ACÓRDÃO N.º 472/2017
PROCESSO N.º 560-A/2017
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Humberto Gonçalves de Freitas, com os demais sinais de identificação nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão datado de 24/03/2016, proferido no Processo n.º 1659/2010 pela Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, com fundamento na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08 - Lei do Processo Constitucional (LPC) e por não se conformar com a decisão do Tribunal Supremo, que revogou a decisão da 2.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda.
Para o efeito, o Recorrente alega em síntese que:
O Recorrente termina pedindo que o Tribunal Constitucional declare inconstitucional o Acórdão do Tribunal Supremo, por violação clara da Constituição da República de Angola.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos da alínea a) do artigo 49º da Lei nº 3/08, de 17 de Junho (LPC), depois de exaurida a cadeia recursória da jurisdição comum.
III. LEGITIMIDADE
Para intervir neste processo, afigura-se necessária a existência de um interesse sério em demandar ou em contradizer. É este interesse que, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, determina a legitimidade do Recorrente, parte no Processo n.º1659/10, que correu os seus termos na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo.
Tem, assim, o Recorrente legitimidade para apresentar o presente recurso.
IV. OBJECTO
O presente recurso incide sobre o Acórdão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, proferido a 24 de Março de 2016, em sede do Processo n.º1659/2010.
Ao Tribunal Constitucional cabe analisar se o referido Acórdão incorreu em alguma inconstitucionalidade, nomeadamente no que se refere à violação do direito de propriedade do Recorrente.
V. APRECIANDO
O Recorrente veio a este Tribunal interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, em virtude de não se conformar com o Acórdão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Venerando Tribunal Supremo, que revogou a sentença n.º 192/09, de 11 de Agosto, da 2.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda. A referida sentença condenou a então Ré (Suzana José) a reconhecer o direito de propriedade do Recorrente sobre o imóvel sito em Luanda, na Rua José Anchieta n.º100.
Nas suas alegações, o ora Recorrente manifestou discordância com o teor da decisão vertida no Acórdão objecto deste recurso, pelo facto de este ter reconhecido o direito da senhora Suzana José sobre o anexo de que é possuidora, por sucessão a Pedro Dala, seu ex-marido, tendo-se violado, assim, o direito de propriedade do Recorrente sobre a totalidade do imóvel identificado nos autos.
Compulsados os autos, constatou o Tribunal Constitucional que o Recorrente adquiriu o imóvel e o anexo ao anterior proprietário, Armando Victor, que, por sua vez, o tinha comprado integralmente (casa principal e anexo) ao Estado Angolano, aos 13 de Março de 1998, ao abrigo da Lei n.º 19/91, de 25 de Maio. Posteriormente, Armando Victor vendeu-o integralmente ao Recorrente, através da escritura pública de compra e venda celebrada no dia 14 de Julho de 2006, no 1.º Cartório Notarial da Comarca de Luanda.
Entretanto e paralelamente, existia e existe sobre uma parte do imóvel reclamado (o anexo), um contrato de arrendamento datado de 17 de Maio de 1983, designado "Título de Ocupação de Moradia-Provisório", emitido pelo Estado Angolano a favor do senhor Pedro Dala, na qual habitavam desde 5 de Setembro de 1976. No âmbito deste mesmo contrato, este obteve o termo de quitação (contrato promessa) a 4 de Maio de 1999, que o habilitava à compra do anexo do mesmo imóvel, ao abrigo da referida Lei n.º 19/91, de 25 de Maio.
No seu douto Acórdão, o Venerando Tribunal Supremo ressaltou o facto de terem sido emitidos dois documentos oficiais sobre o mesmo bem pelo Estado, um a favor do senhor Armando Fernando Victor (imóvel principal e anexo) e um outro a favor do Senhor Pedro Dala (anexo), muito antes do aqui Recorrente adquirir o direito de propriedade reivindicado.
No rigor da lei e dos princípios gerais do direito o anexo do senhor Pedro Dala não sendo parte autónoma do imóvel principal, em princípio o Estado não lhe poderia alienar. Contudo, o Venerando Tribunal Supremo, no seu douto Acórdão, socorreu-se da Circular n.º EXTRA/1995, da Secretaria de Estado da Habitação, que prevê que podem ser alienadas as partes acessórias (entenda-se de qualquer imóvel do Estado) passíveis de desanexação, (i) desde que não alterassem a estrutura física do imóvel e (ii) tivessem acesso independente. “Ipso facto”, aquele Venerando Tribunal concluiu que o anexo em litígio reúne os requisitos da circular acima referida, uma vez que a desanexação "do anexo" não altera a estrutura física do imóvel nem impede o acesso das partes, por se tratar de uma fracção autónoma, distinta e isolada com saída própria.
Assim, poder-se-ia suscitar a inconstitucionalidade da Circular acima referida no âmbito da hierarquia dos actos normativos vigentes no País, não fosse a circunstância de se ter que considerar a realidade social e constitucional à data dos factos, e que a Constituição continua a dar protecção (artigos 2.º, 6.º n.º 3 e 239.º).
Ademais, o entendimento que o Tribunal Constitucional firmou sobre o direito à propriedade privada assegurada nos artigos 14.º e 37.º n.º 1 da CRA é o de que o âmbito de protecção deste direito envolve essencialmente a liberdade/ o direito de adquirir bens; a liberdade/o direito de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; a liberdade/o direito de os transmitir e o direito de não ser privado deles, conforme o Acórdão n.º 414/2016.
Conclui este Tribunal que não procede o pedido do Recorrente, porquanto ficou provado que o douto Acórdão do Venerando Tribunal Supremo observou os preceitos constitucionais e não se vislumbra qualquer violação ao direito de propriedade previsto no artigo 37.º da CRA.
DECIDINDO
Neste termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal em:
Custas pelo Recorrente nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 14 de Dezembro de 2017.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator)
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Imaculada Lourenço C. Melo
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes