ACÓRDÃO N.º454/2017
PROCESSO N.º 497-B/2016
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I.RELATÓRIO
NOVA CIMANGOLA, S.A, com sede em Luanda, na Avenida 4 de Fevereiro, n.º 42, veio interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos das alíneas d) e m) do artigo 16.º e dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 21.º, da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), e da alínea a) do artigo 49.º e alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, (LPC), da decisão da Câmara de Trabalho do Tribunal Supremo, que negou provimento ao recurso por si interposto e confirmou a decisão proferida pela Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, que julgou improcedente a medida disciplinar de despedimento imediato à trabalhadora Cristina da Conceição Cardoso.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, no seu requerimento de interposição do recurso, que o Saneador Sentença violou o n.º 4 do artigo 76.º da Constituição da República de Angola (CRA) e o Acórdão da Câmara do Tribunal Supremo violou o princípio da legalidade consagrado no n.ºs 2 e 3 do artigo 6.º, no n.º 2 do artigo 174.º, no n.º 1 do artigo 177.º e no n.º 1 do artigo 179.º todos da CRA (fls. 171).
Notificada para alegar, veio a Recorrente fundamentar a sua pretensão dizendo, por excepção, que:
E, por impugnação, defendeu-se dizendo, em resumo, que:
À altura dos factos, a Recorrida desempenhava as funções de Chefe de Secção, mas ainda assim, cometeu várias infracções disciplinares, consubstanciadas na picagem irregular do seu cartão de ponto electrónico (fls. 198).
Foi sobre estas premissas que a Recorrente baseou os termos e fundamentos do recurso de Apelação. Pelo que, abstendo-se de as apreciar, entende a Recorrida que o Tribunal Supremo perdeu a oportunidade de apreciar factos relevantes que poderiam ter contribuído para a prolação de uma decisão materialmente legal e justa (fls. 198). A Recorrente alegou ainda que, ao não se ter pronunciado sobre esses vários factos suscitados, isto prova que o Tribunal Supremo sobrevalorizou alguns aspectos formais e processuais (os que beneficiavam a trabalhadora) e menosprezou todos os outros aspectos processuais e formais suscitados pela recorrente (fls. 197 e 198).
Portanto, ao ter ignorado as questões controvertidas suscitadas nos articulados, no âmbito da defesa por excepção, com esta atitude, o Tribunal Supremo violou as normas constantes nos n.ºs 3 do artigo 6.º, n.º 1 do artigo 177.º e n.º 1 do artigo 179.º, todos da CRA (fls. 199). Relativamente à excepção, por inexistência de um processo denominado acção de impugnação de despedimento por nulidade do processo disciplinar adiantou que a lei processual consagra o princípio da tipicidade das formas processuais, como se pode confirmar da leitura e interpretação do artigo 4.º da Lei n.º 22-B/92, de 9 de Dezembro (fls. 200).
Nestes termos, quer o Saneador Sentença, quer o Acórdão do Tribunal Supremo ao não se terem pronunciado sobre a referida excepção, violam a norma prevista no n.º 1 do artigo 660.º do CPC, que determina que a sentença deve conhecer em primeiro lugar e pela ordem estabelecida no artigo 288.º do Código de Processo Civil (CPC), das questões que possam conduzir à absolvição da instância.
Não tendo o julgador procedido de acordo com esta norma, comprometeu a legalidade dos seus actos, porquanto contraria as normas dos artigos 6.º, 177.º e 179.º da lei fundamental (fls. 201).
Quanto à excepção relativa à violação pela trabalhadora Cristina Conceição Cardoso da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 316.º da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro, o Tribunal Supremo também se remeteu ao silêncio.
Não obstante a proibição constante nessa norma, a trabalhadora Cristina Cardoso (no articulado adicional de aperfeiçoamento do pedido) criou novas situações relativamente às reclamações e aos valores sobre que incidiu a diligência conciliatória (fls. 202). Essa omissão viola a lei e a Constituição angolana, por esta razão se requer a declaração de inconstitucionalidade do Acórdão do Venerando Tribunal Supremo (fls. 203).
Segundo a Recorrente, houve ainda omissão por parte do Tribunal Supremo, quanto à excepção do valor excessivo da acção, arbitrária e aleatoriamente fixado pela Recorrida, Cristina Cardoso. Entendem os Tribunais, Provincial e Supremo, que o processo disciplinar aplicado à recorrida deve ser anulado por violação do n.º 1 do artigo 52.º da LGT, n.º 2/00, lei aplicável à altura dos factos, uma vez que a entrevista foi realizada no dia 14 de Abril de 2011 e apenas no dia 18 de Maio do mesmo ano foi aplicada a medida disciplinar de despedimento.
Sucede porém, (continua a Recorrente Nova Cimangola) que essa perspectiva assumida pelo Tribunal Provincial e confirmada pelo Venerando Tribunal Supremo não procede e, por isso é inconstitucional (fls. 204). Porque num processo disciplinar os actos mais importantes são a convocatória e a entrevista. E só a falta, a deficiência ou a inexistência dessas diligências podem inquinar ou macular o processo disciplinar e, em consequência, anulá-lo (fls. 205).
Outrossim, por não ter tomado e não se ter pronunciado sobre os direitos e interesses legais da Recorrente consubstanciada nas questões suscitadas, essa actuação do Tribunal Supremo consubstancia uma violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, conforme a previsão do n.ºs 4 e 5 do artigo 29.º da CRA (fls. 211).
Nas suas conclusões, a Recorrente requer que o Tribunal Constitucional revogue o Acórdão recorrido por:
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
Nos termos das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, LOTC, do artigo 53.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho LPC, e da alínea b) do artigo 23.º do Regulamento Geral do Tribunal Constitucional, o Plenário do Tribunal Constitucional é competente para apreciar e decidir o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
Regra geral, a legitimidade processual é aferida por uma relação da parte com o objecto da acção. Essa relação é estabelecida pelo interesse da parte em demandar ou em contradizer, conforme o n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil. Ainda nos termos do referido código, os recursos só podem ser interpostos, por quem é parte principal na causa e que tenha ficado vencido (cfr. o n.º 1 do artigo 680.º do CPC). Ora, a Recorrente foi autora no processo em que se proferiu a decisão recorrida, que correu trâmites na Câmara do Trabalho do Venerando Tribunal Supremo. Tem, por isso, interesse directo em demandar e, como tal, legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
IV. OBJECTO DO RECURSO
O objecto do presente recurso é a decisão vertida no Acórdão da Câmara de Trabalho do Tribunal Supremo, que negou provimento ao recurso interposto pela Recorrente, da decisão da Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda.
V. APRECIANDO
Das conclusões formuladas pela Recorrente, resultam como questões a apreciar e decidir pelo Plenário do Tribunal Constitucional, as seguintes:
Primeira, saber se a decisão proferida pela Câmara do Trabalho do Venerando Tribunal Supremo, que negou provimento ao recurso, confirmando a decisão do tribunal a quo, violou ou não os artigos 660.º n.º 2 do CPC, 4.º da Lei n.º 22-B/92, a alínea b) do n.º1 do artigo 316.º, n.º 1 do artigo 307.º, 52.º e seguintes, conjugados com o artigo 226.º, todos da Lei Geral do Trabalho.
Segunda, saber se a decisão do referido órgão violou ou não os princípios da legalidade e o da imparcialidade processual, por referência ao n.º 3 do artigo 6.º; do n.º 1 do artigo 174.º, n.º 1 do 179.º e 29.º todos da CRA, e ainda o n.º 1 do artigo 158.º do Código do Processo Civil.
Terceira, saber se, como alega a Recorrente nos articulados 31 a 48 (pp. 204 a 207 dos autos), a norma da alínea b) do artigo 226.º da Lei n.º 2/00, Lei Geral do Trabalho, configura uma extensão do prazo para aplicação e comunicação da medida disciplinar de despedimento, estabelecido no n.º1 do artigo 52.º da referida Lei n.º 2/00 e, ainda, se essa norma ao fazer depender a contagem do prazo para aplicação da medida disciplinar ao trabalhador, apenas da data de audição da última testemunha por si apresentada, e não de testemunha apresentada também pela entidade empregadora, configurará uma desigualdade de armas entre entidade empregadora e trabalhador, que redunda numa desigualdade violadora do princípio da igualdade consagrado na CRA, sendo por conseguinte, inconstitucional.
Quanto à primeira questão, sobre a alegada violação do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, artigos 4.º da Lei n.º 22-B/92, a alínea b) do n.º1 do artigo 316.º, n.º 1 do artigo 307.º e artigos 52.º e seguintes, conjugados com o artigo 226.º da LGT
Em termos gerais, relativamente à norma do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, o Venerando Tribunal Supremo, em resumo, considerou que se está perante um processo de recurso em matéria disciplinar, pelo que, em concreto, se deve analisar com rigor o processo disciplinar apenso aos autos. Assim sendo a sua reapreciação deve passar necessariamente pela análise dos motivos da medida disciplinar aplicada pelo empregador, o procedimento, bem como a sua conformidade com a lei.
Tratando-se, no presente caso, de impugnação da medida disciplinar de despedimento, o que se deve resolver é a regularidade ou não do despedimento da trabalhadora. Com isto, além do que as partes alegaram nos articulados, o Venerando Tribunal Supremo “tinha que analisar o processo disciplinar apenso aos autos e daí julgar de facto sobre a matéria que devesse decidir” (fls. 164).
O Tribunal Constitucional constata que, efectivamente, foi instaurada uma acção disciplinar sobre a conduta da trabalhadora Cristina da Conceição Cardoso, resultante da alegada falta de pontualidade. Isto indicia cumprimento do procedimento disciplinar, por parte da entidade empregadora, Nova Cimangola. Todavia, para que o processo disciplinar seja conclusivo é necessário que siga a tramitação legalmente exigida, que se cumpram as fases e os prazos processuais estabelecidos para a aplicação da medida disciplinar. No que os autos dão a conhecer, constata-se que, tanto a tramitação como as fases do processo foram observadas. O pressuposto legal que a entidade empregadora efectivamente não cumpriu foi a observância do prazo estabelecido na Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro, para a tomada de decisão de despedimento imediato e respectiva comunicação à trabalhadora.
Se não vejamos:
A entrevista ocorreu no dia 14 de Abril de 2011, pelas 09 horas (fls. 6 autos do Processo Disciplinar, proc. n.º 2115/11). A trabalhadora foi ouvida [e, porque a entidade empregadora concluiu serem verdadeiras as fundamentações de facto e de direito apresentadas no relatório final, considerou, que a trabalhadora, com a conduta descrita, cometeu a infracção prevista nas alíneas m) do artigo 6.º do Regulamento Interno da empresa, alínea c) do artigo 46.º e alíneas b) e c) do artigo 225.º todos da Lei n.º 2/00], apenas decidiu pela aplicação da medida disciplinar de despedimento no dia 18 de Maio de 2011 (fls. 14 do referido processo disciplinar) e só comunicou essa decisão à trabalhadora no dia 20 de Maio de 2011 (fls. 15 do mesmo processo disciplinar). Ora,
O espaço de tempo que vai do dia 14 de Abril (data da entrevista) até ao dia 20 de Maio (data da comunicação da decisão de despedimento), não se ajusta à previsão normativa relativa ao procedimento disciplinar para efeitos de despedimento. Porque nos termos do n.º1 do artigo 52.º da referida Lei n.º 2/00, “a medida disciplinar não pode ser validamente decidida antes de decorridos três dias úteis ou depois de decorridos trinta dias sobre a data em que a entrevista se realize” (com semelhante redacção, o n.º 1 do artigo 50.º da actual LGT, Lei n.º 7/15, de 15 de Junho). Por interpretação gramatical dessa norma, significa que a Nova Cimangola tinha até 14 de Maio para decidir pelo despedimento e comunicá-lo a Cristina Cardoso.
Com efeito, de 14 de Abril a 18 de Maio, decorrem 34 dias sobre a data em que a entidade empregadora realizou a entrevista. E de 14 de Abril a 20 de Maio, data em é feita a comunicação da medida de despedimento, decorreram 36 dias, sobre a data em que se realizou a entrevista. O não cumprimento do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 52.º da Lei n.º 2/00, tem como efeito a invalidade da medida aplicada.
Portanto, foi motivada por essa invalidade da medida disciplinar, que os tribunais comuns (a Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda e a Câmara de Trabalho do Venerando Tribunal Supremo) decidiram e bem, pela nulidade do despedimento, socorrendo-se da norma prevista no n.º 1 do artigo 228.º da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro. A referida norma, em matéria de nulidade do despedimento, remete para a norma prevista no n.º 3 do artigo 49.º (o que constitui um lapso de impressão gráfica, pois a remissão deve ser feita para o n.º 2 do artigo 52.º).
Resta agora saber, se essa decisão, tal como confirmada pela Câmara de Trabalho do Venerando Tribunal Supremo, contraria ou não o princípio da tutela jurisdicional efectiva (previsto no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição) tal como invocada pela Recorrente Nova Cimangola.
Nas conclusões das alegações apresentadas ao Tribunal Constitucional, a Recorrente requer que o Acórdão recorrido seja revogado por ser inconstitucional e ilegal, por violação dos artigos 660.º do CPC, o 4.º da Lei n.º 22/B, de 9 de Dezembro, a alínea b) do n.º do artigo 316.º, n.º 1 do 307 e 50.º e 226.º da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro. E, porque o TS não apreciou e nem reconheceu as excepções suscitadas na contestação, conforme exige o n.º 2 do artigo 660.º do CPC, este Tribunal incorreu numa omissão de pronúncia, e violou o direito da Recorrente à tutela jurisdicional efectiva.
O direito à tutela jurisdicional efectiva, previsto na CRA é, simultaneamente, um direito fundamental e uma garantia da protecção de direitos fundamentais (Prof. GOMES CANOTILHO, Constituição, Vol. I, p. 408) e, como tal, o direito à tutela jurisdicional efectiva constitui uma “norma princípio” estruturante do Estado de Direito democrático. Por assim ser, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva é uma consequência natural do princípio do monopólio da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, da proibição da autodefesa das exigências de paz e segurança jurídicas (prof. GOMES CANOTIHO, p. 409). A par do direito de recurso, constitucionalmente reconhecido a qualquer cidadão, o direito à protecção judicial efectiva, no ordenamento jurídico angolano também funciona perante as decisões judiciais que sejam eventualmente lesivas de direitos fundamentais ou princípios legalmente protegidos, uma vez que o recurso extraordinário de inconstitucionalidade é o mecanismo processual próprio que permite ao cidadão lesado apresentar “queixa” contra actos jurisdicionais ou da Administração Pública as decisões judiciais ou actos administrativos perante o Tribunal Constitucional.
Assim, a Câmara de Trabalho do Venerando Tribunal Supremo, ao ter confirmado a decisão que julgou improcedente o despedimento ilegal da trabalhadora, por incumprimento da norma estabelecida no n.º 1 do artigo 52.º da Lei n.º2/00, nada mais fez do que repor a justiça.
Outrossim, se o processo disciplinar foi reapreciado no Tribunal “Ad quem”, já na instância de recurso, então é porque a questão foi antes objecto de tratamento no tribunal “a quo” (Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda). Isto serve para dizer que nessa instância, uma das formas de tramitação dos processos cíveis e/ou de conflito laboral é pela via de questionários, (como peça separada, caso a questão chegue a julgamento ou no Saneador Sentença, nos casos em que a questão não chegue a julgamento, como é o caso sub-judice).
Pelo valor que tem, isto significa que é nesse questionário onde o juiz da causa arrola as questões a decidir e aí mesmo profere a sua decisão. O juiz, formou a sua convicção com base nos factos admitidos por acordo, nos documentos que as partes juntaram e nos autos e declarações do processo disciplinar, (isto afirmado pelo juiz da causa em primeira instância, como se pode ler de fls. 95 dos autos).Acresce que, o questionário é sempre levado à reclamação das partes. Assim, tendo-se a recorrente, apercebido que determinadas questões por si suscitadas não foram resolvidas pelo juiz da causa, teria toda a legitimidade para reclamar contra a eventual falta, insuficiência ou omissão desse juiz.
Por outro lado, da leitura do Saneador Sentença, constata-se que as questões reclamadas pela Recorrente do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, algumas delas já estão subjacentes no questionário elaborado e devidamente respondido pelo juiz da primeira instância (como é o caso por exemplo, da questão sobre a natureza do processo). Nestes termos, entende o Tribunal Constitucional que a decisão da Câmara do Trabalho do Venerando Tribunal Supremo em nada violou a norma do n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil. Pois este órgão, ao reapreciar a decisão da primeira instância, sem descurar de outras, centrou a sua análise nas questões relevantes para a causa que lhe foi submetida a apreciação, que foi aferir da legalidade do despedimento imediato.
Quanto à segunda questão, sobre a alegada violação dos princípios da legalidade e o da imparcialidade processual, à luz n.º 3 do artigo 6.º; do n.º 1 do artigo 174.º e n.º 1 do 179.º todos da CRA, assim como o n.º 1 do artigo 158.º do CPC.
Sobre esta questão, o Venerando Tribunal Supremo considerou, no essencial que, tanto à luz das normas constitucionais invocadas pela Recorrente, como das normas constantes do CPC, a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância é legal e em nada contraria a Constituição, pois não basta cumprir o procedimento disciplinar. É, ainda imperioso que o “processo disciplinar siga a tramitação legalmente exigível, ou seja, que se cumpram as fases e os prazos processuais” (fls. 163). E como o juiz da causa julgou pela improcedência do despedimento ilegal por incumprimento da norma estabelecida no n.º 1 do artigo 52.º da Lei n.º 2/00, não conferiu razão à reclamação da Recorrente e, em consequência, confirmou a decisão da Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda.
No n.º 3 do artigo 6.º, conjugado com o n.º 1 do 226.º da Constituição, está subjacente o princípio da constitucionalidade. Por força do que ali se prescreve, os actos do Estado e dos entes públicos em geral só serão válidos se forem praticados em conformidade com a Constituição. Ora, se a Constituição assim o impõe, então a decisão proferida pela Câmara do Venerando Tribunal Supremo, confirmando a decisão da primeira instância, em nada contraria a lei fundamental.
O Venerando Tribunal Supremo actuou em cumprimento da norma prescrita no n.º 1 do artigo 52.º da Lei n.º 2/00, aplicável a altura dos factos, norma de idêntico teor à do n.º 1 do artigo 50.º da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho - Lei Geral do Trabalho. Nos termos dessa norma, uma medida disciplinar não pode ser validamente aplicada (...) depois de decorridos trinta dias sobre a data em que a entrevista se realize.
A norma prevista no n.º 1 do artigo 174.º da CRA, invocada pela Recorrente, determina que aos tribunais, no exercício da sua função jurisdicional, compete dirimir conflitos de interesses (seja público ou privado), têm o dever de reprimir as violações à lei, assegurar e garantir o cumprimento da Constituição (n.º 2 do artigo 174.º). Porque é este dever que lhe é imposto pela lei suprema, ao prescrever no n.º 1 do artigo 175.º que, no exercício das suas funções, estes devem obediência (além da sua consciência) à Constituição e á lei.
Por tudo o exposto, não assiste razão à Recorrente. Pois, apesar de alegadamente ter havido justa causa e ter cumprido o procedimento disciplinar, faltou-lhe cumprir o prescrito na norma do n.º 1 do artigo 52.º da Lei n.º 2/00, sobre a aplicação da medida disciplinar de despedimento. Desta feita, entende o Tribunal Constitucional que o Venerando Tribunal Supremo mais não fez, se não observar a lei, como aliás lhe impõe o n.º 1 do artigo 177.º do texto constitucional.
Sobre a terceira questão referente à alegada desigualdade de armas
Para justificar (fls. 204 a 206 dos autos) que a medida disciplinar que aplicou, foi tomada e comunicada à trabalhadora, dentro do prazo legal, alegou a Recorrente que, a norma da artigo 52º que estabelece o prazo dentro qual o processo disciplinar para despedimento deve decorrer, não ser peremptória, já que admite uma excepção, nos termos da alínea b) do artigo 226.º da Lei n.º 2/00, uma vez que prorroga aquele prazo para a data da audição da última testemunha que seja indicada pelo trabalhador e argumenta nos articulados 42.º e 43.º das suas alegações que: “ A subordinação da extensão ou não do prazo de 30 (trinta) dias para a prolação da decisão em processo disciplinar à circunstância de uma determinada testemunha ter sido arrolada pelo trabalhador ou pela entidade empregadora, viola, abertamente, o princípio da igualdade de armas...”
Em seu entender, “ a protecção do trabalhador não pode, em bom rigor, ser levada a um tal extremo que desvirtue as regras processuais, aplicando-se prazos distintos em situações tipicamente idênticas”. Ora,
É verdade que, como refere a Recorrente no articulado 48.º das suas alegações, a Lei n. º 7/15, de 15 de Junho, já não contém, uma disposição do género, ou idêntica a da alínea b) do artigo 226.º da Lei n.º 2/00. O Tribunal Constitucional não corrobora a tese da inconstitucionalidade da norma do artigo 226.º daquela Lei Geral do Trabalho, aplicada pelo juiz da causa, para justificar a falta de cumprimento da norma do artigo 52.º da referida Lei.
Todavia, ainda que assim o entendesse, A arguição da inconstitucionalidade do artigo 226.º, levantada pela Recorrente, deveria ter sido feita em recurso ordinário de inconstitucionalidade, após decisão prolatada na primeira instância, nos termos do artigo 36.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional.
O recurso extraordinário de inconstitucionalidade de que a Recorrente fez uso, não é o processo próprio para impugnar a constitucionalidade de uma norma legal aplicada ao processo. No âmbito das suas alegações a Recorrente está a arguir a inconstitucionalidade de uma norma com fundamento em violação do princípio da igualdade que é um princípio constitucional. Ora, o meio para atacar a inconstitucionalidade de normas, em si, é o recurso ordinário de inconstitucionalidade.
DECIDINDO
Nestes termos
Tudo visto e ponderado, acordam os Juízes do Tribunal Constitucional, em:
Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de, 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 21 de Agosto de 2017.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente – declarou-se impedido)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dr.ª Guilhermina Prata (declarou-se impedida)
Dr.ª Luzia Bebiana de A. Sebastião (Relatora)
Dr.ª Maria da Imaculada L. da C. Melo
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr.ª Teresinha Lopes