ACÓRDÃO N.º479/2018
PROCESSO N.º 607-C/2017
Relativo a Partidos Políticos e Coligações – Impugnação de deliberações e de conflito interno que resultem da aplicação de Estatutos “artigos 63.º, n.º 1, alínea d) e alínea j) do artigo 3.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional – LPC
Em nome do povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Sapalo António, com os demais sinais de identificação nos autos, veio a este Tribunal, requerer a nulidade do IV Congresso do Partido de Renovação Social – PRS, alegando, em síntese, o seguinte:
No que respeita à realização das Conferências, não foram observados os procedimentos impostos pela Directiva n.º 001/2016, sendo que muitos Delegados ao Congresso de diversas províncias foram indicados ao invés de eleitos.
Na Província do Moxico foi eleito o Secretário Provincial do Partido, que elaborou a lista dos Delegados ao Congresso de candidatos ao Comité Nacional e à Assembleia Nacional.
Na Província da Lunda-Sul foram eleitos pela Conferência Provincial um total de 70 Delegados ao Congresso, mas a acta deveria ser assinada pela Comissão Preparatória e Grupo de Acompanhamento. Este Grupo de Acompanhamento exigiu, no fim da eleição, a apresentação da acta para a subscrever e levá-la à Comissão Preparatória Nacional.
Entretanto, o Sr. Eugénio Sacupungo (Secretário Provincial do PRS na Lunda Sul) que detinha acta, impediu a assinatura e subscreveu unilateralmente a lista original dos Delegados ao Congresso introduzindo pessoas da sua conveniência, (doc. 3, 4, 5 e 6).
Na Província da Huíla, não se realizaram Conferências Municipais e a Conferência Provincial foi composta por pessoas indicadas pelos Secretários Municipais sob orientação da Sra. Júlia Adriano, (doc. 7, 8 e 9).
Por sua vez, no Bengo e Cuando Cubango ocorreu o mesmo, uma vez que candidatos ao Congresso foram eleitos pelas respectivas Conferências Provinciais e não pelas Conferências Municipais.
Em Luanda, a indicação dos Delegados ao Congresso não foi reconhecida pelo Grupo de Acompanhamento em virtude das irregularidades verificadas e não se realizaram as Assembleias de Núcleos e Conferências Comunais e Municipais, (doc. 10, 11, 12 e 13).
O candidato a Presidente, Sr. Benedito Daniel, não suspendeu a sua função de Secretário-Geral, (doc. 31).
Foi bloqueado o financiamento à campanha do Requerente, que não recebeu nenhum dinheiro.
O relatório do Comité Nacional referente ao mandato cessante, a acta do Congresso e o projecto de revisão dos Estatutos não foram submetidos à aprovação da Plenária do Congresso.
Não houve, até aquela data, a distribuição dos documentos produzidos pelo alegado Congresso, por isso os Congressistas desconhecem o conteúdo e a natureza dos documentos, sendo que a Direcção do Partido já os remeteu a este Tribunal para os devidos efeitos legais (docs. 20 e 21).
Houve pessoas que não deveriam participar do Congresso por incompatibilidade de funções. Assim, os Senhores Moveis Gabriel Madeira, Natália Nassungo Tito, Benvinda Giríte de Assis e Daniel Pedro Salongue, são Comissários Municipais da Província de Benguela e foram Delegados ao IV Congresso (docs. 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29).
Igualmente, os Senhores João Baptista Eyavola, Arão José Ezequiel, Gabriel Tchenda António e Feliciana Rode Vasco Chipepe, na Província do Huambo foram Delegados ao Congresso e são Comissários Municipais Eleitorais.
O Secretário Municipal do Cacuaco é oficial das FAA no activo e foi delegado ao Congresso.
O Secretário Municipal do Cazenga é Comissário Municipal Eleitoral e foi delegado ao Congresso (doc. 30).
Concluiu requerendo:
Que se declare nulo e sem efeito o IV Congresso do PRS.
Regularmente citado, o Requerido, Partido PRS, através do seu Presidente Senhor Benedito Daniel, tempestivamente apresentou por impugnação as contra-alegações, alegando em síntese que:
O IV Congresso do PRS não se realizou no dia 12 de Dezembro de 2017, mas sim nos dias 29, 30 e 31 de Maio de 2017.
Não constitui verdade que os Delegados ao Congresso de diversas províncias foram escolhidos por indicação ao invés de serem eleitos nas Conferências de Núcleos, Comunas, Municípios e Provinciais.
No Moxico, a Conferência Provincial foi realizada no dia 27 de Fevereiro de 2017 e participaram 194 Conferencistas, ou seja, acima dos 180 previstos.
O acto foi antecedido de encontros entre o Grupo de Acompanhamento de Luanda e a Comissão Preparatória da Conferência Provincial do Moxico, respectivamente, com os mandatários dos candidatos à Presidente do PRS.
Não houve subscrição unilateral da lista: o Secretário Provincial da Lunda-Sul apenas conformou os nomes da lista aos Bilhetes de Identidade dos respectivos titulares.
A acta produzida pela Assembleia deve ser assinada, não pelos membros de Grupo de Acompanhamento, mas pelo Presidente e Secretário da Conferência.
Não é da competência do Grupo de Acompanhamento, mas da Comissão Preparatória da Conferência Provincial encaminhar à Comissão Preparatória Nacional do Congresso o respectivo expediente, como sejam a acta, a lista dos candidatos ao Comité Nacional e a lista dos Delegados ao IV Congresso Ordinário - Directiva n.º 001/2016, – n.º 3, alínea c).
Cabe ao Requerente e não ao Requerido provar que na Huíla não se realizaram Conferências Municipais e no Bengo só não foram realizadas Assembleia nos Núcleos que não estão devidamente registados e controlados pelos Secretários Comunais e Municipais.
Não compete ao Grupo de Acompanhamento reconhecer a validade da Conferência Provincial de Luanda, senão presenciar os actos realizados.
Benedito Daniel suspendeu o mandato de Secretário-Geral do PRS mediante envio de carta. Quanto ao financiamento aos candidatos, é da competência do Comité Nacional a aprovação do orçamento.
Por fim, o Requerido afirma que as irregularidades verificadas ao longo do processo são insuficientes para pôr em causa a legalidade e a justeza dos actos eleitorais realizados.
Concluiu pedindo:
Que se julgue improcedente o pedido do Requerente por não provado, com as consequências legais.
O Requerido juntou prova documental.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
Devem ser apreciados pelo Tribunal Constitucional – “Os conflitos internos (…) que resultarem da aplicação dos Estatutos ou convenções (…)”, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro, Lei dos Partidos Políticos – LPP.
Por sua vez, a Lei n.º 2/08, de 17 de Junho (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional - LOTC), refere na alínea j) do artigo 16.º que ao Tribunal Constitucional compete, em geral, administrar a justiça em matéria jurídico-Constitucional, nomeadamente: “julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis;”.
Do mesmo modo, a alínea d) do artigo 63.º da LPC, que o Tribunal Constitucional deve apreciar os processos relativos à “impugnação de eleições e deliberações de órgãos de partidos políticos ou de resolução de quaisquer conflitos internos que resultem da aplicação de estatutos e convenções partidárias (…)”.
III. LEGITIMIDADE
O Requerente é parte legítima na presente acção, em conformidade com o artigo 26.º do Código do Processo Civil - CPC, aplicável por força do artigo 2.º da LPC.
No mesmo sentido, o Requerido também é parte legítima atento o prejuízo que, da procedência da acção, lhe pode advir.
IV. OBJECTO
O objecto do presente processo é apreciar a conformidade legal e estatutária da realização do IV Congresso Ordinário do PRS à luz da Constituição da República de Angola, da Lei dos Partidos Políticos e dos Estatutos do referido Partido.
V. APRECIANDO
a) Enquadramento geral
A “República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei (…)”, nos termos do artigo 2.º da Constituição da República de Angola – CRA.
Com efeito, resulta do artigo 17.º, n.º 2, alínea f) da CRA, o respeito pelos princípios da organização e funcionamento democráticos dos Partidos Políticos.
Adicionalmente, o artigo 20.º, n.º 5 da LPP, consagra que – “Os partidos políticos podem estabelecer requisitos específicos (…) de estrutura e de formas de organização e de funcionamento próprio (...)”.
Por sua vez, a alínea g) do artigo 39.º dos Estatutos do PRS dispõe que compete ao Comité Nacional do Partido aprovar os regulamentos que se mostrem necessários à melhor aplicação dos Estatutos do Partido.
Desta feita, o PRS aprovou a Directiva n.º 001/2016, com o objectivo de regular os procedimentos no âmbito da realização do seu IV Congresso Ordinário.
b) Dos procedimentos a observar antes do Congresso
O Requerente alega que antes do Congresso deveriam realizar-se Assembleias de Núcleo, Comunas, bem como Conferências Municipais e Provinciais.
O Requerido reconheceu esta irregularidade, com excepção do estipulado na Directiva, n.º 2.1 – Das Assembleias de Núcleos, alínea a): “Somente o núcleo devidamente registado e controlado pelo Secretariado Comunal ou Municipal deve realizar a sua Assembleia de Militantes”.
Todavia, dispõe o n.º 2.2 – Das Assembleias Comunais e Conferências Municipais, alínea a) que “são Delegados à Assembleia Comunal ou Conferência Municipal, os Delegados eleitos nas Assembleias de Núcleos, nos termos do ponto 1, e os membros do Comité Comunal ou Comité Municipal, cessantes (…)”, o que leva a crer que de facto houve esta irregularidade.
No entanto, esta irregularidade não é suficiente para, por si só, determinar a nulidade do IV Congresso Ordinário do PRS.
c) Da indicação dos Delegados, ao invés da sua eleição
Na Província do Moxico foi eleito o Secretário Provincial e o Requerente alega que foi elaborada a lista dos Delegados, sem contudo fazer prova do que alega (doc. 14, a fls. 29 e seguintes dos autos).
Já o Requerido apresentou provas da realização das eleições tal como o Requerente, mas alegou que não se trata de uma lista, e sim da relação nominal dos Delegados ao IV Congresso (docs. 1 e 2, a fls. 90, 91 e seguintes dos autos), que são membros do Comité Provincial do Moxico.
A Directiva dispõe, na alínea a), do n.º 3, que “são Delegados à Conferência Provincial os Delegados e candidatos eleitos pelas Conferências Municipais e os membros do Comité Provincial, cessantes”.
d) Das irregularidades relativas às assinaturas das actas
Na Lunda-Sul, segundo o Requerente, deveriam constar as assinaturas na acta da Conferência Provincial dos membros da Comissão Preparatória e do Grupo de Acompanhamento.
Entendemos que, tal como refere o Requerido, por via da aplicação analógica das normas relativas à Conferência Provincial, nomeadamente, a alínea c) do n.º 2.2 da Directiva, a acta deverá ser assinada pelo seu Presidente e respectivo Secretário, não sendo obrigatória a sua assinatura pela Comissão Preparatória e Grupo de Acompanhamento. À referida Comissão cabe tão-somente presenciar os actos (fls.11 e 12 dos autos).
e) Da realização ou não das Conferências Municipais e Provinciais
O Requerente alega que os candidatos ao Congresso das províncias do Bengo e do Cuando Cubango foram eleitos em Conferência Provincial e que as participações não resultaram de Conferências Municipais. Além disso, os participantes foram indicados e não eleitos – o Requerido contra-alegou dizendo que foram realizadas Assembleias de Núcleo e Comunas, e que, apesar das dificuldades de acesso dos Grupos de Acompanhamento às estruturas locais, realizaram-se as Assembleias e Conferências.
Relativamente às alegações das partes, estas não foram sustentadas por nenhuma prova documental (fls. 3 e 87 dos autos).
O Requerente alegou que em Luanda a eleição dos Delegados ao Congresso não foi reconhecida pelo Grupo de Acompanhamento em virtude das irregularidades, e que não houve realização da Assembleia de núcleos e Conferências Comunais e Municipais (doc. 10, 11, 12 e 13).
Pelo que se pôde constatar dos autos, o Sr. Eduardo Ndjungo, membro integrante do Grupo de Acompanhamento, esteve presente e afirmou que a tentativa de concertação pedida pelo Sr. Rufino Quissombe foi frustrada em virtude do abandono voluntário do Sr. Mbumba Malengue, sendo que, o Sr. Eduardo Flay Cassanga estava impedido por indisciplina, tendo a Conferência Provincial seguido os seus ulteriores trâmites, o que contraria o alegado pelo Requerente (fls. 96 e 96 verso dos autos).
Já em relação à Huíla, o Requerente alega que não se realizaram Conferências Municipais, e que a Conferência Provincial foi composta por pessoas indicadas pelos Secretários Municipais sob orientação da Senhora Júlia Adriano. Como prova, juntou os documentos 7, 8 e 9, sendo que, verificados por este Tribunal, não fazem fé em juízo para sustentar as suas declarações (fls. 24 dos autos).
Segundo o Requerente, o candidato a Presidente do Partido, Sr. Benedito Daniel, não suspendeu a sua função de Secretário-Geral, (doc. 31). Porém, conforme documento junto aos autos pelo Requerido, este Tribunal constata que o mesmo requereu a suspensão de funções a 6 de Abril de 2017 (doc. 6 junto a fls. 97 dos autos).
Assim, quanto às provas de eleições realizadas a nível da província, este Tribunal cinge-se à acta (síntese) da Conferência Provincial de Benguela apresentada pelo Requerente, fls. 37 dos autos, em que membros do respectivo Comité Provincial, integram igualmente a lista de Delegados eleitos ao IV Congresso.
Ao que consta, os membros do Comité Provincial podem ser também Delegados ao IV Congresso eleitos nas Conferências Provinciais, conforme o disposto na alínea a) do n.º 7 da Directiva.
f) Da falta de financiamento à campanha do Requerente
Alega o Requerente ter sido bloqueado o financiamento à sua campanha, ao que respondeu o Requerido que, devido à incapacidade financeira do Partido, nenhum dos candidatos foi financiado pelo Partido, pelo que consta dos autos que a solução adoptada foi a mesma para cada candidato (fls. 98 a 100 dos autos).
g) Da validade da acta do IV Congresso
O Requerente alega que a acta final do Congresso deveria ser assinada por três membros que compõem a Comissão Nacional Preparatória e refere-se, inclusive, às assinaturas em falta dos Senhores Pedrito Cutchili e Pedro de Almeida (vide fls. 53 dos autos).
Entende este Tribunal que a falta das assinaturas indicadas pelo Requerente, sem fazer prova da ligação destes à Comissão Nacional Preparatória ou da Mesa de Redacção do IV Congresso, não constitui motivo para invalidar a acta.
Com efeito, a acta do IV Congresso, a fls. 55 a 58 dos autos, foi assinada pelo Coordenador da Comissão Nacional Preparatória e por quatro membros da Mesa de Redacção, está legível, contém sigla, bandeira, insígnia do PRS e informação das emendas feitas aos Estatutos, do quórum de 653 Delegados presentes e da eleição de Benedito Daniel ao cargo de Presidente do PRS.
Relativamente à Emenda aos Estatutos, junto pelo Requerente, fls. 59 dos autos, é um documento manuscrito que este Tribunal não pode relevar para efeitos de prova, por suscitar dúvidas, dado ao facto de estar rasurado, ilegível, não ter carimbo, data de assinatura, sigla, tão pouco fazer menção de forma expressa e clara do Partido.
h) Da validade do IV Congresso
Relativamente à validade do IV Congresso, os Estatutos do PRS, no Capítulo V – Do Órgão Superior do Partido, o artigo 29.º refere que – “O Congresso é o órgão superior do Partido”.
Quanto à sua natureza, os referidos Estatutos dispõem que o Congresso é o órgão máximo do partido que reúne a nível da Nação.
Por esta razão, o Congresso considera-se válido desde que nele estejam presentes pelo menos 2/3 de todos Delegados eleitos, conforme disposto no n.º 2 do artigo 32.º dos Estatutos.
Assim, face às normas estatutárias citadas e pela participação de 653 Delegados, dos 701 eleitos, este Tribunal considera o IV Congresso Ordinário válido, pois, não há prova bastante nos autos para que se declare nulo.
Conclusão
Deste modo, qualquer processo decisivo no interior das organizações partidárias deve assentar na vontade da maioria dos seus militantes pois são estes que dão vida à instituição. Com isso mesmo corrobora a CRA e a LPP, no que ao princípio da democratização dos Partidos Políticos concerne.
Entende, assim, este Tribunal que o Requerente se limitou a apontar algumas irregularidades, e não apresentou prova bastante para sustentar as suas alegações.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Sem custas (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional).
Tribunal Constitucional, em Luanda, 28 Março de 2018.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da S. Ferreira
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo (Relator)
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes