ACÓRDÃO N.º475/2018
PROCESSO N.º 557-B/2017
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Jonas Salomão Tenente Sanders, com os demais sinais de identificação nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do Acórdão de 24 de Janeiro de 2017, da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do processo nº 4/2016, que considerou improcedente o seu pedido de habeas corpus.
O Recorrente veio recorrer do referido Acórdão para o Tribunal Constitucional alegando, em síntese, que:
1- O Tribunal Supremo, ao negar provimento à sua providência de habeas corpus, violou o princípio do processo justo e equitativo, previsto no nº 4 do artigo 29.º da Constituição da República de Angola (CRA), na medida em que o referido acórdão ignorou o facto de, desde a data da detenção até à data da interposição do recurso, o Recorrente não ter sido notificado da acusação, tão pouco da pronúncia, isto é, ficou 6 meses sem acusação e 4 meses sem pronúncia, violando, assim, o disposto no artigo 40.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro.
2- O Acórdão ora recorrido, ao manter a situação carcerária do Recorrente, violou o princípio da presunção da inocência, previsto no n.º 2 do artigo 67.º da CRA.
3- Ademais, a situação carcerária do Recorrente, desde a sua detenção à prorrogação da prisão preventiva, não seguiu os trâmites legais, ignorando preceitos constitucionais.
4- O Recorrente termina as suas alegações solicitando a admissão do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, a celeridade na decisão e, em consequência, que seja declarada ilegal a sua prisão, por violação de prazos legais da prisão preventiva, nos termos do nº 2 do artigo 66.º, conjugado com nº 2 do artigo 67.º, ambos da CRA.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho ( L P C).
III. LEGITIMIDADE
Para intervir no processo como parte, afigura-se necessária a existência de um interesse sério em demandar ou em contradizer. É este interesse que determina a legitimidade do Recorrente, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).
O ora Recorrente é parte no processo n.º 4/2016, que correu ou seus termos na Câmara Criminal do Tribunal Supremo. Foi-lhe indeferido o pedido de habeas corpus, pelo que tem assim o Recorrente legitimidade para apresentar este recurso.
IV. OBJECTO
O presente recurso tem por objecto a apreciação do Acórdão do Tribunal Supremo, de fls. 37 a 41 dos autos, que indeferiu o pedido de habeas corpus do Recorrente.
Ao Tribunal Constitucional cabe analisar se o referido Acórdão preteriu ou não os direitos fundamentais constitucionais do Recorrente.
V. APRECIANDO
O Recorrente veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Venerando Tribunal Supremo de 24/01/2017, que considerou improcedente a sua providência de habeas corpus.
O Recorrente discorda do teor do douto Acórdão, razão pela qual recorreu para o Tribunal Constitucional.
Nas suas alegações, o Recorrente afirma que o Acórdão ora recorrido violou os princípios da legalidade e do processo equitativo e justo, consagrados constitucionalmente, ao ignorar o facto do mesmo, alegadamente, não ter sido notificado da acusação e da pronúncia nos prazos previstos na Lei n.º 25/15 - Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP).
Importa realçar que a notificação do despacho é diferente da simples produção deste e é de extrema relevância em todas as fases do processo, sendo que, na fase preparatória, serve para dar a conhecer ao arguido o tipo de crime eventualmente imputável a si por via da acusação formal ou da não acusação e consequentemente a sua libertação; a par disso, põe termo a esta mesma fase do processo, dando início à fase processual subsequente, que é a instrução contraditória, que termina com o despacho de pronúncia, que admite ou não a douta acusação.
Cada um destes despachos deveria ter sido notificado ao aqui Recorrente, no prazo legalmente estabelecido para cada fase processual, de tal modo que este pudesse preparar as razões de facto e de direito em sua defesa ou mesmo recorrer deles caso se justificasse, o que não foi feito no caso “sub judice”, em que, quer o Ministério Público quer o Juiz da 1.ª instância se limitaram, pura e simplesmente, a pôr à disposição nos autos dos despachos por si proferidos, violando assim o direito do aqui Recorrente de ser informado, em prazo razoável, sobre o andamento do processo (vide, alínea h) do artigo 63.º e do artigo 73.º da CRA.
Compulsados ou autos, não foi possível confirmar a recepção das notificações por parte do aqui Recorrente. Por este facto, entende o Tribunal Constitucional que a falta de notificação dos referidos despachos tem os mesmos efeitos da sua não produção, ou seja, para todos os efeitos, o Recorrente não foi formalmente e tempestivamente acusado, tão pouco pronunciado, razão pela qual pode ser entendida como legítima a pretensão.
Entretanto, constata este Tribunal que, pela informação de fls. 126 dos autos, o ora Recorrente já está em liberdade e que o processo está a seguir os seus trâmites normais.
Assim, conclui o Tribunal Constitucional que já não há razões para apreciar o presente recurso por inutilidade superveniente da lide.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 21 de Fevereiro de 2018.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator)
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição Almeida Sango
Dra. Maria da Imaculada Lourenço C. Melo
Dr. Raúl Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes