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ACÓRDÃO N.º 410/2016

 

PROCESSO N.º 508-A/2016

Recurso para o Plenário

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO 

Augusto Trindade Simbo Bêmbele, melhor identificado nos autos, veio ao Plenário do Tribunal Constitucional recorrer do Despacho de indeferimento de 26 de Abril de 2016, proferido pela Veneranda Juiza Conselheira Presidente em exercício, deste Tribunal, que recaiu sobre a reclamação interposta de não admissão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade pelo Venerando Tribunal Supremo, com o fundamento de que não observou o princípio de esgotamento de recurso ordinário, previsto no § único do artigo 49.º, da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC).

Inconformado, veio o Recorrente dizer, no seu requerimento de interposição de recurso, a fls. 17, que o Tribunal Constitucional, ao indeferir, o seu pedido, sob o Processo n.º 507-D/2016, para além de violar o seu direito à tutela jurisdicional efectiva, previsto nos n.s  1, 4 e 5 do artigo 29.º e no artigo 72.º, ambos da Constituição da República de Angola, “confirmou, liminarmente, o conteúdo, o sentido e o alcance da decisão vertida no Despacho de indeferimento proferido pelo Relator do Processo n.º 314/12, de Recurso Contencioso de Anulação, no Tribunal Supremo”.

Em sede de alegações, o Recorrente apresentou, como fundamento de seu pedido, o seguinte:

  1. O douto Despacho do Tribunal Constitucional configura uma inconstitucionalidade material, formal, orgânica e procedimental, porque lesa o direito à garantia jurisdicional, que permitiria aceder ao desejado julgamento justo, célere e conforme a lei, nos termos do n.º 2, do artigo 2.º, o n.º 1, do artigo 28.º e o n.º 4, do artigo 29.º, todos da CRA.
  1. O Venerando Tribunal Supremo não notificou o Recorrente do Despacho de não admissão do recurso, passados cinco (5) dias a contar da data de entrada no respectivo cartório do requerimento de interposição de recurso.
  1. Os fundamentos vertidos nos Despachos de indeferimento proferidos pela Veneranda Juiza Conselheira Presidente em exercício, do Tribunal Constitucional, e pelo Relator do processo de recurso contencioso de impugnação de acto administrativo, da Câmara do Tribunal Supremo, violaram o n.º 3.º dos artigos 6.º e 2.º, e do n.º 2 dos artigos 13.º, 26.º, 27.º, 28.º, 72.º e 226.º, todos da CRA. Assim, os Despachos estão feridos de nulidade, ou seja, de invalidade por inexistência jurídica, porque, ao sobrevalorizarem o direito ordinário, acabaram por contrariar o artigo 239.º da Constituição, que só admite a vigência de diplomas que estejam em conformidade com esta.
  1. O Tribunal Constitucional é a única instituição judicial de recursos constitucionais, ao qual compete realizar a hermenêutica jurídica, não sendo, assim, os tribunais superiores de jurisdição comum chamados a interpretar normas. Contudo, o único do artigo 49.º, da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, sempre aplicado de forma abstracta, inclusive no caso vertente, parece que atribui uma vontade restritiva ao legislador ordinário.
  1. Por isso, não se beneficiou da tutela jurisdicional contra a decisão recorrida de não provimento do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, conforme estabelecem a alínea a) do artigo 49.º, da LPC e o n.º 4 do artigo 29.º da CRA, muito menos teve celeridade processual, como prevê o artigo 72.º do mesmo diploma constitucional.

O Recorrente conclui as suas alegações, solicitando a admissão do recurso interposto para o Plenário do Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo e subida nos próprios autos.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II.COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer do recurso interposto pelo Recorrente do Despacho de indeferimento da Veneranda Juiza Conselheira do Tribunal Constitucional em exercício, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional –LPC e da alínea j) do artigo 23.º, da Resolução n.º 1/14, de 28 de Julho – Regulamento Geral do Tribunal Constitucional.  

III.LEGITIMIDADE

Para intervir no processo como parte, é necessário que exista um interesse sério em demandar ou em contradizer. Ora, no caso submetido a julgamento, o Recorrente tem, assim, um interesse sério em demandar, porque foi parte no Processo n.º 314/12, que correu trâmites na 3.a Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, que julgou improcedente o seu pedido. Neste sentido, o Recorrente é parte legítima, nos termos da alínea a) do artigo 50.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho - LPC.

IV. OBJECTO DO RECURSO

O objecto do presente recurso é o Despacho da Veneranda Juiza Conselheira Presidente em exercício, deste Tribunal, que indeferiu a reclamação apresentada, aos 18 de Abril de 2016, a fls. 2, ao abrigo do Processo n.º 507-D/16, nos termos do n.º 5 do artigo 42.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - LPC. 

V. APRECIANDO

O Recorrente integra os quadros efectivos do Ministério das Finanças, mas foi transferido, em comissão de serviço, para o Ministério dos Transportes.

Aos 09 de Abril de 2016, o Recorrente interpôs, a fls. 3, um recurso contencioso de impugnação de acto administrativo do Ministro das Finanças, por este se ter recusado a pagar o seu complemento salarial, a assistência médica e medicamentosa e a comparticipação emolumentária de 5% devida pela arrecadação de receitas públicas, que alega ter direito a receber, como lhe foi garantido em despacho ministerial, que autorizou a sua transferência.

A 3.a Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo julgou improcedente o recurso do Recorrente e declarou válida a decisão do Ministro das Finanças.

Insatisfeito, o Recorrente interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, que a 3.a Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo indeferiu, com fundamento no § único do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Do referido indeferimento, veio o Recorrente reclamar para o Tribunal Constitucional, mas, por sua vez, sob o processo n.º 507-D/2016 e por meio de Despacho, de fls. 38 verso, a Veneranda Juiza Conselheira Presidente em exercício indeferiu a reclamação interposta, com base na seguinte fundamentação:

  1. A Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo ao indeferir a admissão do recurso extraordinário de inconstitucionalidade decidiu bem, por ter respeitado a alínea a) do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro;
  2. Cabia ao Reclamante observar o disposto no § único do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, por força do dever do prévio esgotamento de todos os recursos ordinários cabíveis;
  3. Assim, vai indeferida a reclamação.

Da análise do processo, constata-se que a fundamentação vertida no Despacho recorrido baseia-se na legislação em vigor, o que atesta que o indeferimento não foi proferido “contra legem”. Cabe aos tribunais, e o Tribunal Constitucional não é uma excepção, aplicar leis conformes à Constituição e em vigor na tomada de suas decisões, por imperativo dos n.os 1 e 3, do artigo 177.º e n.º 1 do artigo 180.º, ambos da CRA.

Consequentemente, o cumprimento do prévio esgotamento nos tribunais comuns ou nos demais tribunais, dos recursos ordinários legalmente previstos representa, por um lado, para o Recorrente, o respeito pelo princípio da legalidade, previsto no n.º 2 do artigo 6.º, no n.º 2 do artigo 105.º e no n.º 1 do artigo 226.º, todos da CRA, e, por outro lado, para o Tribunal Constitucional, o dever jurisdicional de verificar se, ao interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, o Recorrente respeitou os diplomas legais, quanto à regra de precedência obrigatória dos recursos ordinários. Portanto, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva não constitui uma garantia à margem do princípio da legalidade, igualmente defendido pela Constituição.

Assim, contrariamente ao que alega o Recorrente, o fundamento com o qual a Juiza Conselheira Presidente em exercício indeferiu a reclamação não violou a constitucionalidade material, porque o Recorrente não ficou com isso impedido de, após esgotamento da cadeia recursória ordinária, poder aceder ao Tribunal Constitucional e obter a tutela jurisdicional efectiva que alega.  

O indeferimento também não resultou numa inconstitucionalidade formal ou orgânica, uma vez que, por imperativo do n.º 1 do artigo 43.º e dos nºs 1 e 3 do artigo 5.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, LPC, cabe ao Juiz Conselheiro Presidente deferir ou indeferir requerimentos de interposição de recurso.

Em virtude da alínea a) do artigo 17.º da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro – Lei da Impugnação dos Actos Administrativos (LIAA), resulta que, daquele acto do Ministro das Finanças, ao ser julgado em 1.a instância, na 3.a Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, cabe recurso para o Plenário do respectivo Tribunal, como determina a alinea a) do artigo 16.º, da supra mencionada LIAA, a alínea b), do n.º 1 do artigo 80.º do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril, bem como o alínea a), do artigo 33.º da Lei n.º 13/11, de 18 de Março – Lei Orgânica do Tribunal Supremo (LOTS).

Com efeito, compulsados os autos, verifica-se que, após Despacho de indeferimento do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, emitido pela supra referida Câmara, a 31 de Março de 2016, o Recorrente interpôs, em simultâneo, no dia 18 de Abril de 2016, a fls. 2 e 9, reclamação para o Plenário do Tribunal Supremo e para o Tribunal Constitucional. Sucede porém, que o Recorrente não devia recorrer, sob a forma de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Plenário do Tribunal Supremo. E, como é óbvio, ao reclamar para o Tribunal Constitucional, sem antes ter esgotado o recurso ordinário, veio a Veneranda Juiza Conselheira Presidente em exercício indeferir o seu requerimento. O que o Recorrente deveria ter feito era, após a prolação do aresto da Câmara, interpor apenas o recurso ordinário para o Plenário do referido órgão superior de jurisdição comum.

Entretanto, diz ainda o Recorrente, nas suas alegações, que as decisões de indeferimento conformam “despachos jurisdicionais feridos de nulidade, ou seja, de invalidade por inexistência jurídica, em face do disposto no artigo 239.º da Constituição”. Ora, o supra referido artigo constitucional prevê que “o direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se, desde que não seja contrário à Constituição”. Na verdade, a Lei n.º 3/08, de 17 de Junho e o Decreto-Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro não foram, de modo automático, revogados pela entrada em vigor da Constituição ou por uma eventual lei ordinária, nem a presente lide representa um recurso ordinário, cuja inconstitucionalidade de norma haja sido suscitada durante o processo, pelo que, o Tribunal Constitucional considera válida a aplicação de ambos diplomas ao objecto desta matéria controvertida, por respeitarem o estabelecido no n.º 1 do artigo 226.º da CRA.

A esse propósito, é importante referir que existe jurisprudência firmada neste Tribunal Constitucional, destacando-se os Acórdãos n.º 385/2016, 331/2014, 150/2011, 144/2011, que prescreve que “o recurso extraordinário de inconstitucionalidade só pode ser interposto após prévio esgotamento nos tribunais comuns e demais tribunais dos recursos ordinários legalmente previstos”.

Assim, se for sua pretensão, o Recorrente pode ainda recorrer para o Plenário do Tribunal Supremo, uma vez que o recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem efeito suspensivo, nos termos conjugados com o n.º 1 do artigo 93.º do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril e alínea a) do artigo 44.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Deste modo, entende o Tribunal Constitucional que não assiste razão ao Recorrente e, consequentemente, não cabe provimento ao presente recurso para o Plenário, porquanto, não esgotou o recurso ordinário ainda cabível para o Plenário do Tribunal Supremo.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em: 

Custas pelo Recorrente ao abrigo do art.º 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 6 de Outubro de 2016.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente) 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa

Dr. Carlos Magalhães (Relator)

Dr.a Guilhermina Prata

Dr. Simão de Sousa Victor­­­­­

Dr. Onofre Martins dos Santos

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo

Dr.a Teresinha Lopes