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ACÓRDÃO N.º 446/2017

 

PROCESSO N.º 523-D/2016

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Raul José Adão da Silva, melhor identificado nos autos, veio a este Tribunal Constitucional recorrer do Acórdão proferido no Processo n.º 1447/09, aos 19 de Setembro de 2013, pela 1.a Secção da Câmara do Trabalho do Venerando Tribunal Supremo, que, a fls. 256 a 262, não conheceu da apelação por, “ex officio”, ter declarado extemporânea a acção que havia sido interposta em matéria disciplinar e julgada pela 3.a Secção da Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda.

O Recorrente fundamenta o seu recurso, alegando, no essencial, o seguinte:

1. O Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento e, na sequência disso, violou os artigos 29.o e 72.o, ambos da Constituição da República de Angola (CRA), referentes aos direitos fundamentais a um processo equitativo e a um julgamento justo e conforme a lei.

2. Ao caso “sub iudice” não se aplicava o prazo de caducidade de 180 dias, previsto no artigo 301.o da Lei n.o 2/00, de 11 de Fevereiro – antiga Lei Geral do Trabalho (LGT), mas o limite temporal de um (1) ano, previsto no n.o 1 do artigo 300.o do referido diploma legal.

3. No período em que o recurso em matéria disciplinar foi interposto, os créditos e direitos resultantes do contrato de trabalho por tempo indeterminado, que o Recorrente celebrou com o Banco Comercial Angolano, SA. (BCA), não haviam prescrito, nem havia caducado o direito de os reclamar judicialmente.

4. O Acórdão recorrido padece de nulidade, à luz da alínea c) do n.o 1 do artigo 668.o do Código de Processo Civil (CPC), porque os fundamentos invocados pelo Tribunal Supremo, para julgar extemporâneo o recurso, não ficaram provados, dado que o Recorrente nunca pediu nos autos a sua reintegração no BCA.

5. O Venerando Tribunal Supremo violou o princípio da legalidade, porque a anterior Lei n.o 2/00, de 11 de Fevereiro, determinava que o direito prescrevia decorrido um (1) ano contado do dia da cessação do contrato de trabalho. E o recurso foi interposto antes do fim desse, tendo, por isso, a decisão derrogatória violando as normas do n.o 1 do artigo 2.º (primado da Constituição e da lei), do n.o 2 do artigo 6.o (princípio da legalidade), do artigo 175.o (sujeição dos tribunais à Constituição e à lei) e do n.o 1 do artigo 177.o (dever dos tribunais observarem à Constituição, as leis e demais disposições normativas vigentes), todas da CRA.

6. A convocatória da entrevista efectuada pelo BCA não continha a descrição detalhada dos factos imputados ao Recorrente, pressupondo uma nulidade do processo e da medida disciplinar aplicada.

7. Ao abster-se de conhecer do recurso, por, alegadamente, ter caducado o direito de recorrer em matéria disciplinar, o Tribunal Supremo não se pronunciou sobre o mérito da causa e violou o seu dever de julgar e fundamentar as suas decisões.

8. O Acórdão recorrido omitiu toda a factualidade, decorrendo disso uma violação do disposto no n.o 4 do artigo 76.o da CRA, respeitante ao direito fundamental ao trabalho, a não ser despedido sem justa causa e à justa indemnização em caso de despedimento injusto.

9. O aresto é, ainda, inconstitucional por omissão, pois, o Venerando Tribunal Supremo não se pronunciou sobre o acto ilegal e nulo do BCA, que desencadeou um processo disciplinar nulo e aplicou ao Recorrente uma medida disciplinar nula, sem qualquer fundamento na letra e no espírito da lei.

10. A sentença recorrida deve também ser declarada inconstitucional, por violação grave do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 29.o da CRA, uma vez que a decisão recorrida não foi proferida em prazo razoável.

Conclui o Recorrente pedindo, em alegação de recurso, que:

O Acórdão recorrido seja integralmente revogado, “por não se encontrar bem fundamentado nas disposições legais em vigor e, desse modo, deve confirmar-se a sentença proferida pela Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda”.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O Recorrente interpôs o presente recurso com base na alínea a) do artigo 49.o da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), por alegar que o Tribunal recorrido proferiu Acórdão que violou os seus direitos, liberdades e garantias fundamentais assegurados pela Constituição. Ora, é ao Plenário do Tribunal Constitucional que compete decidir sobre recursos extraordinários de inconstitucionalidade previstos nas alíneas a) e b) do artigo 49.o da LPC, por força do disposto na alínea m) do artigo 16.o da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), com a redacção dada pelo artigo 2.o da Lei n.o 24/10, de 3 de Dezembro, e da alínea b) do artigo 23.o da Resolução n.o 1/14, de 28 de Julho – Regulamento Geral do Tribunal Constitucional. 

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é parte legítima no Processo n.º 1447/09, que correu os seus termos na 1.a Secção da Câmara do Trabalho do Venerando Tribunal Supremo. O Recorrente tem, assim, legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 50.o da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, conjugada com o n.o 1 do artigo 680.o do CPC, aplicável subsidiariamente em virtude do artigo 2.o da LPC e por imperativo constitucional da norma do n.o 1 do artigo 29.o da CRA.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto o Acórdão do Processo n.o 1447/09, proferido pela 1.a Secção da Câmara do Trabalho do Venerando Tribunal Supremo, que o Recorrente alega ter violado direitos, liberdades e garantias constitucionais, por não ter julgado a apelação, com o fundamento de que a acção em matéria disciplinar foi interposta extemporaneamente junto do Tribunal “a quo”.  

V. APRECIANDO

O BCA instaurou, em 2005, um processo disciplinar contra o ora Recorrente por, alegadamente, ter efectuado “movimentos de somas avultadas de dinheiro...e grandes transações, envolvendo companhias de renome, e processadas sem observância das regras básicas da boa prática bancária”. Na sequência disso, o BCA   procedeu, a fls. 60, ao despedimento disciplinar imediato do Recorrente, com base na alínea e) do n.o 1 do artigo 49.o, conjugada com as alíneas g) e h) do artigo 225.o, todas da anterior Lei n.o 2/00, de 11 de Fevereiro – LGT. Inconformado com a decisão que pôs fim ao vínculo laboral, o Recorrente intentou uma acção (recurso em matéria disciplinar) que correu termos na 3.a Secção da Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda sob o n.º 727/06-F.

Compulsados os autos deste processo, o Tribunal Constitucional verificou que o Tribunal “a quo” julgou procedente o recurso interposto pelo Recorrente, por ter considerado, em sentença datada de 16 de Setembro de 2008, a fls. 186 a 190, que o BCA “violou normas imperativas que recortam o direito de trabalho e do seu processo, daí a nulidade do despedimento, fundado na medida disciplinar, por preterição de formalidades essenciais exigidas por Lei, como dispõe o artigo 220.o do CC”.

Dessa sentença, o BCA recorreu, a fls. 195, para a 1.a Secção da Câmara do Trabalho do Venerando Tribunal Supremo e, a fls. 201, requereu, nos termos das alíneas b), c) e d) do artigo 668.o do CPC, a nulidade da decisão recorrida.

O Tribunal “ad quem” decidiu não julgar a sentença recorrida, por alegar que houve extemporaneidade da acção, uma vez que o Recorrente havia interposto junto do Tribunal “a quo”. Para fundamentar a decisão, referiu o Venerando Tribunal Supremo, no Acórdão do Processo n.o 1447/09, de fls. 261-262, que o ora Recorrente foi despedido a 27 de Dezembro de 2005 e veio, nove meses depois, a 01 de Setembro de 2006, impugnar o despedimento. Por essa razão, entendeu que precludiu o seu direito de intentar a acção contra a medida disciplinar, porquanto, após o despedimento e sob pena de caducidade do direito de recorrer, o Recorrente gozava apenas do prazo de 180 dias, ou seja, aproximadamente seis (6) meses, para requerer judicialmente a sua reintegração, conforme estabelece o artigo 301.o da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro.       

Desse modo, considera o Venerando Tribunal Supremo que “mal andou o Tribunal a quo”, por ter dado provimento à acção em matéria disciplinar, sem conhecer oficiosamente da excepção de caducidade.

Do acima exposto, e tendo em linha de conta que o Recorrente tem direito à protecção dos seus direitos e garantias constitucionalmente previstos, a presente fiscalização concreta das alegadas violações de direitos, liberdades e garantias fundamentais vai incidir sobre dois aspectos:

a) Princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva;

b) Princípio da legalidade, do julgamento justo e conforme a lei, para a salvaguarda dos direitos fundamentais ao trabalho, a não ser despedido sem justa causa e a ser indemnizado em caso de despedimento injusto.

1. Princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva

Uma das principais tarefas do Estado, prevista na alínea b) do artigo 21.o da CRA, é a de “assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais” dos cidadãos, através do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, bem como por meio de outros instrumentos de protecção de interesses jurídico-constitucionais.

O Recorrente alega que houve violação do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, pelo facto de a sua causa não ter sido objecto de decisão em tempo adequado, pois, o Venerando Tribunal Supremo só julgou a lide seis (6) anos após a entrada do processo na sua Secretaria Judicial, a fls. 195.

Ora, o Recorrente acedeu ao Venerando Tribunal Supremo para defender os seus direitos fundados na Constituição. No entanto, o acesso ao direito não constitui, por si só, garantia suficiente à protecção e execução de interesses constitucionalmente protegidos. Para isso, importa que os tribunais, materializando o princípio da tutela jurisdicional efectiva, que não se circunscreve somente às questões materiais de admissão, tramitação e julgamento de recurso, profiram as suas decisões sem dilações temporais injustificáveis e através de um processo equitativo, nos termos do n.o 4 do artigo 29.o da CRA.

Assim, o princípio da tutela jurisdicional efectiva inclui o direito de acção, que se consubstancia no poder ou na faculdade de o Recorrente interpor recurso, bem como o direito ao processo, que se traduz no dever de a causa ser julgada em tempo razoável e com equidade (n.s 1 e 4 do artigo 29.o da CRA), após a apresentação do processo junto da respectiva instância judicial.

Neste caso concreto, tratando-se de uma acção interposta em matéria disciplinar, por despedimento alegadamente injusto, cujo Recorrente ficou privado do seu meio fundamental de subsistência, nomeadamente, a remuneração que auferia por via do vínculo laboral (n.o 1 do artigo 76.o da CRA), é entendimento do Tribunal Constitucional que o Recorrente tem direito a um processo judicial célere e a um julgamento em tempo útil contra alegadas violações dos seus direitos, com base no n.o 5 do artigo 29.o da Constituição, demora essa que prejudica de forma muito grave direitos fundamentais do Recorrente.

2. Princípio da legalidade, do julgamento justo e conforme à lei, para a salvaguarda dos direitos fundamentais ao trabalho, a não ser despedido sem justa causa e a ser indemnizado em caso de despedimento injusto

O Recorrente alega que o Tribunal recorrido violou o princípio da legalidade, porque a Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro, em vigor à data da ocorrência dos factos, estabelecia, no n.o 1 do artigo 300.o, que o direito de recorrer se extinguia por prescrição, decorrido um ano após cessação do contrato de trabalho, mas o Tribunal “ad quem”, julgando que terá havido pedido de reintegração, considerou o prazo de 180 dias, previsto no artigo 301.o do referido diploma, para efeitos do direito de recorrer. 

Compulsados os autos, constatou o Tribunal Constitucional que o Recorrente, no decurso da sua repetida intervenção no processo, não solicitou a sua reintegração no BCA, peticionando apenas o seu ressarcimento pela cessação do seu vínculo laboral.

O prazo legalmente estabelecido para o direito a acção nestes processos é o de 12 meses contados da data do despedimento (artigo 300.º da Lei n.º 2/00 de 11 de Fevereiro, anterior Lei Geral do Trabalho, aplicável ao caso concreto).

O Acórdão recorrido, por ter erroneamente suposto que o Recorrente pretendera a sua reintegração, aplicou prazo especificamente previsto para estes tipos de acções (artigo 301.º da supra mencionada Lei) que é de apenas 180 dias.

O erro acima descrito na aplicação do direito ofendeu o direito fundamental do Recorrente à acção, à tutela jurisdicional efectiva e ao julgamento justo previstos nos artigos 29.º e 72.º da CRA.

Consequentemente é entendimento do Tribunal Constitucional que o Acórdão recorrido é materialmente inconstitucional por não estar em conformidade com os mencionados direitos fundamentais do Recorrente.

Termos com que fica igualmente anulada a decisão contida no Acórdão recorrido que invalidou o Acórdão proferido em primeira Instância e constante de fls. 186 a 190 dos autos.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:  

Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, e do n.o 5 do artigo 7.º da Lei n.º 9/05, de 17 de Agosto – Lei sobre a Actualização das Custas Judiciais e de Alçada dos Tribunais.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 28 de Junho de 2017.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente- declarou-se impedido)

Dr. Américo Maria de Morais Garcia

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa

Dr. Carlos Magalhães (Relator)

Dr.a Guilhermina Prata (declarou-se impedida

Dr. Simão de Sousa Victor­­­­­

Dr.a Maria da Imaculada L. C. Melo

Dr. Onofre Martins dos Santos

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo

Dr.a Teresinha Lopes