ACÓRDÃO N.º 411/ 2016
PROCESSO Nº 478-C/2015
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam, em conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Olympic Grupo (Angola), com os demais sinais especificados nos autos, interpôs, com fundamento na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do acórdão do Tribunal Supremo que declarou nulo o despacho de pronúncia proferido contra João Paulo de Almeida Marques (arguido no processo de primeira instância).
2. O Recorrido apresentou um pedido habeas corpus que foi indeferido pelo Tribunal Supremo. Deste indeferimento coube recurso para o Tribunal Constitucional, que declarou inconstitucional aquele aresto, porquanto a acusação particular que esteve na base da pronúncia e a consequente detenção do então arguido, foi apresentada fora do prazo legalmente estabelecido. Outrossim, face às circunstâncias não havia na conduta do réu qualquer elemento que fosse subsumível a um crime, o litígio que os envolvia tinha natureza cível, não havendo, portanto, razões para o decretamento da prisão preventiva.
3. Relativamente ao recurso interposto contra o despacho de pronúncia, o Tribunal Supremo sufragou os argumentos apresentados pelo Tribunal Constitucional e anulou o referido despacho, resultando de tal decisão, o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.° e ss. da Lei n.° 3/08, de 17 de Junho (LPC), segundo o qual “podem ser objecto de recurso as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades, e garantias previstas na Constituição da República de Angola”, recurso que, nos termos do parágrafo único do artigo 49.°, com a redacção dada pelo artigo 13.° da Lei n.° 25/10, de 3 de Dezembro, impõe o “prévio esgotamento nos tribunais comuns e demais tribunais, os recursos ordinários legalmente previstos”.
O recurso em apreciação incide sobre uma decisão do Tribunal Supremo, instância superior da jurisdição comum e da qual não cabe outro recurso ordinário, sendo pois possível, em seguida, o recurso em matéria constitucional para este Tribunal.
Tem pois, este Tribunal competência para conhecer o recurso extraordinário de inconstitucionalidade do referido Acórdão.
III. LEGITIMIDADE
Conforme dispõe a lei, “podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário” (alínea a) do artigo 50.° da Lei n.° 3/08, de 17 de Junho).
A ora Recorrente é parte no processo que começou a correr os seus trâmites na Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Benguela, onde, enquanto assistente, viu o arguido apresentar o recurso contra o despacho de pronúncia. Assim, tem legitimidade para interpor recurso ordinário, porque apresentou recurso junto do Tribunal Supremo, cujo acórdão decisório se requer a apreciação em matéria constitucional.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é o Acórdão do processo n.º 12866 do Tribunal Supremo, proferido a 12 de Setembro de 2013.
Ao Tribunal Constitucional cabe, pois, analisar se o referido Acórdão do Tribunal Supremo, ao declarar nulo o despacho de pronúncia proferido contra o arguido João Paulo Almeida Marques é inconstitucional.
Pretende a Recorrente que este Tribunal reaprecie em nova instância o seu Acórdão n.º 316/2013 que, em recurso extraordinário de inconstitucionalidade declarou inconstitucional o Acórdão do Venerando Tribunal Supremo que mantivera a situação carcerária do Recorrente João Paulo de Almeida Marques, decidindo assim pelo deferimento do pedido de habeas corpus e da restituição do mesmo a liberdade.
O Tribunal Constitucional não reapreciará tal aresto porque os Acórdãos proferidos pelo seu Plenário, já em terceira instância (caso presente) não são passíveis de recurso.
V. APRECIANDO
A Recorrente faz alusão a um conjunto de princípios constitucionais supostamente violados pelo acórdão do Tribunal Supremo, nomeadamente:
Sustenta a Recorrente que o Acórdão recorrido ao declarar nulo o despacho de pronúncia, violou o princípio da legalidade.
Não é esse o entendimento do Tribunal Constitucional porque aquela decisão assenta na qualificação dos factos como matéria cível e na extemporaneidade da apresentação, da acusação particular. Por outras palavras, a decisão vem sustentada na lei.
Em nenhum momento, o Acórdão do Tribunal Supremo violou a lei ou o direito, antes pelo contrário, durante o processo decisivo aquela instituição judicial pautou a sua argumentação ao que vem consagrado na lei. E foi por recurso a este e a outros princípios que se chegou à conclusão segundo a qual o despacho de pronúncia padecia de um vício, no caso o de nulidade.
A lei exige que a acusação particular seja apresentada dentro de um prazo, fora do qual a parte perde o direito de agir, a obediência ao princípio da legalidade não poderia fornecer solução diversa.
A análise do processo não fornece elementos capazes de levar este Tribunal a concluir se houve qualquer acto que violasse o princípio da igualdade. A discussão em torno da igualdade está associada às circunstâncias em que se comparam duas realidades. Ora, a Recorrente não avança, nos seus argumentos, quaisquer factos ou fundamentos que indiquem e possam levar a concluir que foi tratado de modo desigual e arbitrário.
Não se verifica, no caso sub judice, qualquer violação ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, qualquer que seja a sua dimensão, porquanto a Recorrente teve acesso aos tribunais para ver a sua pretensão atendida.
O facto do Acórdão recorrido ter firmado o entendimento de que os factos controvertidos não são do foro criminal, não deixa carecidos de tutela jurisdicional os direitos que a Recorrente alega, pois pode recorrer ao foro cível a fim de fazer valer a sua pretensão, isto é, obter a tutela jurisdicional efectiva desses direitos, desta vez, em sede própria, como já antes indicado pelo Ministério Público (fls.4154).
Na esteira do acabado de expor, também não tem razão a Recorrente quando alega haver violação pela decisão recorrida do seu direito a propriedade privada, pois o termo do procedimento criminal no caso presente abre portas para que a Recorrente obtenha no foro cível a protecção e a tutela jurisdicional desses mesmos direitos de propriedade.
A Recorrente beneficiou de um julgamento justo, durante o qual se cumpriu escrupulosamente a lei, o que torna o julgamento justo e conforme. A celeridade dos julgamentos deve ser avaliada em função da natureza do processo e da sua complexidade.
Conclusão:
Em nenhum momento a Recorrente demonstra que os princípios constitucionais cuja suposta violação está na base do presente recurso foram postergados. Tal situação alicerça o entendimento deste Tribunal segundo o qual, não houve qualquer violação a Constituição da República de Angola.
Constatada a ausência de fundamento constitucional para a convalidação da pronúncia anulada por decisão do Tribunal Supremo, resta referir que, ainda que o houvesse, a recente amnistia aplicável ao arguido no processo de onde emerge o presente recurso torna, por si só, inútil a instância. Com efeito, foram amnistiados pela Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto, todos os crimes comuns puníveis com pena de prisão até 12 anos, cometidos por cidadãos nacionais ou estrangeiros até 11 de Novembro de 2015, o que abrange os delitos pelos quais o arguido havia sido pronunciado.
DECIDINDO
Neste termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Custas pela Recorrente nos termos do regime geral de custas (Código das Custas Judiciais e artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 8 de Novembro de 2016.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator)
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dr.ª Guilhermina Prata
Dra. Luzia Bebiana de Almeida Sebastião
Dr.ª Maria da Imaculada L. da C. Melo
Dr. Simão de Sousa Victor (declarou-se impedido).
Dr. Onofre Martins dos Santos
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo (declarou-se impedido).
Dra. Teresinha Lopes