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ACÓRDÃO N.º390/2016

 

PROCESSO N.º 496-A/2016

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

A ENI ANGOLA PRODUCTION BV, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade contra o Acórdão do Tribunal Supremo, prolatado a 17 de Dezembro de 2013, que foi objecto de Acórdão de Aclaração, proferido a 23 de Setembro de 2014, e que atribuiu competência à Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Provincial de Luanda para julgar um pedido de impugnação de uma deliberação da Comissão de Revisão do Imposto de Rendimento sobre o Petróleo (CRIRP), do Ministério das Finanças.

A decisão do Tribunal Supremo, plasmada no Acórdão aclarado e no Acórdão de aclaração, que confirma o primeiro, surge na sequência da interposição pela Recorrente de um recurso contencioso de anulação de acto administrativo, junto da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, que mereceu do Juiz da 1ª Secção, despacho de indeferimento liminar, exarado a10 de Dezembro de 2010, fundado na incompetência absoluta em razão da hierarquia do Tribunal, nos termos dos artigos 102º, nº 2 e 474º, nº 1, alínea b), ambos do Código do Processo Civil, CPC.

Nesse mesmo despacho, o Tribunal considerou a Câmara do Cível e do Administrativo do Tribunal Supremo como a jurisdição competente para dirimir o pedido de impugnação da deliberação da CRIRP, que é presidida e representada pelo Director Nacional de Impostos, em face da natureza do acto objecto do pedido, que entendeu como subsumível na alínea a) do artigo 17º da Lei nº 2/94, de 14 de Janeiro – Lei da Impugnação dos Actos Administrativos (LIAA), conjugada com as disposições da Lei 18/88, actualmente revogada pela Lei nº 2/15, de 22 de Janeiro, Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum.

No Acórdão recorrido, o Tribunal Supremo, apesar de ter julgado procedente o recurso, no sentido de considerar ser da competência do Tribunal de primeira instância julgar a matéria objecto dos autos, deferiu, porém, tal competência à Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro, à luz de uma interpretação correctiva do Decreto Executivo nº 123 /07, de 31 de Dezembro, que criou a Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro.

Considerou, assim, o Tribunal Supremo resultar da interpretação ao Preâmbulo do Decreto Executivo supra mencionado ter sido intenção do legislador criar uma Sala especializada para conhecer e dirimir todos os litígios no domínio da aplicação da legislação fiscal e aduaneira, não obstante o estabelecido no artigo 2º do diploma legal aqui em causa, que circunscrevia a competência desta Sala às causas abrangidas pelo artigo 219º do Código Aduaneiro.

Inconformada com esta decisão, a Recorrente vem pedir a nulidade do Acórdão recorrido, por entender inconstitucional a interpretação correctiva preconizada pelo Tribunal Supremo, face às normas e princípios constitucionais consagrados no artigo 2º, nº 1 e artigo 105º, nº 3 da Constituição da República de Angola (CRA), nomeadamente os princípios da legalidade e da separação de poderes.

Para tanto, sustenta esta sua pretensão, essencialmente, no seguinte:

Que as regras da competência material existentes à data da prolação do Acórdão Recorrido não atribuíam competência às Salas do Contencioso Fiscal e Aduaneiro para conhecer dos recursos contenciosos de impugnação das deliberações das Comissões de Revisão do Imposto sobre o Rendimento do Petróleo, na medida em que:

  1. o Decreto Executivo nº 123/07, não conferiu poderes à Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro para conhecer dos recursos contenciosos de impugnação das deliberações das CRIRP. Isto porque o artigo 219º do Código Aduaneiro (aprovado pelo Decreto-Lei nº 5/06, de 4 de Outubro), para o qual remete o artigo 2º do presente Decreto Executivo, não inclui a matéria do recurso contencioso de impugnação das deliberações das CRIRP;
  2. o alargamento do âmbito da competência material da Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro, verificada nos termos dos artigos 5º e 7º do Decreto Presidencial nº 2/11, de 9 de Junho, também não incluiu os poderes para julgar a matéria em questão.

Que a interpretação correctiva das leis de organização e funcionamento dos tribunais, operada pela decisão em análise, sem manifestação da Assembleia Nacional ou do próprio texto da lei de vontade política ou intenção legislativa de atribuição de competência a um determinado tribunal, nunca poderá resultar numa extensão das competências desse mesmo tribunal - Tribunal Supremo – que não dispõe de competência legislativa.

Que, conforme resulta do artigo 174º da CRA, “1. Os tribunais são o órgão de soberania com competência de administrar a justiça em nome do povo”, sendo a sua “formação, a composição, a competência (…) definidos na Constituição”, de onde resulta que aos tribunais não cabe – directa ou indirectamente – qualquer tipo de poder ou função legislativa.

Que a hermenêutica jurídica – quer em relação ao texto constitucional quer, também, em relação à lei ordinária – não permite, sem fundamentação ponderosa, afastar a letra do texto e prosseguir uma ratio legis que venha desvirtuar o núcleo essencial organizatório funcional emanante da ordenação constitucional e da função legislativa.

Que, aplicando os princípios e limites interpretativos ao caso sub judice, resulta claro que a interpretação correctiva realizada pelo Tribunal Supremo e por intermédio da qual este veio estender o âmbito das competências das Salas do Contencioso Fiscal e Aduaneiro deve ser julgada inconstitucional, por a mesma deixar de ser uma interpretação para se converter numa criação de direito por via judicial ou doutrinal e, nessa medida, consubstanciar uma clara violação ao Princípio da Legalidade e da Separação de Poderes, constantes do artigo 2º, nº 1 e artigo 105º, nº 3 da CRA.

Que, pese a questão da competência das Salas do Contencioso Fiscal e Aduaneiro para conhecer dos recursos contenciosos de impugnação das deliberações das CRIRP ter ficado resolvida com a entrada em vigor da Lei nº 22/14, de 5 de Dezembro, que aprova o Código do Processo Tributário, a Recorrente mantém o interesse em agir e em obter uma decisão sobre a (in) constitucionalidade da interpretação correctiva, uma vez que pretende acautelar que:

  1. seja condenada em custas processuais e outros valores decorrentes de uma eventual desistência do processo;
  2. sejam cobrados eventuais juros de mora pelo não pagamento das liquidações adicionais determinadas pelas CRIRP em consequência da impugnação das mesmas pela Recorrente.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. LEGITIMIDADE

A alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, estipula que “podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

A Recorrente é parte no processo que correu trâmites no Tribunal Provincial de Luanda e tem interesse em obter uma decisão sobre o mérito da causa, o que pode ser concretizado pela via recursória, como no caso vertente. É, como tal, parte legítima.

III. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos do artigo 49.º e seguintes da Lei nº 3/08, que estabelece a possibilidade de recurso de sentenças que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem os princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, matéria esta da competência do Tribunal Constitucional.

IV. OBJECTO DO RECURSO

Neste recurso está em causa aferir da inconstitucionalidade, por violação dos princípios da legalidade e da separação de poderes, do Acórdão do Tribunal Supremo de 17 de Dezembro de 2013, confirmado pelo Acórdão de Aclaração de 23 de Setembro de 2014, em face da interpretação correctiva que faz ao Decreto Executivo n.º 123/07.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

V. APRECIANDO

A presente lide traz à colação matéria relativamente à qual este Tribunal firmou entendimento nos seus Acórdãos nºs 353 a 360 de 2015 e 360 e 363 deste mesmo ano, na sequência de recursos extraordinários de inconstitucionalidade interpostos por diversas empresas ligadas ao sector petrolífero, entre as quais a ENI, aqui Recorrente.

Assim é que os Acórdãos nºs 355/2015, 358/2015 e 360/2015 dizem exactamente respeito a três processos submetidos pela ENI com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, ou seja, o de obter um juízo de inconstitucionalidade sobre a interpretação correctiva que o Tribunal Supremo fez ao Decreto Executivo nº 123/07, ao abrigo da qual atribuiu competência à Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro para dirimir os litígios associados às deliberações tomadas pela Comissão de Revisão do Imposto de Rendimento sobre o Petróleo, do Ministério das Finanças. Este pedido não obteve, contudo, provimento, já que o Tribunal Constitucional pronunciou-se em sentido contrário ao do requerido pela Recorrente, declarando a constitucionalidade dos Acórdãos recorridos.

Ora, tendo em conta o que antecede, entende este Tribunal ser desnecessário repetir o seu juízo jurisdicional sobre a questão que a Recorrente pretende ver sindicada, porquanto desprovida de qualquer utilidade jurídica em face da decisão plasmada nos Acórdãos supramencionados, cujo sentido não aproveita a Recorrente, nem produz, em consequência, qualquer efeito útil sobre a matéria objecto dos autos. Alem de tudo, a Recorrente considera ultrapassada a questão relativa à competência da Sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro, o que igualmente determina a inutilidade superveniente do presente processo e dá lugar à extinção desta instância que, como tal, deve ser considerada, em conformidade com o que dispõe a alínea e) do artigo 287º do Código do Processo Civil/CPC), aplicado subsidiariamente ao processo constitucional.

Por outro lado, não vislumbra este Tribunal o alcance do efeito útil que a Recorrente alega pretender acautelar com a interposição do presente recurso em matéria de condenação em custas processuais e outros valores decorrentes de uma eventual desistência do processo bem como no que se refere à cobrança de eventuais juros de mora pelo não pagamento das liquidações adicionais determinadas pelas CRIRP em consequência do pedido de impugnação das mesmas.

A responsabilidade pelo pagamento das custas é determinada com fundamento no chamado princípio da causalidade, que vem reflectido nos nºs 1 e 2 do artigo 446º, nº 2 do CPC. De acordo com este princípio, “paga as custas a parte que lhe deu causa, ou seja, que pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, exerce no processo uma actividade injustificada”- A este princípio está intrinsecamente associado um outro, o da sucumbência, que vem reflectido nos nºs 1 e 2 do artigo 446º, nos termos dos quais, as custas devem ser suportadas pela parte vencida, o que materializa o caso da Recorrente. Acresce ainda que, de harmonia com o nº 1 do artigo 447º do CPC, na situação de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do seu autor. Nesta lide, a aqui Recorrente. 

Tendo o recurso extraordinário de inconstitucionalidade efeito suspensivo (artigos 52º, nº 1 e 44º da Lei nº 3/08), o que implica a suspensão dos efeitos das decisões que se relacionem com o mérito da presente causa, entende este Tribunal estar acautelada a cobrança de eventuais juros de mora, pelo não pagamento de encargos determinados pelas CRIRP que incidam sobre este processo. 

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em 

Custas pela Recorrente (artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho).

Notifique

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 24 de Maio de 2016.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães 

Drª Maria da Imaculada L.C. Melo (Relatora) 

Dr. Onofre Martins dos Santos 

Dr. Simão de Sousa Victor

Dr.ª Teresinha Lopes