ACÓRDÃO N.º471/2017
PROCESSO N.º 499-D/2016
(Processo relativo a Partidos Políticos e Coligações)
Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
O Partido Político FNLA, representado pelo seu Presidente, Lucas Beghim Gonda, veio intentar acção contra Ngola Kabangu, José Maria Junqueira, Domingos Faztudo, Simão Bemba, Jaime Candala e Pinto Luvambo, militantes da FNLA, tendo alegado essencialmente o seguinte:
Termina pedindo:
Notificados os Requeridos mediante cartas precatórias, apenas o Requerido Ngola Kabango se pronunciou, fazendo uma incursão histórica sobre os meandros dos conflitos dentro da FNLA, e termina sugerindo que nesta instância soberana (referindo-se ao Tribunal Constitucional), “o Requerente cesse toda a sua conjura ou ignomínia, reconsiderando todas as suas incoerências e integre o partido, com base num diálogo e que o poder seja conferido pela escolha democrática e legítima, com base num plebiscito”.
Importa ainda referir que o Requerido Ngola Kabangu assina a contestação como “presidente eleito da FNLA” e utiliza os símbolos identificativos do Partido.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente processo foi admitido pelo Juiz Presidente ao abrigo da alínea d) do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), que nos remete para o n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro - Lei dos Partidos Políticos (LPP). Com efeito, nas duas normas citadas, o Tribunal Constitucional é competente para conhecer dos conflitos internos dos partidos políticos que resultem da aplicação de estatutos e convenções partidárias.
III. LEGITIMIDADE
O Requerente é Presidente do Partido Político FNLA, conforme anotações de Congressos e decisões proferidas por este Tribunal, pelo que, nos termos do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, o Requerente tem legitimidade activa para, em nome do Partido FNLA, demandar em juízo.
IV. OBJECTO
O presente processo tem por objecto a apreciação do pedido do Requerente quanto ao exercício de actividades político - partidárias, bem como à utilização de imóveis e símbolos do partido por militantes não autorizados.
V. APRECIANDO
A) QUESTÃO PRÉVIA
Notificado do despacho exarado pelo Juiz Conselheiro Relator neste processo, veio o Requerido Ngola Kabangu impugnar o pedido do Requerente, fazendo-o na sua pretensa qualidade de Presidente eleito da FNLA, em seu nome e dos Requeridos José Maria Junqueira, Domingos Faztudo, Simão Mbemba, Jaime Candala e Pinto Luvambo.
O actual Presidente eleito do Partido Político FNLA é o Requerente Lucas Benghim Gonda que foi eleito em 8 de Junho de 2010 e reeleito no congresso de 2015, pelo que o Requerido Ngola Kabangu não pode fazer pronunciamentos na qualidade de Presidente eleito da FNLA, nem contestar em nome e representação deste Partido.
Por não ter junto aos autos procuração bastante que o habilite e aos demais Requeridos a estarem representados em juízo, fica sem efeito a impugnação por si apresentada.
Nesta senda, o Tribunal Constitucional constata não ter sido observado o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 32.º do CPC, o que consubstancia falta de cumprimento da obrigatoriedade de constituição de advogado para se pleitear nos tribunais superiores.
Tal como ficou referenciado no Acórdão n.º 140/2011, a imposição normativa do artigo atrás referenciado é estabelecida no interesse e para salvaguarda do cidadão uma vez que vem levantar, nesta instância, questões de direito. O Tribunal Constitucional seguindo a mesmo ratio não indeferiu as acções de conflito interpartidários por falta do requisito legal pois confrontou a falta de advogado com as exigências constitucionais de celeridade processual e adequação funcional do direito constitucional com vista à obtenção do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
Outrossim, verifica este Tribunal, no caso sub judice, que a litigância em juízo desacompanhada de advogado criou uma situação anómala, quer do ponto de vista processual quer do ponto de vista ético e racional, porquanto o Requerido Ngola Kabangu para além de se ter assumido representante de outros Co-requeridos, sem procuração bastante, também incorreu de forma explícita no crime de desobediência ao dirigir-se como Presidente eleito do Partido FNLA, justamente ao órgão jurisdicional que lhe negou em Acórdão transitado em julgado essa qualidade.
B) FUNDAMENTOS
Convém referir que todos os requeridos foram notificados para se pronunciarem contestando o que em relação a eles foi alegado, tendo apenas o Requerido Ngola Kabangu se pronunciado, por impugnação, em seu nome e em representação dos demais, reiterando a sua qualidade de “Presidente eleito do Partido FNLA.
Os Acórdãos nºs 362/15 e 365/15, prolatados por este Tribunal, consideraram Lucas Ngonda como Presidente legitimamente eleito no Congresso realizado de 13 a 16 de Fevereiro de 2015. Ainda assim, alguns militantes do Partido FNLA (dentre eles, os aqui Requeridos) têm apresentado resistência no cumprimento destas decisões e têm praticado actos de natureza política em nome do Partido, sem estarem autorizados.
É sobre a continuação da prática deste actos políticos que agora deve o Tribunal Constitucional pronunciar-se.
Nos termos do n.º 2 do artigo 177.º da CRA, “As decisões dos Tribunais são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas jurídicas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”.
Há jurisprudência do Tribunal Constitucional a legitimar o Requerente Lucas Ngonda como Presidente do Partido FNLA, pelo que não se percebe a razão pela qual alguns militantes continuam a desobedecer as decisões deste Tribunal.
O Requerido Ngola Kabangu não se pode dirigir ao Tribunal Constitucional nem a nenhuma outra instituição pública ou privada, assinando ou praticando actos como “Presidente eleito da FNLA”, sob pena de incorrer no crime de desobediência.
De igual modo todos os outros Requeridos não podem praticar quaisquer actos políticos em nome da FNLA, sob pena de incorrem no mesmo crime. Tal como já ficou decidido nos Acórdãos nºs 109 e 110/2009, 140/2011, 362 e 365/2015, proferidos por este Tribunal.
O não cumprimento dos Acórdãos do Tribunal Constitucional com base na alegada questão histórica e da unidade do Partido é manifesto, reiterado, notório e público em relação a certos militantes do Partido FNLA.
Ora, a relevância institucional conferida ao Tribunal Constitucional, de fazer respeitar a Constituição e garantir a sua defesa, passa necessariamente pelo cumprimento e execução das suas decisões, como aliás se colhe também do direito comparado.
Com efeito, o Tribunal Constitucional Espanhol procedeu, em 2015, a uma alteração na sua Lei Orgânica, acrescentando ferramentas ao tribunal que lhe garantam executar as suas próprias decisões. O Tribunal Constitucional Alemão já tinha seguido caminho idêntico, permitindo-se determinar, de modo específico, como devem ser executadas as suas decisões.
O facto de ainda não existir no ordenamento jurídico angolano uma norma que atribua competência expressa ao Tribunal Constitucional para executar as suas próprias decisões, não pode servir de impedimento para que as mesmas sejam desrespeitadas. Com efeito, o Tribunal pode criar mecanismos para o efeito, por via da jurisprudência, de modo garantir o cabal cumprimento das premissas constitucionais previstas no artigo 177.º da CRA.
É facto que, os Requeridos não cumprem voluntariamente as decisões do Tribunal Constitucional, pelo que deve este Tribunal, de “motu proprio”, tornar eficaz a sua decisão, sob pena de, em caso de incumprimento, incorrerem no crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 188.º do Código Penal.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em: DAR PROVIMENTO AO RECURSO E NOTIFICAR OS REQUERIDOS NGOLA KABANGU, JOSÉ MARIA JUNQUEIRA, FAZTUDO, SIMÃO BEMBA, JAIME CANDALA E PINTO LUVAMBO, PARA:
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da lei n.º 3/08, de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 14 de Dezembro de 2017.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa (Relator)
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Júlia de Fátima Leite da S. Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Maria da Imaculada Lourenço da C. Melo
Dr. Raul Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Vítor
Dra. Teresinha Lopes