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   ACÓRDÃO N.º478/2018

 

PROCESSO N.º 584-D/2017

(Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO 

Sapalo António, com os demais sinais especificados nos autos, veio intentar, no Tribunal Constitucional, uma providência cautelar não especificada, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos (abreviadamente LPP), com a finalidade de impedir a anotação do IV Congresso Ordinário do Partido de Renovação Social (PRS), realizado em Maio de 2017.

O Requerente alega que, durante o Congresso, foram aprovadas várias deliberações que não foram efectivamente implementadas, na medida em que o Estatuto do PRS, em sua posse, não as consagra.

Decorridos dois meses desde a realização do IV Congresso Ordinário, tais alterações não foram incorporadas nos Estatutos do PRS e os documentos saídos do Congresso ainda não foram distribuídos aos delegados e demais Militantes.

A providência ora intentada baseia-se em alegações segundo as quais a presidência do PRS terá alterado deliberações saídas do IV Congresso Ordinário, nomeadamente, o alargamento de mandatos, que de 4 passaram para 6 anos, e o provimento dos titulares de cargos a nível das províncias, que, em vez de eleitos passaram a ser escolhidos por via de nomeação, situação contrária às exigências decorrentes do princípio democrático, que vincula a organização e funcionamento do Partido.

 No referido Congresso, foram aprovadas as seguintes alterações aos Estatutos:

  1. Consagração da figura do Vice-Presidente.
  2. Redução do tempo de duração do mandato dos órgãos de direcção, de 5 para 4 anos.
  3. Manutenção do princípio democrático de eleição para provimento dos titulares dos órgãos de direcção a todos os níveis e escalões.

O Requerente termina solicitando ao Tribunal Constitucional o seguinte:

  1. A reposição da verdade e da legalidade, por via da consagração e consequente implementação das deliberações saídas do IV Congresso Ordinário do PRS;
  2. O deferimento da providência cautelar impedindo a anotação do IV Congresso Ordinário do PRS, prevista nos números 4 e 7 do artigo 20.º e no artigo 21.º, todos da LPP.

O Tribunal Constitucional notificou o Presidente do PRS, Senhor Benedito Daniel, para se pronunciar sobre o pedido, tendo este respondido nos seguintes termos:

  1. As propostas apresentadas no Congresso foram antes aprovadas pela Comissão de trabalho criada para preparar a reunião;
  2. Seguidamente, no dia 24 de Novembro, as propostas passaram pelo crivo do Comité Nacional, que as aprovou, altura a partir da qual passaram a ser as únicas propostas objecto de discussão no Congresso;
  3. Durante a preparação do referido evento, foram apresentadas onze (11) propostas, nove (9) das quais sufragadas e neste sentido aptas a serem discutidas em Congresso;
  4. Durante o Congresso surgiu uma outra proposta apresentada verbalmente, que estabelecia a redução do mandato do Presidente do Partido de (cinco) 5 para (quatro) 4 anos;
  5. Tal proposta não foi aceite pela Comissão responsável pela gestão administrativa do Congresso, tendo, pelo contrário, sido tomada a decisão de alargar os anos do mandato para seis (6) anos;
  6. A proposta de alargamento do mandato foi aprovada pelos delegados presentes no Congresso, tendo obtido a seu favor 676 votos e 25 votos contra.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

 A competência do Tribunal Constitucional para apreciar a presente providência cautelar resulta do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República de Angola – CRA, da alínea j) do artigo 16.º e do artigo 30º, ambos da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), conjugado com a alínea d) do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC) e do n.º 2 do artigo 29.º da LPP.

III. LEGITIMIDADE

Para intervir no processo como parte, afigura-se necessária a existência de um interesse sério em demandar ou em contradizer. É este interesse que, nos termos da legislação aplicável, determina a legitimidade dos intervenientes para manifestação das suas pretensões, tendo em referência o objecto da lide.

O Requerente é militante do Partido PRS e participou, como candidato à presidência, nas eleições realizadas no IV Congresso Ordinário.

Os militantes e os membros dos órgãos de direcção dos partidos políticos podem impugnar qualquer acto praticado no seio da agremiação, porquanto são eles que devem decidir, por via de meios próprios, o destino da organização.

Como consequência, tem uma ligação com o Partido, estando, por isso, em condições de impugnar qualquer acto ilegal envolvendo o PRS.

Nos termos do artigo 26.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 2.º da LPC, o Requerente é parte legítima na presente acção. No mesmo sentido, o Requerido também é parte legítima atendendo ao prejuízo que, da procedência da presente providência, lhe pode advir.

IV. OBJECTO

No caso sub judice cabe ao Tribunal Constitucional apreciar os fundamentos da providência cautelar não especificada intentada pelo Requerente, nomeadamente impedir a anotação das deliberações saídas do IV Congresso Ordinário do Partido PRS, realizado em Maio de 2017. 

V. APRECIANDO

 O Tribunal Constitucional deve apreciar o cumprimento dos requisitos das providências cautelares, pois a maior parte deles depende da invocação de um direito que, devidamente comprovado, mereça uma tutela preventiva e antecipada, sem prejuízo de uma decisão final que se pronuncie sobre o mérito da causa.

Para o efeito, recorremos à jurisprudência firmada por este Tribunal no Acórdão n.º 135/2011.

De acordo com o referido Acórdão, para se dar provimento a uma providência cautelar não especificada é necessário que se verifiquem os requisitos previstos nos artigos 399.º e 400.º do CPC.

Entretanto, este Tribunal constatou que a alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º dos Estatutos do PRS, depositados no Tribunal Constitucional para anotação, consagra a alteração do critério de indicação dos Secretários Provinciais. Nos termos dos referidos Estatutos, cabe ao Presidente do Partido a nomeação dos Secretários Provinciais e demais órgãos referidos no artigo, contrariando assim o disposto no n.º 2 do artigo 23.º, alínea d) do artigo 34.º e a alínea h) do artigo 46.º dos Estatutos saídos do III Congresso ordinário, anotado pelo Tribunal Constitucional. Tais artigos atribuem à Conferência Provincial, Congresso ou Conselho Político o poder para eleger os secretários provinciais, secretários nacionais e secretários nacionais adjuntos, respectivamente.

Tais exigências resultam do facto de os partidos políticos serem encarados como veículos da democracia, pelo que a sua organização interna deve ser reflexo disso, pois, só assim, eles poderão cumprir e realizar na sociedade a perspectiva da livre participação, alternância e pluralidade de ideias. Por outro lado, a eleição dos órgãos executivos centrais e locais dos partidos, representa uma garantia para os que forem indicados que assim, salvo interrupção do mandato por causas estatutariamente estabelecidas, deverão cumpri-los de acordo com a vontade da base que os elegeu.

Por outro lado, a indicação pelas assembleias pressupõe uma relação de identidade entre o candidato e a base, evitando-se assim imposições de militantes que não tenham qualquer ligação com a zona em questão. Apesar de o partido eleger um Presidente, este não deve conduzir os seus destinos de modo unilateral e pessoal, antes pelo contrário, as grandes opções devem sempre passar pelo crivo dos órgãos colegiais, como por exemplo a indicação de órgãos executivos do partido. A eleição periódica dos órgãos dos partidos políticos é uma exigência que resulta do princípio da democracia na organização e funcionamento dos partidos das referidas entidades.

Tal é assim que a alínea k) do n.º 2 do artigo 20.º da LPP impõe a consagração de normas estatutárias que estabeleçam a realização de eleições dos órgãos internos, com base em princípios democráticos. O mesmo diploma estabelece, na alínea n) do n.º 2 do referido artigo, a obrigatoriedade de os estatutos consagrarem critérios para observância da democraticidade interna.

O PRS deve, assim, rever a norma em causa e adequá-la ao que vem consagrado nas disposições acima referidas.

Em síntese, constata-se, no caso presente, o preenchimento do elemento fumus boni iuris (sem prejuízo dos demais), enquanto requisito incontornável para a concessão de providências cautelares, porquanto o Requerente invoca uma situação digna de protecção jurídica. 

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado,

Acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 28 de Março de 2018.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator) 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Josefa Neto

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo 

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Teresinha Lopes