ACÓRDÃO N.º 443/2017
PROCESSO N.º 551-D/2017
(Processo de Fiscalização Abstracta Sucessiva)
Em nome do povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
O Grupo Parlamentar da UNITA veio intentar acção de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade dos artigos 7.º e 10.º, ambos da Lei n.º 1/17, de 23 de Janeiro - Lei de Imprensa, nos termos do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2 do artigo 230.º da Constituição da República de Angola – CRA e do artigo 27.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional -LPC, na redacção que lhe é dada pelo artigo 8.º da Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro, com os fundamentos que resumidamente se seguem:
1. O artigo 7.º sob a epígrafe “Limites ao exercício da liberdade de imprensa” viola directamente o artigo 44.º da CRA, que com a epígrafe “Liberdade de Imprensa” determina no n.º 1, que é garantida a liberdade de imprensa, não podendo esta ser sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística.
2. Do artigo 44.º da CRA sobressaem desde logo dois factos irrefutáveis:
a) Não consta no texto da norma qualquer limitação expressa da liberdade de imprensa;
b) A própria norma está inserida sistematicamente no Capítulo Constitucional que versa sobre Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais (Capítulo II do Título II da Constituição da República de Angola).
3. É directamente aplicável ao artigo 44.º da CRA o disposto no artigo 28.º da CRA que dispõe:
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias fundamentais são directamente aplicáveis e vinculam todas as entidades públicas e privadas.
2. O Estado deve adoptar as iniciativas legislativas e outras medidas adequadas à concretização progressiva e efectiva, de acordo com os recursos disponíveis, dos direitos económicos, sociais e culturais.”
“1. A Lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
2. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
5. Da enumeração das normas constitucionais supra referenciadas é bastante para se concluir que, não existe na Constituição da República de Angola a possibilidade expressa de se impor restrições à liberdade de imprensa, portanto, qualquer lei que restrinja a liberdade de imprensa é inconstitucional, nos termos dos artigos 6.º, 44.º e 57.º, todos da CRA.
6. As normas constantes no artigo 7.º da Lei de Imprensa não são limites, mas sim verdadeiras restrições, pois impedem a liberdade de imprensa em situações que se considere não existir objectividade, rigor e isenção da informação, pelo que ao constituírem restrições e não limites à liberdade de imprensa são inconstitucionais.
7. Também não há liberdade de imprensa quando se invoque a defesa do interesse público e da ordem democrática, bem como a protecção da saúde e da moralidade públicas. Além do mais, a liberdade de imprensa não cobre a produção ilícita de informações, não podendo por isso os jornalistas obter informações através de meio ilícito ou desleal.
8. É verdade que o artigo 40.º da CRA, referente à liberdade de expressão e informação, prevê algumas restrições, concretamente o seu número 3 dispõe que: “ A liberdade de expressão e a liberdade de informação têm como limites os direitos de todos ao bom nome, à honra e à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, à protecção da infância e da juventude, o segredo de estado, o segredo de justiça, o segredo profissional e demais garantias daqueles direitos, nos termos regulados pela lei.”
9. Contudo as restrições do artigo 7.º da Lei de Imprensa são alargadas, incluindo várias situações não previstas no número 3 do artigo supramencionado como “objectividade, rigor e isenção da informação; defesa do interesse público e da ordem democrática; protecção da saúde e da moralidade pública; produção ilícita de informações”.
10. A criação de categorias restritivas com um âmbito tão geral, vago e indeterminado, que não são facilmente apreensíveis pelo cidadão e carecem de uma hermenêutica própria e de alguém que decida o que querem dizer essas expressões, como objectividade, interesse público, produção ilícita de informações criam restrições à liberdade de imprensa, o que esvazia completamente o preceito constitucional e impede a aplicação directa da norma sobre a liberdade de imprensa, impossibilitando o cumprimento do normativo constitucional.
11. Estas restrições causam o denominado efeito congelador, sobre os membros da imprensa, ao limitar a actividade da comunicação social com situações simultaneamente tão vagas e tão numerosas, o membro da imprensa nunca sabe quando está ou não a violar a lei e por isso limita a sua actuação, fica congelado e não age. Pelo que estamos perante uma intromissão desproporcional na liberdade de imprensa.
12. O princípio da proporcionalidade assenta numa análise da relação entre fins e meios, pelo que não se devem utilizar mais meios que os necessários para alcançar um fim.
13. Trata-se de um princípio que tem subjacente a ideia de limitação do excesso, não podendo o exercício dos poderes estatais, designadamente discricionários, ultrapassar o indispensável à realização dos objectivos públicos.
14. O princípio da proporcionalidade assume três vertentes essenciais, a adequação, a necessidade e o equilíbrio e, o que se verifica na redacção do artigo 7.º da Lei de Imprensa é que essa proporcionalidade não é respeitada, colocando demasiadas restrições ao exercício de um direito garantido pela Constituição.
15. O Artigo 10.º da Lei de Imprensa dispõe que “Todas as empresas e órgãos de comunicação social têm a responsabilidade social de assegurar o direito dos cidadãos de informar, se informar e ser informado de acordo com o interesse público”.
16. O problema que esta norma coloca é a submissão da informação ao interesse público, que é um princípio de carácter administrativo que serve para definir a missão da Administração Pública.
17. Só teria sentido submeter a comunicação social a este princípio se toda ela fosse estatizada, o que não é o caso.
18. Se está a querer submeter a esfera de informação ao Estado e a submissão dos interesses que a informação deve prosseguir à decisão dos Órgãos Superiores do Estado.
19. Tal viola manifestamente os artigos 14.º, 37.º e 44.º todos da CRA que garantem a propriedade privada e a liberdade de imprensa. Não há propriedade privada, nem liberdade de imprensa se ambas estão submetidas ao interesse público tal como a Administração Pública e a sua definição pelos Órgãos Superiores do Estado.
20. O interesse público, tal como definido por lei é incumbência do Estado, à imprensa exige-se liberdade, crítica, debate, reflexão e não submissão aos interesses prosseguidos pelo Estado.
21. O artigo 10.º da Lei de Imprensa, ao submeter a liberdade de imprensa ao interesse público é inconstitucional, por violação dos artigos 14.º, 37.º e 44.º, todos da CRA.
O Requerente termina pedindo que seja a presente acção julgada procedente e seja declarada com força obrigatória geral a inconstitucionalidade dos artigos 7.º e 10.º da Lei de Imprensa.
Solicitada, por despacho do Juiz Conselheiro Presidente (fls. 16), para que se pronunciasse nos termos do n.º 1 e da alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 29.º da LPC, a autora da norma veio apresentar o seu pronunciamento, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Os direitos fundamentais apesar da sua natureza jurídica, não são ilimitados.
2. As limitações aos direitos fundamentais visam, no essencial, proteger direitos fundamentais de outras pessoas ou garantir bens jurídicos de carácter específico, como a segurança ou a ordem pública.
3. Hoje já se admite a nível da doutrina a teoria das restrições implícitas dos direitos fundamentais que visam salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, que se fundam não já em preceitos, mas sim em princípios constitucionais.
4. O legislador constituinte determinou no n.º 4 do artigo 44.º da CRA, que as formas de exercício da liberdade de imprensa fossem consagradas numa lei ordinária. Esta norma por si só dá margem ao legislador ordinário para estabelecer as regras para o exercício da liberdade de imprensa, sempre em respeito aos valores e princípios constitucionais, ainda que não estejam, ipsis verbis consagrados na Constituição.
5. A liberdade de imprensa cuja manifestação assenta na liberdade de expressão e na liberdade de informação, não é um direito ilimitado, à semelhança de outros direitos fundamentais.
6. Por força do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, incorporado na ordem jurídica angolana por força da Resolução n.º 26-B/91, da Assembleia do Povo, a liberdade de imprensa é igualmente limitada pela necessidade do respeito aos direitos ou a reputação de outrem, da salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde e da moralidade públicas.
7. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos consagra no seu artigo 19.º o seguinte:
1. Ninguém pode ser discriminado por causa das suas opiniões.
2. Toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de toda a índole sem consideração de fronteiras, seja oralmente, por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo que escolher.
3. O exercício das liberdades previstas no parágrafo 2 do presente artigo comporta deveres e responsabilidades especiais. Pode em consequência ser submetido a certas restrições, que devem todavia, ser expressamente fixadas na lei e que são: a) Ao respeito dos direitos e da reputação de outrem; b) À salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde e da moralidade públicas.
8. Os direitos fundamentais contidos na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e regras aplicáveis de direito internacional, nos termos no n.º 1 do artigo 26.º da CRA, acrescendo o n.º 2 que os preceitos constitucionais devem ser interpretados e integrados de harmonia com os tratados internacionais sobre a matéria, ratificados pela República de Angola.
9. Não é verdade que o artigo 7.º da Lei de Imprensa estabelece restrições a liberdade de imprensa. O artigo 7.º consagra limites ao exercício daquele direito. O mesmo artigo tipifica pressupostos para o exercício da liberdade de imprensa.
10. Afirmar-se que o artigo 7.º da Lei de Imprensa consagra restrições à liberdade de imprensa é incorrecto pois, os requisitos exigidos no referido artigo não afectam o direito como tal.
11. A liberdade de imprensa é uma emanação da ordem democrática, logo não pode a liberdade de imprensa ser utilizada para a destruição da ordem democrática que lhe dá existência.
12. Não é verdade que os limites ao exercício da liberdade de imprensa constantes do artigo 7.º da referida lei são desproporcionais, tendo em conta os fins que a lei visa atingir. Os limites aí referidos visam salvaguardar princípios, valores e normas da Constituição e da lei, que pela sua dimensão e posição na hierarquia de valores, não podem ser agredidos pelo exercício do direito à liberdade de imprensa.
13. As expressões “objectividade”, “interesse público” e “produção ilícita de informações” não são conceitos indeterminados, cada uma dessas expressões tem um significado concreto e conhecido na ciência do direito.
14. O interesse público para efeitos da presente lei não tem o conteúdo que o peticionário alega, mas sim o que vem descrito no seu artigo 11.º, tendo em conta que a liberdade que está aqui em causa não é apenas um direito individual, mas também um direito colectivo, uma vez que, num Estado democrático de direito os cidadãos têm o direito de estarem informados.
15. É redutor pensar-se que, a administração pública é exercida apenas pelos órgãos do Estado. A administração pública é exercida sim pelo Estado, mas também por órgãos autónomos, como as autarquias locais, e por órgãos independentes como a CNE e a ERCA e até por entes privados mediante contratos ou licenças de concessão.
16. Não há, nenhum conflito entre a realização do interesse público e a propriedade privada ou a liberdade de imprensa, são bens ou valores que, nos termos da Constituição, convivem de forma pacífica e harmoniosa.
A Assembleia Nacional termina alegando não existirem fundamentos para a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 7.º e 10.º da Lei de Imprensa, pelo que não se deve dar provimento ao pedido do Grupo Parlamentar da UNITA.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para proceder à apreciação sucessiva da constitucionalidade de qualquer norma contida em diploma publicado em Diário da República, nomeadamente lei, decreto legislativo presidencial, decreto presidencial e resolução nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 180.º da CRA, conjugado com o n.º 1 do artigo 26.º da LPC.
III. LEGITIMIDADE
A legitimidade para solicitar ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade abstracta sucessiva de quaisquer normas cabe, de entre outras entidades, aos Grupos Parlamentares, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 230.º da CRA, conjugado com a alínea c) do artigo 27.º da LPC, pelo que o Grupo Parlamentar da UNITA tem legitimidade, para requerer a presente fiscalização abstracta sucessiva.
IV. OBJECTO
O presente processo de fiscalização abstracta sucessiva tem como objecto a apreciação pelo Tribunal Constitucional da conformidade ou não dos artigos 7.º e 10.º da Lei n.º1/17, de 23 de Janeiro - Lei de Imprensa, com os artigos 14.º, 28.º, 37.º, 44.º e 57.º, todos da CRA.
V. APRECIANDO
O Requerente com o presente pedido de fiscalização abstracta sucessiva suscita, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade dos artigos 7.º e 10.º da Lei n.º 1/17 – Lei de Imprensa, que essencialmente se subsumem nas seguintes matérias:
A- Inconstitucionalidade do artigo 7.º da Lei de Imprensa por:
A.1- Impor restrições à liberdade de imprensa
A.2- Utilização de conceitos vagos e indeterminados
A.3- Desrespeito do princípio da proporcionalidade
B- Inconstitucionalidade do artigo 10.º da Lei de Imprensa por submissão da informação ao interesse público
Deste modo:
A- Sobre a inconstitucionalidade do artigo 7.º da Lei de Imprensa por:
A.1- Impor restrições à liberdade de imprensa
Alega o Requerente ser inconstitucional o artigo 7.º da Lei de Imprensa, por o mesmo impor uma limitação expressa à liberdade de imprensa que a Constituição, enquanto Lei Magna, não impõe.
Essa argumentação não é de todo correcta, se não vejamos:
A liberdade de imprensa consagrada no artigo 44.º da CRA surge como uma manifestação da liberdade de expressão, direito fundamental também com consagração constitucional no artigo 40.º, em que o seu n.º 3 é bastante claro ao dispor que “A liberdade de expressão e a liberdade de informação têm como limites os direitos de todos ao bom - nome, à honra e à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar…”
E ao prescrever, no seu n.º 4, que as infracções cometidas no exercício desses direitos fazem incorrer o autor em responsabilidade criminal, civil e disciplinar, nos termos da lei, está-se a admitir a existência de limites constitucionalmente autorizados ao respectivo exercício, cuja infracção pode ser punida civil e criminalmente.
Mas a Constituição não fica por aqui, visto que o n.º 4 do artigo 44.º dispõe que “A lei estabelece as formas de exercício da liberdade de imprensa”, deixando espaço ao legislador ordinário para fixar as condições que vão regular o exercício desse direito em diploma próprio.
Com isto, importa clarificar que a liberdade de expressão e informação, enquanto direitos consagrados na Constituição da República de Angola, devem respeitar os instrumentos jurídicos internacionais em matéria de direitos humanos, como sejam a Declaração Universal dos Direitos Homem, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e os tratados internacionais sobre a matéria ratificados por Angola.
Segundo a doutrina, os princípios, direitos, liberdades e garantias fundamentais têm limites. Limites que podem ser directos, sempre que excluam imediatamente certas parcelas do direito, ou indirectos quando sejam fundamento para ulteriores restrições.
O sistema de restrições constitucionais aos direitos fundamentais assenta na premissa, segundo a qual, nenhum direito fundamental é absoluto. Por este motivo, a Constituição prevê a possibilidade de minorar o conteúdo material de um direito fundamental para salvaguardar outro.
Em relação à liberdade de imprensa, socorremo-nos do defendido pelos Professores Doutores Raul Araújo e Elisa Rangel quando referem que “A liberdade de imprensa é, na actualidade, não apenas um direito de defesa perante os poderes públicos, mas também, uma garantia constitucional de livre formação da opinião pública num Estado constitucional democrático, por esta razão as limitações ao seu exercício são as decorrentes da lei, com vista à salvaguarda da defesa nacional e da soberania nacional, da integridade territorial da nação angolana, da unidade nacional, da ordem pública, da saúde e da moralidade públicas”.
“A liberdade de imprensa sendo um direito fundamental dentro do princípio da unidade do sistema dos direitos fundamentais, não pode pôr em causa outros direitos constitucionais ou legalmente consagrados.” in - Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, pág.329.
Ainda sobre a liberdade de imprensa, recorremos às cláusulas do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, instrumento internacional de que Angola é parte, incorporado no ordenamento jurídico angolano através da Resolução n.º26-B/91, da Assembleia do Povo, chamado aqui à colação por força do disposto no n.º 2 do artigo 26.º da CRA, que dispõe que “ Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e os tratados internacionais sobre a matéria, ratificados pela República de Angola”.
Assim, o artigo 19.º do referido Pacto dispõe que o exercício do direito à liberdade de expressão implica deveres e responsabilidades especiais, podendo estar sujeito a certas restrições expressamente previstas na lei e que sejam necessárias para:
a) Assegurar o respeito pelos direitos e a reputação de outrem;
b) A protecção da segurança nacional, a ordem pública ou a saúde ou a moral públicas.
Um estudo de direito comparado permite-nos concluir que diversas Constituições, tais como a Portuguesa (artigos 37.º e 38.º), Timorense (artigos 40.º e 41.º), Moçambicana (artigo 48.º), Macaense (artigo 40.º), estabelecem estes mesmos limites.
A título de exemplo, o artigo 3.º da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, Lei de Imprensa Portuguesa dispõe que “A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”
Com isso, concluímos que os limites expressamente previstos no n.º 1 do artigo 7.º da Lei de Imprensa não só estão devidamente alinhados com a Constituição, como respeitam as cláusulas do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de que Angola é parte, encontrando-se ainda em linha com outras realidades constitucionais.
A.2- Utilização de conceitos vagos e indeterminados.
O Requerente defende serem vagos e indeterminados alguns conceitos utilizados pelo legislador, tais como “objectividade”, “interesse público” e “produção ilícita de informações”.
Ora, convém referir que, para melhor entendimento de qualquer diploma legal, antes de mais é importante que o intérprete perceba qual é o espírito da lei. O que aqui está em causa é o exercício da liberdade de expressão do jornalista, enquanto profissional no pleno exercício do seu trabalho, e dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei de Imprensa que o exercício da liberdade de expressão tem como limites, os princípios, valores e normas da Constituição e da lei que visam salvaguardar a objectividade, rigor e isenção da informação.
Na verdade, a objectividade leva a que um determinado texto, deva ser orientado pelas informações objectivas e não subjectivas ou seja, deve descrever as características do objecto da notícia e cingir-se a dar toda e qualquer informação com rigor e fundada em fontes seguras.
Pelo que o Tribunal Constitucional considera que o texto do artigo 7.º da Lei de Imprensa é claro no que concerne à objectividade, sendo este princípio bastante comum no jornalismo.
Quanto à expressão interesse público, parece-nos que o Requerente parte de uma noção restritiva de interesse público, mais associada à Administração Pública e, como tal, estando limitado por essa mesma Administração Pública e aos órgãos superiores do Estado, como se a lei em análise pretendesse colocar interesses políticos acima do interesse público.
É entendimento deste Tribunal que a interpretação a dar-se à referida expressão deve circunscrever-se ao estabelecido no artigo 11.º da Lei de Imprensa, onde o conceito tem um carácter mais genérico, com a devida ênfase ao direito de informação como necessário ao desenvolvimento de qualquer Estado Democrático.
Sobre a produção ilícita de informações, dispõe o n.º 2 do artigo 7.º da Lei de Imprensa, que a liberdade de imprensa não cobre a produção ilícita de informações, não podendo, por isso, os jornalistas obterem informações através de meio ilícito ou desleal.
O n.º 3 vem complementar esse entendimento, ao estabelecer que considera-se ilícita ou desleal a informação obtida por meio fraudulento.
Para o entendimento comum da pessoa média, a fraude que consubstancia meio ilícito de obtenção de informação, abarca aqueles actos desonestos, maliciosos, socialmente incorrectos, ludibriadores e ilegais, cometidos com vista a enganar ou prejudicar uma pessoa ou organização.
Consequentemente a informação obtida com recurso a meio fraudulento não pode ser legitimada e branqueada pela liberdade de imprensa.
Ainda a propósito da produção ilícita de informações, a Lei n.º 5/17, de 23 de Janeiro – Lei sobre o Estatuto do Jornalista estabelece, no seu artigo 16.º, sob epígrafe (deveres) e realçamos aqui, o disposto nas suas alíneas c) e h) que, constituem deveres do jornalista:
c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência;
h) Não falsificar ou encenar situações com o intuito de abusar da boa-fé do público.
Nestes termos, é entendimento deste Tribunal que estes conceitos que o Requerente considera como vagos e indeterminados estão devidamente consubstanciados na Lei de Imprensa e enquadrados com as disposições da Constituição referentes a liberdade de imprensa e aos seus limites.
A.3- Desrespeito pelo princípio da proporcionalidade.
Alega o Requerente serem desproporcionais as restrições impostas à liberdade de imprensa pelo artigo 7.º da Lei de Imprensa e, como tal, violarem o artigo 57.º da CRA que, na parte final do seu n.º 1, dispõe que as restrições (aos direitos, liberdades e garantias) devem limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
De referir que a ratio do artigo 57.º da CRA é o de garantir, em primeiro lugar, que as matérias relativas a direitos liberdades e garantias apenas possam ser objecto de restrições ou limitações nos casos expressamente previstos na Constituição; segundo, que as restrições ou limitações aos direitos, liberdades e garantias sejam matéria de reserva absoluta legislativa da Assembleia Nacional e, por último, que o acto legislativo restritivo dos direitos fundamentais deva ser precedido de uma ponderação dos interesses em causa para que haja o sacrifício mínimo dos direitos fundamentais em questão.
As restrições à liberdade de imprensa acima referidas só se justificam para salvaguardar um direito ou um interesse constitucionalmente protegido, sendo que a liberdade de imprensa concorre aqui com outros direitos, nomeadamente, o direito ao bom-nome, à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, à protecção da infância e da juventude.
Ademais as restrições impostas nas alíneas a), c) e d) do artigo 7.º, em nada violam o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 57.º da CRA. Em bom rigor, quanto à alínea a) não estamos perante uma restrição propriamente dita, dado que a exigência de se salvaguardar a objectividade, rigor e isenção da informação, decorre da própria natureza do direito à informação. Nas alíneas c) e d) do artigo 7.º não se cria de per si uma realidade nova a nível das restrições constitucionalmente autorizadas. O que a Lei de Imprensa a este respeito vem fazer é tão somente conjugar o regime de restrições previsto na CRA com o regime de restrições consagrado no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 19.º) aplicável por força dos artigos 13.º e 26.º da CRA.
Assim, entende o Tribunal Constitucional que o artigo 7.º não impõe nenhuma limitação, nem nova, nem excessiva, muito menos contraria a Constituição e os instrumentos internacionais sobre a matéria dos direitos fundamentais de que Angola é parte.
B- Sobre a inconstitucionalidade do artigo 10.º da Lei de Imprensa por submissão da informação ao interesse público
Alega o Requerente que o texto do artigo 10.º da Lei de Imprensa pretende submeter a esfera de informação ao Estado e a submissão dos interesses que a informação deve prosseguir à decisão dos órgãos superiores do Estado. Isso por considerar que o interesse público previsto no artigo 10.º tem o entendimento de interesse público estabelecido no n.º 1 do artigo 198.º da CRA, que dispõe que, “A administração pública prossegue, nos termos da Constituição e da lei, o interesse público, devendo, no âmbito da sua actividade, reger-se pelos princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade, responsabilização, probidade administrativa e respeito pelo património público.”
No entanto essa posição do Requerente não procede, uma vez que o artigo 11.º da Lei de Imprensa vem expressamente dispor, sobre qual o sentido a dar a interesse público para efeitos da Lei de Imprensa.
Como atrás dito o interesse público a que se sujeita os fins do direito à informação, bem detalhado neste artigo 11.º da Lei de Imprensa é o do rigor, objectividade, isenção e do estado democrático de direito que, como é sabido, é um princípio informador de toda a ordem jus-constitucional angolana.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado,
Acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:
Sem custas (nos termos do artigo 15º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de Junho de 2017.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Guilhermina Prata (Relatora)
Dra. Maria da Imaculada L. C. Melo
Dr. Onofre Martins dos Santos
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes