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ACÓRDÃO N.º 480/2018

 

PROCESSO N.º 605-A/2017

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade.

Em nome do Povo, acordam, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Valente César Cucheta Vaz e Teles Óscar Chicungo, melhor identificados nos autos, vieram interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade (REI) do Acórdão proferido pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, em 15 de Agosto de 2017, que indeferiu a providência de habeas corpus que interpuseram no processo 75/2017.

Em síntese, os Recorrentes - que haviam sido detidos no dia 29 de Junho de 2016, por suspeita de crime de "desfalque" e acusados do crime de abuso de confiança - foram condenados - pela Sala dos Crimes Comuns, Secção D, do Tribunal Provincial do Bié, em 25 de Abril de 2017 - pela prática do crime de peculato, na (i) pena de 05 (cinco) anos de prisão, no (ii) pagamento de kz. 250.000,00 ao defensor oficioso, e no (iii) pagamento solidário de kz. 14.913.365,00 (catorze milhões, novecentos e treze mil e trezentos e sessenta e cinco kwanzas e cinquenta cêntimos), a título de indemnização pelos prejuízos causados ao BAI (Banco Angolano de Investimentos).

Os Recorrentes mantêm-se presos desde a data da sua detenção.

Após a condenação, os Recorrentes interpuseram recurso ordinário, na própria acta de julgamento, com efeito suspensivo, e a providência de habeas corpus.

Nas suas alegações, os Recorrentes esgrimem, em síntese, o seguinte:

  1. Houve violação do princípio do acusatório, constitucionalmente consagrado, que corresponde ao princípio da iniciativa extra-judicial para a actuação do Tribunal;
  2. A medida de prisão preventiva foi aplicada pelo Juiz Presidente do Tribunal Provincial do Bié - o juiz da causa - e sem a devida fundamentação;
  3. Houve violação do direito fundamental a habeas corpus, sem se atender ao princípio da presunção de inocência;
  4. Verificam-se várias inconstitucionalidades, nomeadamente:
  • da interpretação das condições da prisão ilegal do & único do artigo 315º do Código de Processo Penal;
  • do artigo 308º do Código de Processo Penal.

e. Houve violação do direito fundamental à liberdade;

f. Houve violação do dever de tutela dos direitos fundamentais;

g. Houve violação da dignidade da pessoa humana.

Concluem alegando:

  1. a incompetência do órgão que aplicou a medida de coacção;
  2. a desproporcionalidade e inadequação da prisão preventiva, que deve ter carácter excepcional; e
  3. a insuficiência de meios económicos para pagarem a caução que lhes foi imposta.

Por tudo o exposto, os Recorrentes terminaram pedindo ao Tribunal Constitucional a sua imediata libertação.

Entretanto, aos 12 de Outubro de 2017, o Venerando Tribunal Supremo julgou deserto o recurso ordinário, "por extemporaneidade das alegações", que só foram entregues a 15 de Maio de 2017 (e o recurso tinha sido interposto na acta do julgamento, a 25 de Abril do mesmo ano).

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais dos Juízes Conselheiros, cumpre, agora, apreciar, para decidir. 

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos das disposições combinadas da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional - LOTC) e da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional - LPC).

III. LEGITIMIDADE 

Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, (LPC), têm legitimidade para interpor recurso ordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.

Os Recorrente foram requerentes da providência de habeas corpus no processo que, com n.º 75/2017, correu os seus termos na 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, tendo, por essa razão, legitimidade para interpor o presente recurso. 

IV. OBJECTO 

O objecto do presente recurso é apreciar se o indeferimento do habeas corpus pelo Acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, em 15 de Agosto de 2017, viola os números 1 e 2 do artigo 174º, os números 1 e 2 do artigo 68º (que consagram o direito ao habeas corpus), o número 2 do artigo 36º e os números 1 e 2 do artigo 64º (que consagram a legalidade da privação da liberdade) e o número 1 do artigo 66º (que consagra as medidas restritivas da liberdade), todos da CRA, ou qualquer outra disposição constitucional.

V. APRECIANDO 

QUESTÃO PRÉVIA 

Como questão prévia, importa destacar - embora os Recorrentes não o tenham alegado - que foram condenados pelo crime de peculato, que, nos termos do artigo 313.º e seguintes do Código Penal, apenas podem ser cometidos por funcionários públicos, condição que os Recorrentes não possuiam.

Com efeito, mesmo tendo em conta que a Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro, equipara, no número 2 do artigo 59.º, aos funcionários públicos os "... trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e, ainda, as empresas concessionárias de serviços públicos", este não é o caso do BAI e, consequentemente, os Recorrentes, trabalhadores do BAI, que não é uma empresa maioritariamente pública, não são equiparados a funcionários públicos. Consequentemente, não podem praticar o crime pelo qual foram condenados - o peculato.

Convém sublinhar que todos os preceitos, alegadamente inconstitucionais, invocados pelos Recorrentes se reportam ao direito à liberdade e ao direito à providência de habeas corpus.

Nos termos do artigo 68.º da CRA, o interessado pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de prisão ou detenção ilegal.

São exigidos, cumulativamente, dois requisitos:

  1. Abuso de poder, lesivo do direito à liberdade e
  2. Detenção ou prisão ilegal.

Ora, nos termos do § único do artigo 315.º do CPP, a ilegalidade da prisão pode advir de:

  1. ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
  2. ser motivada por facto pelo qual a lei não a permite;
  3. se manter para além dos prazos fixados por lei ou decisão judicial;
  4. se prolongar para além do tempo fixado.

Isto é, a interposição da providência de habeas corpus só é possível se se verificarem estes requisitos e só pode ser deferida se se confirmar a existência de, pelo menos, algum deles.

Ora, no presente caso e conforme enfatizado pelo douto Acórdão do Venerando Tribunal Supremo:

  1. O crime supostamente cometido é punível com pena superior a 3 (três) anos, conforme estabelece o artigo 36.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro e, por conseguinte, tendo a medida de coacção de prisão preventiva sido aplicada por entidade competente, no caso o Ministério Público, não há qualquer violação do número 2 do artigo 36.º da referida Lei n.º 25/15.
  2. A manutenção da prisão depois da condenação em primeira instância só não seria aplicável se os Recorrentes se encontrassem, nessa altura, em liberdade, devido ao efeito suspensivo do recurso

Acresce que o facto de os Recorrentes terem interposto recurso com efeito suspensivo apenas suspende a execução da decisão condenatória, mantendo-se o despacho de pronúncia e as medidas cautelares impostas, a menos que, no caso que aqui importa (a prisão preventiva), se mostrassem excedidos os prazos previstos no artigo 40.º, o que não foi alegado pelos Recorrentes, embora este Tribunal pudesse conhecê-los.

Contudo, uma vez que foi já decidido pelo Venerando Tribunal Supremo o recurso interposto, temos de concluir pela inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, uma vez que não estamos já perante um caso de prisão preventiva.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

Sem custas, nos termos da segunda parte do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).

Notifique.

 

Plenário do Tribunal Constitucional, em Luanda, aos ­­8 de Maio de 2018.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo

Dr. Simão de Sousa Victor 

Dra. Teresinha Lopes (Relatora)