ACÓRDÃO N.º 482/2018
PROCESSO N.º 602-B/2017
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
O GRUPO CAXOMBO, LIMITADA, sociedade comercial de direito angolano, representada pelo Administrador Geral, Engenheiro Barnabé Joaquim Ferreira Raimundo, veio nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional – LPC, interpor o presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, contra o Acórdão do Processo 1212/2012, da 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo que confirmou a decisão proferida em 1.ª Instância pela – 2.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda.
O Recorrente apresentou neste Tribunal as alegações para sustentar o seu pedido e, em síntese, asseverou o seguinte:
O Recorrente terminou pedindo que se declare inconstitucional o Acórdão proferido no processo n.º 1212/12 do Tribunal Supremo, além disso, requereu em pedido reconvencional a condenação do autor Reconvindo a pagar USD 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil dólares americano) por litigar de má-fé, nos termos dos artigos 456.º e 457.º do CPC.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
Nos termos das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 03 de Dezembro, do artigo 53.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho e da alínea b) do artigo 23.º do Regulamento Geral do Tribunal Constitucional, o Plenário do Tribunal Constitucional é o órgão competente para apreciar e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
III. LEGITIMIDADE
Tem legitimidade activa quem possui interesse directo em demandar e legitimidade passiva quem tem interesse directo em responder à demanda.
O ora Recorrente tem legitimidade activa nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei 3/08, de 17 de Junho- LPC, porquanto, viu o seu recurso indeferido, in totum.
IV. OBJECTO DO RECURSO
O objecto do presente recurso é a violação do princípio do processo equitativo e de justo julgamento, pelo Acórdão do Tribunal Supremo 1212/2012, da 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo que se baseou na falta de contestação, nos termos dos artigos 23.º, 29.º, 72.º e 73.º, todos da Constituição da República de Angola – CRA.
V. APRECIANDO
Importa realçar, primeiramente, que o pedido reconvencional requerendo a condenação do autor Reconvindo a pagar USD 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil dólares americano) por litigar de má-fé, bem como outros pedidos complementares deveriam ter sido suscitados em jurisdição comum.
Ao Tribunal Constitucional compete, apenas e, em geral, administrar a justiça em matéria jurídico-constitucional, e especificamente no recurso extraordinário de inconstitucionalidade compete julgar em última instância decisões que violem princípios, direitos fundamentais, liberdades e garantias dos cidadãos estabelecidos na Constituição, vide alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho.
Em síntese, os recursos são meios processuais colocados a disposição das partes para impugnar decisões judiciais e requerer a reapreciação das mesmas por um tribunal tendencialmente superior e não meios de julgamento de questões novas, estando excluída a possibilidade de alegações de factos novos na instância de recurso.
Pelo que, improcede o pedido reconvencional ora apresentado.
O Venerando Tribunal Supremo proferiu o Acórdão em que confirmou que não se encontravam reunidos os requisitos consagrados por lei para que o justo impedimento fosse atendível.
Quanto a falta de citação que o Recorrente alega, este Tribunal entende que até o presente recurso em apreço, a falta de citação é um argumento novo, ao reconhecer o atraso na apresentação da contestação, alegando inclusive justo impedimento para justificar tal atraso, o qual não foi atendido quer pelo Tribunal Provincial quer pelo Venerando Tribunal Supremo, pelo que, sendo os Tribunais Superiores tribunais de reapreciação, não deveríamos conhecer desta questão, na medida em que tal violaria os princípios da legalidade, do contraditório e as regras subjacentes ao recurso extraordinário, pois o Tribunal Supremo não se pronunciou sobre essa questão (citação), uma vez que no âmbito do recurso ordinário o Recorrente não alega esta nulidade que, a existir, seria uma nulidade de conhecimento oficioso (vide do art.º 202.º do C.P.C.).
Porém, compete a este Tribunal Constitucional zelar e fazer respeitar os princípios que emanam da Constituição.
Assim, a questão a analisar é a de saber se o facto de a contestação não ter sido atendida, porque intempestiva, consubstancia uma violação do seu direito constitucionalmente consagrado, a um julgamento justo, equitativo e do princípio do contraditório.
Olhando para as circunstâncias do caso, verificamos que no dia 24 de Janeiro de 2012 e, contrariamente ao que alega o Recorrente, foi citado e informado do prazo peremptório de 20 dias, nos termos e para o efeito do n.º 1 do artigo 486.º do Código de Processo Civil (CPC), para apresentar a sua contestação cujo prazo terminaria no dia 13 de Fevereiro daquele mesmo ano (Cfr. a fls. 58 dos autos).
Ora, estes factos permite-nos concluir que a contestação, contrariamente ao que entendeu o Tribunal Supremo, está dentro do prazo.
Senão vejamos:
Neste concreto estatui o n.º 1 do art.º 143.º do CPC:
1." Os actos judiciais não podem ser praticados nos domingos nem em dias feriados nem durante as férias, exceptuam-se as citações, notificações, arrematações e os actos que se destinem a evitar dano irreparável.”
Ora, tratando-se, como se referiu, de uma acção declarativa de condenação, esta não tem o carácter urgente que permitiria correr durante o período de férias judiciais, ou seja, entre os dias 22 de Dezembro e o dia 1 de Março, razão pela qual não se deveria ter feito a citação.
Apesar do Recorrente ter sido “citado” para apresentar contestação no prazo de 20 dias com a respectiva cominação, o prazo para o fazer só começaria a correr no dia 1 de Março, pelo que, tendo sido junta no dia 7 desse mês, estava perfeitamente em tempo e deveria ter sido admitida.
O despacho de não admissão porque extemporânea, consubstancia, um evidente lapso do Tribunal que, seguramente, não considerou o facto de os actos judiciais se encontrarem suspensos por estarem em curso as férias judiciais, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 143.º do CPC, aplicável por força do n.º 2 da LPC.
Com efeito, se os actos estão suspensos, também o acto de citação para contestar no decurso das férias também estava suspenso e só seria exequível no dia de abertura do ano judicial, data a partir da qual começa a decorrer o prazo para contestar.
Ao assim decidir o Venerando Tribunal Supremo, ao não conhecer deste evidente lapso, violou os princípios da legalidade, do contraditório e de um julgamento justo, desatendendo à defesa do Recorrente, perfeitamente em tempo, com consequência tão gravosa como serem considerados provados todos os factos articulados pelo Autor.
Conclui-se, deste modo, pela procedência do Recurso o que necessariamente conduz à admissão da contestação e anulação dos demais actos praticados.
As demais questões que se prendem com o justo impedimento ficam naturalmente prejudicadas.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 8 de Maio de 2018.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dr.ª Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Raul Vasques Araújo (Relator)
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes