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ACÓRDÃO N.º 392/2016

 

PROCESSO N.º 312-C/2013

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam em conferência no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

José Agostinho Álvaro Pinto, com os demais sinais de identificação nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, com fundamento no artigo 49.º e seguintes da Lei n.º 3/08, Lei do Processo Constitucional (LPC), do Acórdão da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que revogou a decisão recorrida e condenou o Réu a uma pena mais grave.

Em linhas gerais, o Recorrente alega, no essencial, o seguinte:

  1. Foi condenado pelo Tribunal a quo nos autos do processo que decorreu na 1.ª Secção Criminal do Tribunal Provincial de Luanda, a pena maior de 3 (três) anos de prisão efectiva, da qual apresentou recurso e, por sua vez, o Tribunal Supremo agravou a pena contra ele aplicada pelo Tribunal da primeira instância, para 6 (seis) anos de prisão maior.
  2. Fundamentou no seu recurso que não foi notificado da acusação e, alegada violação, pelas instâncias, dos princípios constitucionais da igualdade, legalidade e do contraditório.
  3. Consequentemente, requer que seja declarado nulo o processo por inconstitucionalidade, por flagrante violação dos princípios do contraditório, da legalidade, da igualdade e da justiça;
  4. Seja declarado nulo o acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, por violação aos princípios fundamentais consagrados na CRA e na Lei processual penal, pela aplicabilidade de uma pena mais severa que a aplicada pelo Tribunal da primeira instância.

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º e seguintes da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), esgotados que foram todos os recursos da jurisdição comum, sendo por isso competente o Tribunal Constitucional.

III. LEGITIMIDADE DO RECORRENTE

Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), podem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpôr recurso ordinário.

 O Recorrente é co-réu no processo n.º 3098/10-A, que correu os seus trâmites com acção principal no Tribunal Provincial de Luanda, cujo Acórdão da Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo a respeito do agravamento da pena de 3 (anos) para 6 (seis) anos de prisão maior, é objecto de apreciação neste Tribunal e, nos termos do Código de Processo Penal, tem legitimidade para interpor recurso ordinário, resultando clara a sua legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário.

IV. OBJECTO DO RECURSO

O objecto do presente recurso é a decisão proferida pela Câmara Criminal do Tribunal Supremo que, no seu Acórdão de 18 de Dezembro de 2012, fls. 469 a 471, revogou em parte a decisão recorrida e condenou o Réu a uma pena mais grave de 6 (seis) anos de prisão maior.

A questão a decidir resume-se tão-somente a de saber se o Tribunal Supremo para o qual se recorre, pode ou não alterar a qualificação jurídico-penal dos factos recolhidos na instância recorrida e sobre os quais esta tomou a decisão que, uma vez proferida, subiu em recurso à instância superior.

V. APRECIANDO

Após o supra exposto, importa analisar, se o acórdão do tribunal a quo, estava eivado de vício, pela não notificação do ora Recorrente, privando-o assim de exercer o seu contraditório.

Porém, contrariamente ao alegado pelo Recorrente (fls. 6.º dos autos das alegações, articulado 16.º) a falta de notificação não conduz à nulidade, seguindo o processo os seus trâmites normais, conforme consta do parágrafo 2.º do art.º 352.º do CPP, podendo igualmente, fazer valer o seu princípio do contraditório, não só após o despacho de pronúncia, como em audiência de julgamento, consagrado nos arts.º 382.º e 398.º do CPP, podendo ser, completada e complementada pelas alegações orais.

Deste modo, não se vislumbra nos autos, provas suficientes de que os princípios constitucionalmente consagrados, da igualdade, legalidade, imparcialidade em homenagem ao princípio do contraditório, ex vi arts.º174.º n.2 e 175.º, da CRA tenham sido violados, ou seja, de que durante a fase de julgamento, o Recorrente se viu privado de exercer a sua justa defesa.

Relativamente a questão de ser declarado nulo o acórdão do Tribunal Supremo, por este agravar consideravelmente a pena do Recorrente de 3  (três) para 6 (seis) anos de prisão maior, preterindo por conseguinte o princípio da proibição da reformatio in pejus, é de considerar que:

Ao Tribunal Supremo impende uma ampla reapreciação da causa, conhecendo de facto e de direito, e podendo confirmar, revogar, alterar ou anular, conforme entender, a decisão objecto do recurso, mas com uma excepção, a consagrada pelo art.º 667.º do CPP – proibição da reformatio in pejus.

Esta proibição da reformatio in pejus, traduz-se em não agravar a pena em prejuízo do réu, que de acordo com o 667.º é o mesmo “…que aplicar aquela pena que pela espécie ou medida deva considerar-se mais grave que a aplicada pela sentença recorrida…”

O Tribunal Supremo pode atenuar a pena, mas não agravá-la quando o recurso foi interposto no interesse do réu, porém esta premissa acarreta dois casos em que é possível recorrer à excepção, que são:

  1. Quando o Tribunal Superior qualificar diversamente os factos nos termos dos arts.º 447.º e 448.º do C.P.Penal, quer respeitante a qualificação, quer às circunstâncias modificativas da pena;
  2. Quando o Ministério Público junto ao Tribunal Superior, ao ser-lhe dada vista do processo, se pronunciar pela agravação da pena. O que aconteceu no caso em apreço, conforme consta das fls. 37 dos autos do acórdão do Tribunal Supremo.

O Ministério Público considerou no seu visto que o “ art.º 94.º n.º 1 do Código Penal mostra-se indevidamente aplicado e, por consequência, demasiada branda uma pena como esta de apenas 3 (três) anos de prisão maior”.

A proibição da reformatio in pejus, significa que, havendo apenas recurso da defesa, o juízo ad quem não poderá agravar a situação do réu. Em contrapartida, se houver recurso interposto pela acusação, poderá a instância superior impor pena maior ao condenado, uma vez que há pedido nesse sentido.

No caso vertente, houve recurso tanto pelo réu como pelo Ministério Público.

Entretanto, nos termos do n.º1, do art.º 189º da CRA, “A Procuradoria-Geral da República é um organismo do Estado com a função de representação do Estado, nomeadamente no exercício da acção penal, de defesa dos direitos de outras pessoas singulares ou colectivas, defesa da legalidade no exercício da função jurisdicional e de fiscalização da legalidade na fase de instrução preparatória dos processos e no que toca ao cumprimento das penas.”

Deste modo, como o Ministério Público não funciona apenas como órgão acusador, e sim como fiscal da lei, seria incoerente não se admitir que o seu recurso pudesse melhorar a situação do réu, ainda que não houvesse pedido neste sentido.

  1. DECISÃO

Não decorre, obviamente, da Constituição da República de Angola (CRA), uma proibição absoluta da reformatio in pejus, pois isso seria conflituante com o direito ao recurso da acusação e com a realização da justiça.

Mas tem de ser garantida, num certo grau, a estabilidade das sentenças judiciais. Ora, a proibição da reformatio in pejus é reclamada pela plenitude das garantias de defesa, quer porque a reformatio in pejus poderia surgir inesperadamente ou de modo insusceptível de ser contraditada pela defesa, quer porque restringiria gravemente as condições de exercício do direito ao recurso.

É de realçar ainda que, mais do que uma justiça meramente formal, o que importa é a justiça material.

Assim, nos termos do n.º2 do art.º 174.º da CRA – “ No exercício da função jurisdicional, compete aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os princípios do acusatório e do contraditório e reprimir as violações da legalidade democrática”;

Estando em domínio de restrições de direitos fundamentais, num Estado constitucional, a admissão da limitação dos direitos está sempre condicionada à apreciação e validação das razões apresentadas, tendo que se justificar e demonstrar que a restrição é necessária para alcançar o fim legítimo.

Outrossim, o Tribunal de 1ª. Instância, concluiu e decidiu que:

Este crime é punido com a pena de 8 a 12 anos de prisão maior;

Contra os réus não foram apurados circunstâncias agravantes;

A seu favor as atenuantes, 1ª (ausência de antecedentes criminais); 19ª (natureza reparável do dano causado) e 23ª (encargos familiares), todas do art.º 39º do C.P.;

Também a favor do réu Le Van Thang atenuante, 9ª (espontânea confissão).

Assim depois de tudo devidamente ponderado, considerando à natureza reparável do dano causado, de acordo com o art.º 94.º n.º 1 do C.P., decide este Tribunal em condenar os réus Le Van Thang e José Agostinho Álvaro Pinto, cada um, na pena de 3 anos de prisão maior, Kzs. 50.000,00 de taxa de justiça. Vão ainda os réus condenados no pagamento da conta de que fraudulentamente se apoderaram, ao BFA…

Por seu turno, no seu acórdão o Tribunal Supremo, concluiu e decidiu que:

O crime cometido pelos co-réus Le Van Thang e José Agostinho Álvaro Pinto é punível com pena de 8 a 12 anos de prisão maior;

Contra os réus dão-se como provados as circunstâncias agravantes, 10ª (duas ou mais pessoas) – cujos factos constam do despacho de pronúncia e 25ª (obrigação especial de não cometer – apenas em relação ao co-réu José Pinto), ambas do art.º 34 do C.P.;

A favor dos réus militam as circunstâncias atenuantes, 1ª (ausência de antecedentes criminais), 9ª (confissão – só em relação ao co-réu Le), 19ª (natureza reparável do dano) e 23ª (encargos familiares), todas do art.º39 do C.P.

Tendo em conta a gravidade do crime e o relativamente diminuto valor das circunstâncias atenuantes, julgamos, face à natureza do crime, aplicar apenas a faculdade especial de atenuação de penas, do n.º1 do art.º 91º do C.P.

Nestes termos, acordam os deste Câmara em revogar em parte a decisão recorrida e condenar os réus Le Van Thang e José Agostinho Álvaro Pinto na pena de 6 (seis) anos de prisão maior e no pagamento solidário de USD 500.000,00 ou o equivalente em moeda nacional, a título de indemnização ao BFA.

No entanto, não se vislumbra fundamentação diversa e bastante no Acórdão da Camara Criminal do Tribunal Supremo, para sustentar a agravação da pena.

Nestes termos:

Tudo visto e ponderado, Acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em dar provimento ao pedido, revogando-se o Acórdão da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, confirmando-se a sentença do Tribunal de 1ª Instância que condenou o Recorrente na pena de 3 anos, já cumprida.

Sem custas, nos termos do regime geral de custas - Código das Custas Judiciais e artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (LPC).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de Maio de 2016.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator)

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa

Dr. Carlos Magalhães

Dr.ª Maria da Imaculada L. da Conceição Melo

Dr. Simão Victor (Impedido)

Dr. Onofre Martins dos Santos

Dra. Teresinha Lopes