ACÓRDÃO N.º426/2017
PROCESSO N.º517-B/2016
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Eliandro António Lemos e João dos Santos Bento, com os demais sinais de identificação nos autos, vieram interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do Acórdão proferido no processo n.º14478 da 1ª Secção pela Câmara Criminal do Tribunal Supremo, em 7 de Maio de 2015, com fundamento na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º3/08 - Lei do Processo Constitucional (LPC), por não se conformarem com a decisão do Venerando Tribunal Supremo, que confirmou a decisão da 6.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, que condenou os Recorrentes pelo crime de roubo qualificado.
Os Recorrentes vieram dele recorrer para o Plenário deste Tribunal, alegando, em síntese, que:
Os Recorrentes terminam solicitando ao Tribunal Constitucional que declare nulo o Acórdão do Venerando Tribunal Supremo.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, uma vez que foi esgotada a cadeia recursória da jurisdição comum, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º3/08, de 17 de Junho Lei do Processo Constitucional (LPC).
III. LEGITIMIDADE
Para intervir no processo como parte, afigura-se necessária a existência de um interesse sério em demandar ou em contradizer. É este interesse que, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), determina a legitimidade dos Recorrentes, arguidos no processo n.º 14478, que correu seus trâmites na 1.ª Secção da Câmara Criminal do Venerando Tribunal Supremo.
Têm, assim, os Recorrentes legitimidade para formular o pedido que ora submetem à apreciação deste Tribunal Constitucional.
IV.OBJECTO
O presente recurso incide sobre o Acórdão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Venerando Tribunal Supremo, proferido a 7 de Maio de 2015, em sede do processo n.º14478.
Ao Tribunal Constitucional caberá analisar se o referido Acórdão incorreu em alguma inconstitucionalidade.
V. APRECIANDO
Os Recorrentes vieram ao Tribunal Constitucional, interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, em virtude de não se conformarem com a decisão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Venerando Tribunal Supremo, que confirmou a decisão da 6ª Secção da Sala dos Crimes Comuns, do Tribunal Provincial de Luanda, que condenou os dois recorrentes (i) na pena de 16 anos de prisão maior, (ii) no pagamento de kz. 70.000,00 de taxa de justiça e (iii) no pagamento de uma indemnização ao ofendido no valor de kz. 70.000.000.00, pelo crime de roubo qualificado.
Nas suas alegações, realçam a suposta inexistência de provas, tão pouco de elementos constitutivos do crime pelo qual foram condenados.
Apreciada a decisão recorrida e compulsados os autos, o Tribunal Constitucional constata que, no que se refere ao essencial dos factos acusatórios, esta alegação dos Recorrentes não tem correspondência com a prova efectivamente carreada aos autos.
Quanto a esta questão, de referir que consta dos autos que, os Recorrentes, viajaram para o Huambo na viatura roubada, supostamente a convite de um amigo em comum conhecido por Ricardo António considerado “prófugo nos autos”, tendo a referida viatura sido vista a circular no Huambo e ai apreendida.
Segundo a doutrina dominante, no processo penal angolano os factos (coisas materiais ou imateriais, pessoas…) “constituem objecto da prova, desde que tenham relação com o mesmo e sejam úteis ao fim visado”. Ora, no caso sub judice, há uma relação directa dos factos com o objecto da prova (carro roubado à mão armada), bem como uma relação pessoal do “prófugo” Ricardo António, acusado pelos dois recorrentes que alegam que teria sido ele quem os tinha convidado para a viagem. Estes factos são suficientes para a priori criar-se um juízo de suspeita por parte das autoridades.
Em obediência aos princípios do contraditório e da presunção da inocência, consagrados nos n.º1 e 2 do artigo 67.º da CRA, os Recorrentes foram ouvidos e interrogados em instrução preparatória, (cfr. fls. 67 vs, 68 e 69), sendo esta uma oportunidade para se defender.
Nesta fase processual, foram acusados e pronunciados com base nas provas obtidas, das quais o Juiz, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, constituiu um juízo de certeza, na audiência de discussão e julgamento. Considerando a “circunstancial evidence” dos factos constantes dos autos, entende este Tribunal que, não se vislumbra quaisquer violações aos preceitos constitucionais e que tanto o Tribunal a quo como o ad quem, fizeram a merecida justiça intra legis (dentro do permitido pela lei).
A alegada violação do princípio da legalidade, pelo facto de as duas instâncias judiciais terem baseado as suas convicções nas declarações de Cassilda da Conceição Brinco, e de o interrogatório ter sido feito apenas aos dois, então arguidos, e não a todos os implicados, não viola o princípio em causa porque as declarações daquela, são admissíveis como provas ex vi Ramos, Vasco A. Grandão in Noções Fundamentais, pags. 228 e 229). Por outro lado, a decisão do Venerando Tribunal Supremo, não se fundamentou exclusivamente nas declarações da declarante, mas sim em todos os factos probandi, dos quais resultaram provas indiciárias e indirectas que, sem dúvidas, convenceram de que os Recorrentes praticaram os crimes de que estavam acusados.
Acresce que o artigo 243.º do CPP não obriga à presença de todos os implicados como regra. Apenas se houvesse dúvidas, por parte da declarante, sobre a pessoa culpada, no acto do reconhecimento, seriam chamados outros indivíduos para que, entre eles, fosse reconhecido o culpado.
Quanto à presumível violação da dignidade da pessoa humana, do direito a um julgamento justo e célere e do da legalidade, previstos no n.º 4 do artigo 29º, 72º, 2º, 30.º e 177.º, todos da CRA, da análise dos autos, não se verificou qualquer tratamento desumano, tão pouco a presunção de inocência foi posta em causa, uma vez que os Recorrentes tiveram oportunidade de se defender e de recorrer para o Venerando Tribunal Supremo. Beneficiaram, aliás, de uma atenuação extraordinária, que conduziu à redução da pena, que o Venerando Tribunal Supremo apenas não agravou por respeito ao princípio da “reformatio in pejus”
Em relação ao julgamento justo e célere, importa ressaltar que fazer justiça não é favorecer alguém, mesmo sem razão e em oposição à lei, nem desfavorecer ninguém, em detrimento da sua razão. Fazer justiça é a equidade de atribuir a cada um o que o direito lhe reserva “suum cuique tribuere”, é subsumir os factos ao direito, não utilizando critérios subjectivos e, aplicando objectivamente a lei. Ora, no caso in concreto, a lei foi respeitada e devidamente aplicada, pelo que, na opinião deste Tribunal, não colhe a pretensão dos Recorrentes.
CONCLUSÃO
Por tudo quanto acima se deixou apreciado e fundamentado, é entendimento do Tribunal Constitucional que não procede o pedido dos Recorrentes, porquanto ficou provado que o Acórdão do Venerando Tribunal Supremo, ora recorrido, observou efectivamente, os preceitos constitucionais.
DECIDINDO
Nestes termos
Tudo visto e ponderado, acordam os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em
Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 12 de Maio 2017.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator)
Dr. António Carlos Pinto C. de Sousa
Dr.ª Carlos Magalhães
Dra. Guilhermina Prata
Dra. Luzia Bebiana de Almeida Sebastião
Dr.ª Maria da Imaculada L. da C. Melo
Dr. Onofre dos Santos_
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dra. Teresinha Lopes