ACÓRDÃO N.º 457/2017
PROCESSO Nº 570-B/2017
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Luís Fernandes do Nascimento, David Mendes e outros vieram intentar um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 49.º da Lei nº 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional - LPC relativamente ao Acórdão proferido nos autos do Processo n.º 164/2016 pelo Plenário do Tribunal Supremo, datado de 22 de Dezembro de 2016, que negou provimento à providência cautelar não especificada (para suspensão do acto administrativo do Titular do Poder Executivo), de nomeação de Isabel dos Santos, sua filha, para Presidente do Conselho de Administração da SONANGOL-EP, alegando para tal o seguinte:
Os Recorrentes concluem, entre outros, que com esta providência se pretendeu acautelar um direito ou impedir um dano que poderia vir a ocorrer se não fossem tomadas medidas preventivas. Ao indeferir a providência requerida pelos Recorrentes, com os fundamentos como se apresentam no douto Acórdão recorrido, andou mal a Suprema Corte.
Termos em que requerem a reapreciação da fundamentação do pedido formulado e da decisão vertida no acórdão recorrido, e que outra decisão seja proferida onde se reconheça a improbidade pública e a violação do princípio da igualdade constitucional no acto de nomeação de Isabel dos Santos praticado pelo Titular do Poder Executivo.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a), do artigo 49.º da LPC, norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional, de “Sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.
Ademais, foi observado o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, uma vez que o acórdão objecto do presente recurso foi proferido pelo Plenário do Venerando Tribunal Supremo, na qualidade de última instância de recurso da jurisdição comum, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o recurso em questão.
III. LEGITIMIDADE
A legitimidade para o recurso extraordinário de inconstitucionalidade cabe, no caso de sentença, à pessoa que, de harmonia com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, possa dela interpor recurso, nos termos da alínea a), do artigo 50.º da LPC.
Igualmente tem legitimidade para recorrer, aquele que, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, nos termos do n.º 1, do artigo 680.º do Código de Processo Civil, (CPC), aqui aplicado ex vi do parágrafo único do artigo 2.º da LPC que estabelece a aplicação subsidiária das normas do CPC aos processos de natureza jurídico-constitucionais.
No caso concreto, os aqui Recorrentes enquanto Requerentes no Processo n.º 164/2016, que correu termos no Plenário do Venerando Tribunal Supremo, têm certamente legitimidade para recorrer.
IV. OBJECTO
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade incide sobre o acórdão do Plenário do Venerando Tribunal Supremo, proferido aos 22 de Dezembro de 2016, referente ao Processo n.º 164/2016, providência cautelar para suspensão da eficácia do acto administrativo do Titular do Poder Executivo.
No processo acima referido, os ora Recorrentes requereram o provimento da providência cautelar e o decretamento da suspensão da eficácia do acto administrativo praticado pelo Titular do Poder Executivo, até decisão definitiva do processo principal.
Contudo, o Venerando Tribunal Supremo ao apreciar a referida providência cautelar não se limitou à verificação dos requisitos necessários ao seu decretamento tendo, além disso, se pronunciado sobre questões de fundo que ultrapassam o âmbito da requerida providência cautelar e que devem ser conhecidas na competente acção principal, a saber, o recurso contencioso de impugnação de acto administrativo previsto e regulado pela Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro – Lei da impugnação dos actos administrativos.
Face a isso, o objecto do presente recurso está circunscrito à verificação da constitucionalidade do acórdão recorrido no julgamento que faz sobre a existência dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 8/96, de 19 de Abril, Lei sobre a suspensão da eficácia do acto administrativo.
V. APRECIANDO
No acórdão recorrido (fls. 71), o Plenário do Venerando Tribunal Supremo, ao apreciar a providência cautelar não especificada, suscitou a questão da legitimidade dos demandantes, ora Recorrentes, por terem fundamentado o seu pedido nos termos do disposto no artigo 73.º da Constituição da República de Angola (CRA), conjugado com os artigos 399.º do CPC e no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/96, de 19 de Abril.
Com efeito, aquela instância judicial considerou ter sido feita uma errada qualificação jurídica da norma constitucional aplicável ao seu pedido (artigo 73.º da CRA), pelo que procedeu à alteração da qualificação jurídica para o artigo 74.º da CRA (Direito de acção popular), entendendo ficar assim assegurada a legitimidade dos ora Recorrentes.
Por outro lado, entendeu ainda o Plenário do Venerando Tribunal Supremo já não ser possível obter o efeito útil da suspensão da eficácia do acto administrativo requerido pelos ora Recorrentes, pois a nomeação já tinha sido consumada, sendo que a consequência necessária não poderia ser outra senão a do indeferimento liminar do pedido.
No entanto, recorreu ao expediente de utilização máxima das alegações apresentadas de forma a puder apreciar as questões de fundo colocadas pelos Recorrentes e procedeu à “convolação” da providência cautelar não especificada numa acção popular desprovida do seu carácter preliminar e tramitada como uma acção principal, entendendo estar assim a concretizar-se o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 29.º n.º 4 da CRA.
É entendimento do Tribunal Constitucional que o recurso pelo Venerando Tribunal Supremo à aplicação directa da Constituição (artigo 74.º) para fundamentar a legitimidade processual dos Recorrentes é um exercício louvável e adequado à máxima efectividade da Constituição e à tutela dos direitos de titularidade difusa, que se concretiza, no caso, com o reconhecimento do direito à acção popular.
Porém, o acórdão recorrido fez mais do que isso, estendendo esse exercício à “convolação” do processo cautelar (de suspensão da eficácia do acto administrativo) numa acção principal que é uma acção de tipo diferente e contrária à acção principal (recurso contencioso de impugnação) prevista na legislação reguladora do contencioso administrativo (Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro e Decreto-lei n.º 4-A/96 de 5 de Abril).
Embora se perceba a motivação do decidido (aproveitamento útil do processo para, com celeridade, conhecer o mérito das questões de fundo colocadas pelos Recorrentes), o entendimento do Tribunal Constitucional é o de que a “convolação” feita contraria o previsto na lei e, assim, o princípio constitucional da legalidade que informa a actuação de todos os órgãos do poder estadual, incluindo os Tribunais.
A tramitação dos processos cuja legitimidade processual activa se fundamenta no direito à acção popular segue, necessariamente, a forma de processo prevista na legislação processual (civil ou administrativa) para o tipo específico de acção e de pedido apresentado, isto é, no caso concreto, deveria ter seguido o processo de suspensão da eficácia do acto administrativo (artigo 1.º da Lei n.º 8/96, de 19 de Abril).
O exercício do direito à acção popular deve respeitar sempre as formas processuais tipificadas, o que, como dito não foi observado no caso em apreciação, com óbvio sacrifício do mencionado princípio da legalidade, do princípio da segurança jurídica e das garantias de defesa.
Clarificada que está a questão supra, cabe agora ao Tribunal Constitucional apreciar se assiste razão aos Recorrentes ao alegarem que estavam reunidos os requisitos para o deferimento da providência cautelar e para que fosse decretada a suspensão da eficácia do acto administrativo do Titular do Poder Executivo.
Assim, importa a este Tribunal aferir, se o pedido de suspensão da eficácia do acto administrativo praticado pelo Titular do Poder Executivo preenche os dois requisitos cumulativos previstos no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 8/96, de 19 de Abril - Lei sobre a suspensão da eficácia do acto administrativo, nomeadamente:
De facto, os Recorrentes intentaram uma providência cautelar não especificada nos termos do artigo 399.º e seguintes do CPC, sendo que a utilização de uma providência cautelar não especificada só é permitida quando não exista nenhuma outra providência cautelar, que se coadune com as tipificadas na lei.
No caso sub judice, verifica-se que existe um diploma legal que regula o regime de suspensão da eficácia do acto administrativo, nomeadamente, a Lei n.º 8/96, de 19 de Abril - Lei sobre a suspensão da eficácia do acto administrativo.
De acordo com o que defende Cremildo Paca (in Direito do Contencioso Administrativo Angolano, Almedina pág. 121), “Com o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo pretende-se que a administração pública não o execute enquanto não for definitivamente julgado o respectivo recurso contencioso de impugnação interposto ou a interpor pelo peticionário...”.
Assim, para que ocorra a suspensão do acto administrativo, é curial que se verifiquem os pressupostos legais para que se proceda à referida suspensão, nomeadamente, os requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 8/96, conforme supra referido.
Relativamente à alínea a), não podemos afirmar, em concreto, que a execução do acto administrativo em causa revele uma séria probabilidade de causar um prejuízo irreparável ou dificilmente reparável, na medida em que os Recorrentes não conseguiram fazer prova do alegado prejuízo que se pretenderia evitar com a suspensão do acto.
Logo, entende este Tribunal não estar preenchido o fundamento positivo do pedido. De facto, o que os Recorrentes vêm alegar para sustentar essa séria probabilidade, é apenas a violação de normas constitucionais e da própria lei, não tentando sequer fazer prova da séria probabilidade de o acto administrativo causar o prejuízo irreparável.
De facto, como se sabe nos termos gerais do direito, quem invoca o direito deve fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, não cabendo a este Tribunal fazer um juízo abstracto de um alegado prejuízo, que não é sustentado nem comprovado nos autos.
Foi este igualmente o entendimento do Venerando Tribunal Supremo que a páginas 26 do acórdão recorrido (fls. 93 dos autos), diz o seguinte: “Todavia, a existência e/ou a produção de prejuízo de difícil reparação carece de prova, e, de acordo com a regra geral do ónus da prova, àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do mesmo (art.º 324.º do C.C. aplicável ao Direito Administrativo), o que equivale dizer que tal prova recai aqui sobre os Recorrentes.
No caso em apreço, os Recorrentes não alegam nenhum prejuízo a seu favor ou para os interesses colectivos que estes defendam ou venham a defender no recurso, pelo que não poderá proceder a sua pretensão.
Em face de tal elemento, afirmamos que não se encontra, in concreto, preenchido tal requisito”.
Outrossim, sendo cumulativos os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 8/96, uma vez que não se encontra preenchido o primeiro dos requisitos supramencionados, torna-se desnecessário o pronunciamento deste Tribunal em relação ao segundo requisito.
Pelo que, face ao acima aduzido, não constatou o Tribunal Constitucional que o Venerando Tribunal Supremo tenha incorrido em alguma inconstitucionalidade no julgamento que fez sobre a inexistência dos requisitos necessários ao decretamento da providência requerida, nem na decisão a respeito tomada.
Em relação a tudo o resto que consta do acórdão recorrido, a sede própria não é no presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, pelo que, este Tribunal abstém-se de se pronunciar.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:
Custas pelos Recorrentes (nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 24 de Agosto de 2017.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Rui Constantino da Cruz Ferreira (Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Guilhermina Prata (Relatora)
Dra. Luzia Bebiana de Almeida Sebastião
Dra. Maria da Imaculada L. da C. Melo
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes