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ACÓRDÃO N.º 391/2016

 

PROCESSO Nº 475-B/2015

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam em conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Domingas Agostinho Manuel, com os demais sinais de identificação nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, com fundamento no artigo 49º e seguintes da Lei nº3/08,Lei do Processo Constitucional (LPC), do Acórdão da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que indeferiu o pedido de Habeas Corpus, alegadamente por falta de fundamento.

Em síntese, a Recorrente apresentou os seguintes argumentos:

1- A Recorrente interroga-se sobre a matéria de direito constante no referido Acórdão, não se conformando com a decisão do Tribunal Supremo, visto que os prazos da prisão preventiva foram esgotados, e considera a manutenção da medida de coacção como uma antecipação do cumprimento da pena;

2- Defendeu que os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos não podem ser violados com base em presunções, sob pena de condenação antecipada sem procura de investigação da verdade, conforme o consagra o n.º5 do artigo 29º da CRA;

  1. A Recorrente não devia ficar refém da ineficácia do sistema pela falta de notificação dos arguidos prófugos, o que viola o princípio da igualdade previsto nos artigos 23º e 6º ambos da CRA, e constitui um imperativo legal fazer as notificações nos prazos previstos nas alíneas b) e c) no nº2 do artigo 25º da Lei n.º18-A/92 de 17 de Julho, pois o cumprimento escrupuloso dos prazos da prisão preventiva é também uma exigência da legislação internacional em matéria dos direitos humanos;
  2. A restrição da liberdade já perdura por duzentos e setenta dias (270), sendo, por isso, desvirtuada e ilegal a manutenção da mesma, porquanto, a prisão preventiva é uma medida excepcional e temporária;
  3. O acórdão do Tribunal Supremo, não respeitou o princípio da presunção da inocência, consagrado no nº 2 do artigo 67º,da CRA, bem como o artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao enunciar que “pela gravidade do crime deve ser indeferido o pedido de habeas corpus”;
  4. A deliberação do douto acórdão, é inconstitucional por violar as garantias da arguida, bem como os outros direitos vertidos nos artigos 29º nº4 e 5, 66º n.º1 e 67º n.º2 todos da CRA;
  5. A alteração da medida de coacção, seria uma homenagem ao Estado Democrático e de Direito.

A Recorrente termina a sua exposição, solicitando que o Tribunal Constitucional altere a medida de coacção da privação de liberdade.

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

  A competência do Tribunal Constitucional para apreciar o presente recurso, está estabelecida na alínea a) do artigo 49º da Lei nº3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional – LPC).

III. LEGITIMIDADE

Para intervir no processo como parte, afigura-se necessária a existência de um interesse sério em demandar ou em contradizer. É este interesse que, nos termos da alínea a) do artigo 50º da Lei n.º 3/08,de 17 de Junho (LPC), determina a legitimidade da Recorrente, arguida no processo nº 0064/15-A, que corre os seus trâmites como acção principal na 14ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, cujo acórdão da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que nega a providência de habeas corpus, é objecto de apreciação neste Tribunal.

Tem, assim, a Recorrente legitimidade para formular o pedido que ora submete à apreciação do Tribunal Constitucional.

 IV.OBJECTO DO RECURSO

O presente recurso incide sobre o Acórdão da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido a 23 de Julho de 2015, em sede do processo n.º 507.

Ao Tribunal Constitucional caberá analisar se o referido acórdão, ao negar o pedido de habeas corpus, terá ou não incorrido em alguma inconstitucionalidade e se, nessa esteira, assiste razão a Recorrente quando alega excesso de prisão preventiva.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

V. APRECIANDO

Nas suas conclusões, a Recorrente destaca, entre outras, a desarmonia constitucional da interpretação dada pelo Tribunal Supremo, no caso “sub judice”, ao indeferir o seu pedido de “habeas corpus”, já que a mesma se encontra em prisão preventiva precisamente há duzentos e setenta dias (270), considerando este facto como excesso de prisão preventiva, à luz do artigo 25º, alínea b) da Lei n.º18-A/92 de 17 de Julho, que veio a ser revogada pela Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, como veremos mais adiante.

Por outro lado, a Recorrente entende que o Tribunal Supremo, ao indeferir o recurso, viola os princípios da presunção da inocência previsto no nº 2 do artigo 67º bem como o da celeridade processual, ex vi no nº5 do artigo 29º ambos da CRA.

No acórdão recorrido, o Tribunal Supremo fundamenta a sua decisão sustentando que, de acordo com as leis vigentes, a prisão preventiva deve ser vista em dois momentos:

  1. O primeiro decorre desde a detenção até a notificação da acusação pelo Ministério Público, a que corresponde ao prazo máximo de 135 dias, regido pela Lei nº 18-A/92 de 17 de Julho;
  2. O segundo começa depois da culpa formada caso em que, nos termos do artigo 335º do Código Processo Penal, o prazo máximo de detenção é de 1 (um) ano. E, no caso dos autos, já não se pode falar em excesso de prisão preventiva, pelo facto de a arguida ter sido já notificada da acusação, pelo que a falta de notificação dos demais arguidos, segundo informação do juiz da causa em 1ª instância, frena a marcha normal do processo.

A prisão preventiva é uma medida de coacção que tem previsão legal, que deve ser desencadeada por órgãos competentes, dentro de determinadas condições, para realização dos fins do processo e da justiça.

Ora, reunidos os requisitos legais, foi ordenada a detenção da Recorrente no dia 5 de Dezembro de 2014.

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 25º, 26º da Lei n.º18-A/92 de 17 de Julho e do nº 2 do artigo 308º do CPP, os prazos da prisão preventiva em processo de querela, eram os seguintes:

  1. Antes da Culpa Formada
  1. 45 dias prazo ordinário inicial, que pode ser prorrogável por mais;
  2. 45 dias com despacho fundamentado, que por sua vez pode ainda ser novamente prorrogado por mais 45 dias, em virtude da complexidade do processo, estes prazos perfazem um total de  135 dias como limite máximo de tempo útil e necessário para instrução do processo, antes da culpa formada.
  1. Depois da culpa formada
  1. Após a culpa formada, contam os prazos previstos no nº2 do artigo 308º do CPP, isto é, 120 dias entre a notificação da acusação até ao despacho de pronúncia;
  2. Aos prazos supra de (255 dias);

devem ainda ser acrescidos 110 dias resultantes da interpretação dos §2º e § 3º do artigo 337º do CPP, o prazo entre a prolação da pronúncia e o julgamento;

Em termos legais a detenção de um arguido não deve exceder 365 dias sem julgamento (cf. Acórdão nº312/2013 deste Tribunal).

A análise e a decisão sobre a situação carcerária da Recorrente deve ser feita em função da fase processual.

Na lide submetida à apreciação deste Tribunal, constata-se nos autos que a Recorrente foi acusada e notificada da acusação após os 135 dias previstos na lei para aquela fase, por razões inerentes a complexidade do processo.

Até à data em que foi proferido o acórdão do Tribunal Supremo, (23/07/2015), objecto deste recurso, ainda não estava esgotado o prazo máximo da prisão preventiva, que era de um ano até ao julgamento.

Por esta razão, entende este Tribunal que o Venerando Tribunal Supremo decidiu bem e em conformidade com a Lei vigente aplicável.

Entretanto, com a entrada em vigor da nova Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro (publicada no Diário da República n.º 130, I Série), foram definidas no artigo 1.º, novas medidas processuais de natureza cautelar como sendo:

  1.  a detenção;
  2.  as medidas de coacção pessoal;
  3.  as medidas de garantia patrimonial.

À luz deste diploma, a prisão preventiva vem estatuída na alínea g) do artigo 16º.

Por sua vez, define o artigo 40.º, os prazos máximos de prisão preventiva.

Em conformidade com a alínea c) do n.º 1 do artigo 40.º, a prisão preventiva deve cessar quando, desde o seu início decorrerem 12 (doze) meses sem condenação em primeira instância, podendo este prazo ser acrescido de mais 2 (dois) meses, perfazendo um total de 14 (catorze) meses - n.º 2 do artigo 40.º.

Das diligências realizadas por este Tribunal para averiguação da situação carcerária da Recorrente, constatou-se que a mesma já não se encontra preventivamente presa por decisão do Tribunal da acção principal que substituiu tal medida de coação pela “obrigação de apresentação periódica ao Tribunal e interdição de saída do Pais”.

Consequentemente é inútil apreciar agora e nesta sede o recurso da Recorrente referente ao pedido de habeas corpus. 

DECIDINDO

Neste termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em

Custas pela Recorrente nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de  Maio de 2016.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator)

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães

Dr.ª Maria da Imaculada L. da C. Melo

Dr. Onofre Martins dos Santos

Dr. Simão de Sousa Victor (declarou-se impedido)

Drª Teresinha Lopes