ACÓRDÃO N.º 453/2017
PROCESSO N.º 565-A/2017
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional tem competência para conhecer e julgar os recursos interpostos das sentenças que violem princípios, direitos fundamentais, garantias e liberdades dos cidadãos, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), com a alteração resultante da Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro, faculdade igualmente estabelecida na alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC, com a alteração que resulta da Lei n. º 24/10, de 3 de Dezembro. Tem, pois, competência para conhecer o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
Os Recorrentes têm legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, ao abrigo do qual “... podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional ... as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
IV. OBJECTO
Constitui objecto do presente recurso a apreciação da constitucionalidade do Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal Militar (VSTM), a 02 de Março de 2017, no processo n.º 02/PLEN.STM/2016, que negou provimento ao recurso dos Recorrentes sobre a fórmula de cálculo das penas aplicáveis em resultado da amnistia e do perdão concedidos através da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto.
V. APRECIANDO
Apesar de as alegações apresentadas pelos Recorrentes não obedecerem aos requisitos estabelecidos no artigo 690.º do Código de Processo Civil (CPC), por não apresentarem as conclusões que deveriam delimitar o objecto do recurso, entendeu este Tribunal que os Recorrentes pretendem que a aplicação da Lei da Amnistia seja feita da seguinte forma:
Essa interpetação é manifestamente indefensável, na medida em que não poderia aplicar-se o perdão a penas que já não existem, em virtude da Lei da Amnistia, sob pena de estar a violar o princípio da legalidade, porque não existe na lei normativo que permita essa interpretação.
No presente caso, o Venerando Supremo Tribunal Militar - após a publicação da Lei da Amnistia - designou a data para a reformulação do cúmulo jurídico anteriormente efectuado, na medida em que englobava penas aplicadas a crimes que haviam sido amnistiados e, mesmo os que subsistiram, passavam a beneficiar do perdão de um quarto das penas impostas, nos termos do número 1 do artigo 2.º e, assim, a pena única teria de ser alterada.
E assim o fez: (i) declarou amnistiados os crimes abrangidos por aquele diploma, (ii) aplicou o perdão a cada um dos crimes que subsistiu e (iii) reformulou o cúmulo jurídico, de acordo com as regras estabelecidas no artigo 102.º do Código Penal.
No nosso sistema, vigora o cúmulo jurídico e não o cúmulo material e esse cúmulo jurídico tem sempre como limite mínimo a pena parcelar mais elevada e máximo a soma material de todas as penas no quadro da dosimetria penal fixada. Dentro destes limites e ponderadas as circunstâncias atenuantes e agravantes, o julgador, com ponderação, determina a pena única a aplicar. Assim sendo, está determinação integra alguma dose de subjectivismo, embora balizada por critérios objectivos e de bom senso na ponderação de todas essas circunstâncias atenuantes e agravantes.
A única questão que poderia levantar-se seria a seguinte: o perdão deve ser aplicado primeiramente a cada pena parcelar, como fez, o Tribunal “a quo” e, posteriormente, operava-se o cúmulo ao remanescente das penas, ou pelo contrário, deve ser imposto sobre a pena única?
Em Portugal, referência que trazemos à colação apenas pela similitude de legislações, o perdão incide sobre a pena única e é essa a jurisprudência unânime naquele país. Aqui, o Tribunal recorrido aplicou o perdão, como se disse, sobre as penas parcelares e, posteriormente, fez o cúmulo.
Essa interpretação não colide com qualquer princípio constitucional e, de resto, parece ser mais simples, uma vez que obsta à realização de vários cúmulos, para além de, em termos de efeitos práticos, acabar por ter resultados muito similares.
Quanto à violação do princípio da lei mais favorável, o Recorrente não invoca qual é essa lei mais favorável que o Tribunal estaria obrigado a aplicar. Refere, sim, que, na reformulação do cúmulo jurídico, o Venerando Supremo Tribunal Militar deveria fazer uma "interpretação" mais favorável aos Recorrentes das normas que regulam o cúmulo jurídico, o que, manifestamente, não faz sentido, especialmente se se tiver em conta que propõem que se contabilizem duas vezes o perdão de um quarto das penas.
Assim, a resposta à questão de saber se o Acórdão recorrido viola normas e princípios constitucionais e legais, nomeadamente se houve violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da aplicação da lei mais favorável, por força do disposto nos artigos 6.º e 23.º, no n.º 1 do artigo 65.º e dos artigos 174.º e 175.º da (CRA), só pode ser negativa, na medida em que não se verificou qualquer violação desses princípios.
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho e 148.º do Código das Custas Judiciais).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 16 de Agosto de 2017.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Luzia Bebiana de Almeida Sebastião
Dra. Maria da Imaculada L. da C. Melo
Dr. Raúl Carlos Vasques Araújo
Dra. Teresinha Lopes (Relatora)