorrente nesta mesma data e as alegações terem dado entrada no cartório judicial no dia 25 de Março de 2015, um dia depois da data em que deveria dar entrada. As alegações deveriam ter dado entrada a 24 de Março de 2015, mas segundo alega o acórdão tal aconteceu um dia depois sem que o Recorrente tenha pago imediatamente a multa, conforme resulta do disposto no n.º 5 do artigo 145.º do Código do Processo Civil (CPC).
Não se conformando com os fundamentos da decisão veio o Recorrente alegar, no essencial, que:
O Recorrente termina pedindo ao Tribunal Constitucional que declare inconstitucional a decisão recorrida por denegação de justiça e coarctar o direito de defesa e de recorrer das decisões judiciais que lhe são desfavoráveis.
II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL E LEGITIMIDADE DO RECORRENTE
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer dos recursos extraordinários de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49º da Lei nº 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (L.P.C), com a alteração feita pela Lei n.º 25/10 de 3 de Dezembro, respectivamente.
O Recorrente é Réu condenado no processo nº 15888 que correu trâmites na 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo. Resulta, por isso, que o Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, conforme estatui a al. a) do artigo 50º da L.P.C. De acordo com o estatuído na citada norma, “têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
III. OBJECTO DO RECURSO
O presente recurso tem como objecto verificar se o acórdão recorrido que declara deserto o recurso, com fundamento no facto de as alegações terem entrado com um dia de atraso, viola direitos fundamentais que assistem o Recorrente.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
IV. APRECIANDO
O presente recurso foi interposto contra a decisão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Venerando Tribunal Supremo que julgou deserto o recurso interposto contra a sentença proferida pela 4.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda que condenou o Recorrente a 4 (quatro) anos de prisão maior, por este ter apresentado as alegações fora do prazo, isto é, no nono dia. Segundo o acórdão recorrido o recurso foi interposto no dia 16 de Março de 2015 e as alegações deram entrada no cartório judicial no dia 25 de Março de 2015 sem que para o efeito o Recorrente tivesse pago a multa necessária para validar o acto processual, nos termos do n.º 5 do artigo 145.º do CPC, uma vez que o prazo terminava no dia 24 de Março de 2015.
Acontece que o Recorrente alega e faz prova, juntando cópia das alegações em que a funcionária acusou a recepção das mesmas com a data de 24 de Março de 2015, isto é, no oitavo dia e não no nono como fundamenta a decisão, dentro do prazo. Assim considerando, constata este Tribunal que o erro é do cartório do tribunal " a quo" que registou as alegações apenas no dia seguinte à data da sua entrada real pelo que este facto não pode ser imputado ao Recorrente.
O Tribunal Constitucional constata que, efectivamente, as alegações de fls. 377 dos autos têm o registo de 25 de Março de 2015, com a entrada n.º 135 e o elemento de prova que o Recorrente junta a fls. 556 tem a data de 24 de Março de 2015. No entanto, o termo de juntada de fls. 375 dos autos tem a data de 24 de Março de 2015 e com declaração expressa que “em 24-03-2015 juntei a estes autos o requerimento e as alegações que seguem”.
Entende o Tribunal Constitucional não ser possível que um termo de juntada de 24 de Março junte um documento que entrou no dia seguinte, 25 de Março, porquanto há aí uma sequência e consequência que requer uma certa lógica de procedimento processual. Mas, constata este Tribunal que o erro não foi apenas da funcionária que registou as alegações com a data de 25 de Março de 2015, como foi também do Meritíssimo Juiz da causa, ao prestar a informação de fls. 481 dos autos, que serviu de fundamento da decisão recorrida.
Como acabado de dizer constata este Tribunal que, a fls. 375 e 528 dos autos, existe prova bastante certificando que o Recorrente apresentou tempestivamente as suas alegações. É assim entendimento que o Venerando Tribunal Supremo decidiu de modo equivocado e sustentado em informação errada da secretaria judicial e do Juiz de primeira instância.
Mesmo admitindo a hipótese de mora ou falta de apresentação de alegações, o que não é o caso presente, ainda assim, entende o Tribunal Constitucional que a cominação de deserção do recurso penal está desconforme a princípios estabelecidos na CRA.
A Constituição reconhece aos cidadãos o direito ao recurso (n.º 6 do artigo 67.º da CRA), o direito à tutela jurisdicional efectiva, e o direito ao processo justo (nºs 4 e 5, do artigo 29.º e artigo 72.º ambos da CRA). São direitos fundamentais que consubstanciam garantias constitucionais e princípios basilares do Estado de direito. Aquela sanção de deserção nestas circunstâncias (artigo 292.º n.º 1 do CPC) é manifestamente desproporcional, no seu conteúdo e efeitos, quando confrontada a natureza da falta (não essencial) com a relevância constitucional de tutela do direito constitucional ao recurso (n.º6 do artigo 67.º da CRA).
Considera-se que, num recurso penal o Tribunal “ad quem”, na falta de alegações, tem nos autos elementos mínimos que lhe permitam conhecer o mérito do recurso sem sacrificar, em substância, o direito constitucional à apreciação do processo em segunda instância (dupla jurisdição).
Com esta compreensão é entendimento do Tribunal Constitucional que a deserção de um recurso penal, por falta ou mora na apresentação das alegações, mesmo que fundamentada em lei vigente, é inconstitucionalidade material.
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:
Sem custas pelo Recorrente (artigo 15º da Lei nº3/08, de 17 de Junho, L.P.C).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 10 de Maio de 2016.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dr.ª Guilhermina Prata
Drª Maria da Imaculada L. C. Melo (Relatora)
Dr. Onofre Martins dos Santos
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Drª Teresinha Lopes