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ACÓRDÃO N.º 453/2017

 

PROCESSO N.º 565-A/2017

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

  1. Joaquim Vieira Ribeiro, António Paulo Lopes Rodrigues, João Lango Caricoco Adolfo Pedro, Domingos José Gaspar e José Agostinho Matias, devidamente identificados nos autos, vieram interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal Militar (STM), a 02 de Março de 2017, no Processo n.º 02/PLEN.STM/2016, que negou provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes do Acórdão do Plenário do Venerando Supremo Tribunal Militar, que reformulou o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos Recorrentes, na decorrência da aplicação da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto, Lei da Amnistia e manteve o Acórdão recorrido.
  1. No Acórdão recorrido, o Venerando Supremo Tribunal Militar entendeu que a aplicação da Lei da Amnistia deveria ser feita com base nas seguintes regras:
    1. Considerar amnistiados os crimes de abuso de confiança, falsificação de outros escritos e conduta indecorosa; e
    2. Aplicar o perdão de 1/4 da pena ("... por cada um dos crimes de violência de que vieram os réus condenados (...)";
    3. Reduzir, em consequência, as penas aplicadas aos réus e fazer o respectivo cúmulo jurídico.
  1. Os Recorrentes alegam, em síntese, o seguinte:
  1. A decisão que reformulou o cúmulo jurídico das penas inicialmente aplicadas é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da aplicação da lei mais favorável, por força do disposto nos artigos 6.º e 23.º, no n.º 1 do artigo 65.º e dos artigos 174.º e 175.º da Constituição da República de Angola (CRA), na medida em que os Recorrentes apenas beneficiaram do perdão de 1/4 da pena total e não da amnistia que deveria abranger os crimes que a ela tinham direito (abuso de confiança, falsificação de outros escritos e conduta indecorosa);
  2. "O único caminho para a harmonização dos benefícios da amnistia e do perdão (...) " deveria ser a "aplicação do perdão de 1/4 inicialmente à pena única (...), para garantir o benefício da amnistia dos crimes contemplados na lei e, consequentemente, das penas parcelares correspondentes aos mesmos (crimes) e, seguidamente, a aplicação pela segunda vez do perdão de 1/4 da pena única daí resultante, para o benefício do perdão pelos (...) restantes crimes";
  3. A pena a aplicar ao Recorrente Joaquim Vieira Ribeiro deveria ser de 16 anos e 8 meses de prisão maior - menos 1 mês do que a pena aplicada por aquele Acórdão;
  4. A pena a aplicar aos Recorrentes António Paulo Lopes Rodrigues e João Lango Caricoco Adolfo Pedro deveria ser de 10 anos e 6 meses de prisão maior (não são claras as alegações dos Recorrentes nestes casos) - e não de 15 anos, um mês e 15 dias, como resulta daquele Acórdão;
  5. A pena a aplicar aos Recorrentes Domingos José Gaspar e José Agostinho Matias deveria ser de 14 anos, 2 meses e 15 dias - menos 15 dias do que a pena aplicada por aquele Acórdão;
  6. A manterem-se as decisões recorridas violam flagrantemente os preceitos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 11/2016, de 12 de Agosto, bem como os princípios já referidos na alínea a) e outros, tratando os arguidos deste processo de forma diferente da que trata os demais cidadãos que beneficiaram da amnistia, não lhes garantindo os benefícios da amnistia e do perdão.
  1. Terminam pedindo que (i) sejam declaradas inconstitucionais as decisões objecto do presente recurso e, consequentemente, que (ii) se mande o Tribunal recorrido conformar as suas decisões à CRA, corrigindo as penas únicas aplicadas.

O processo foi à vista do Ministério Público.

 Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional tem competência para conhecer e julgar os recursos interpostos das sentenças que violem princípios, direitos fundamentais, garantias e liberdades dos cidadãos, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), com a alteração resultante da Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro, faculdade igualmente estabelecida na alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC, com a alteração que resulta da Lei n. º 24/10, de 3 de Dezembro. Tem, pois, competência para conhecer o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

Os Recorrentes têm legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, ao abrigo do qual ... podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional ... as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

IV. OBJECTO

Constitui objecto do presente recurso a apreciação da constitucionalidade do Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal Militar (VSTM), a 02 de Março de 2017, no processo n.º 02/PLEN.STM/2016, que negou provimento ao recurso dos Recorrentes sobre a fórmula de cálculo das penas aplicáveis em resultado da amnistia e do perdão concedidos através da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto.

V. APRECIANDO

Apesar de as alegações apresentadas pelos Recorrentes não obedecerem aos requisitos estabelecidos no artigo 690.º do Código de Processo Civil (CPC), por não apresentarem as conclusões que deveriam delimitar o objecto do recurso, entendeu este Tribunal que os Recorrentes pretendem que a aplicação da Lei da Amnistia seja feita da seguinte forma:

  1. Aplicação da redução de 1/4 das penas ao cúmulo jurídico feito inicialmente, isto é, incluindo também os crimes amnistiados;
  2. Anulação das penas aplicáveis aos crimes amnistiados (o que, na opinião dos Recorrentes, não aconteceu, o que os coloca numa situação mais gravosa do que a de outros cidadãos que cometeram os mesmos crimes); e
  3. Aplicação do desconto de 1/4 ao tempo restante da pena (cfr. fls. 627 dos autos).

Essa interpetação é manifestamente indefensável, na medida em que não poderia aplicar-se o perdão a penas que já não existem, em virtude da Lei da Amnistia, sob pena de estar a violar o princípio da legalidade, porque não existe na lei normativo que permita essa interpretação.

No presente caso, o Venerando Supremo Tribunal Militar - após a publicação da Lei da Amnistia - designou a data para a reformulação do cúmulo jurídico anteriormente efectuado, na medida em que englobava penas aplicadas a crimes que haviam sido amnistiados e, mesmo os que subsistiram, passavam a beneficiar do perdão de um quarto das penas impostas, nos termos do número 1 do artigo 2.º e, assim, a pena única teria de ser alterada.

E assim o fez: (i) declarou amnistiados os crimes abrangidos por aquele diploma, (ii) aplicou o perdão a cada um dos crimes que subsistiu e (iii) reformulou o cúmulo jurídico, de acordo com as regras estabelecidas no artigo 102.º do Código Penal.

No nosso sistema, vigora o cúmulo jurídico e não o cúmulo material e esse cúmulo jurídico tem sempre como limite mínimo a pena parcelar mais elevada e máximo a soma material de todas as penas no quadro da dosimetria penal fixada. Dentro destes limites e ponderadas as circunstâncias atenuantes e agravantes, o julgador, com ponderação, determina a pena única a aplicar. Assim sendo, está determinação integra alguma dose de subjectivismo, embora balizada por critérios objectivos e de bom senso na ponderação de todas essas circunstâncias atenuantes e agravantes.

A única questão que poderia levantar-se seria a seguinte: o perdão deve ser aplicado primeiramente a cada pena parcelar, como fez, o Tribunal “a quo” e, posteriormente, operava-se o cúmulo ao remanescente das penas, ou pelo contrário, deve ser imposto sobre a pena única?

Em Portugal, referência que trazemos à colação apenas pela similitude de legislações, o perdão incide sobre a pena única e é essa a jurisprudência unânime naquele país. Aqui, o Tribunal recorrido aplicou o perdão, como se disse, sobre as penas parcelares e, posteriormente, fez o cúmulo.

Essa interpretação não colide com qualquer princípio constitucional e, de resto, parece ser mais simples, uma vez que obsta à realização de vários cúmulos, para além de, em termos de efeitos práticos, acabar por ter resultados muito similares.

Quanto à violação do princípio da lei mais favorável, o Recorrente não invoca qual é essa lei mais favorável que o Tribunal estaria obrigado a aplicar. Refere, sim, que, na reformulação do cúmulo jurídico, o Venerando Supremo Tribunal Militar deveria fazer uma "interpretação" mais favorável aos Recorrentes das normas que regulam o cúmulo jurídico, o que, manifestamente, não faz sentido, especialmente se se tiver em conta que propõem que se contabilizem duas vezes o perdão de um quarto das penas.

Assim, a resposta à questão de saber se o Acórdão recorrido viola normas e princípios constitucionais e legais, nomeadamente se houve violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da aplicação da lei mais favorável, por força do disposto nos artigos 6.º e 23.º, no n.º 1 do artigo 65.º e dos artigos 174.º e 175.º da (CRA), só pode ser negativa, na medida em que não se verificou qualquer violação desses princípios.

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:  

Sem custas (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho e 148.º do Código das Custas Judiciais).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 16 de Agosto de 2017.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães 

Dra. Luzia Bebiana de Almeida Sebastião 

Dra. Maria da Imaculada L. da C. Melo

Dr. Raúl Carlos Vasques Araújo

Dra. Teresinha Lopes (Relatora)