ACÓRDÃO N.º 488/2018
PROCESSO N.º 548-A/2017
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Nazim Sadrudim Charania, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do despacho proferido pelo Tribunal Supremo na parte em que declara extinto o procedimento criminal por amnistia e o condena na indemnização civil.
Por se tratar de um despacho que põe fim ao processo, o Venerando Juiz Conselheiro Presidente admitiu o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49.o da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.
O Recorrente invoca, em sede de conclusões, o seguinte:
“... O douto despacho de fls. 669 dos autos, especificamente na parte que ordena o pagamento da indemnização, viola claramente o n.º 2 do artigo 67.° da Constituição da República de Angola, CRA, ou seja, o princípio da presunção da inocência, sendo o mesmo inconstitucional.
- O sentido e alcance da segunda parte do despacho de fls. 669 dos autos desrespeita o princípio da irreversibilidade da amnistia consagrada no artigo 62.º da Constituição da República de Angola, e o mesmo se diz do n.º 2 do artigo 4.° da Lei n.º 11/16 de 12 de Agosto – Lei da Amnistia – que lhe serviu de fundamento, preceito igualmente inconstitucional, à luz das mesmas normas.
- A reparação civil deve ser considerada autónoma, cujos pressupostos de aplicabilidade devem ser apreciados autonomamente, não podendo ser condição para a aplicação de medidas a processos de natureza criminal, sobretudo para cidadãos que ainda pretendem fazer prova da sua inocência. Extinguir o procedimento criminal de forma generalizada, devia, por força do n.º 2 do artigo 65.° da CRA, implicar apenas que as partes do processo discutissem com autonomia se cabe ou não responsabilidade civil (que não tem de ser imputada obrigatória ou necessariamente, cabendo a solução apenas a um juiz cível).
- A perspectiva de que, não pagando a indemnização no período de um ano, pode implicar o retorno à prisão, viola igualmente o princípio da legalidade penal (n.ºs 2 e 3. do artigo 65.° da CRA), porquanto nullum crimen, nulla poena, sine lege praevia, certa.
Nestes termos e nos melhores de direito, requer que este Augusto Tribunal declare a inconstitucionalidade parcial do despacho objecto deste recurso, especificamente na parte que condiciona o benefício da amnistia por parte do réu à condição resolutiva de pagar a indemnização dentro do período de 1 (um) ano”.
Em termos conclusivos, o Recorrente requer a alteração da decisão judicial recorrida e a declaração de inconstitucionalidade do aludido despacho e, de forma tácita, da norma do n.º 2 do artigo 4.° da Lei n.º 11/16 de 12 de Agosto.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto, nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), contra o despacho do Juiz Conselheiro do Venerando Tribunal Supremo que declarou extinto o procedimento criminal por amnistia, sob a condição resolutiva de pagar a indemnização civil no prazo de um ano, por conter fundamentos que contrariam princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição.
Com efeito, trata-se de uma decisão que põe termo ao processo e, nessa medida, de acordo com jurisprudência já firmada por este Tribunal Constitucional, é o mesmo competente para julgar o recurso.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente é Réu no processo de polícia correccional n.º 1177/13-C, que correu os seus trâmites na 5ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, pelo que tem direito de contradizer, segundo dispõe a parte final do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), que se aplica, de modo subsidiário, ao caso em apreço, por previsão do artigo 2.º da referida LPC.
Assim sendo, o Recorrente tem legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como estabelece a alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é o despacho do Venerando Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo que declarou extinto o procedimento criminal por amnistia sob a condição resolutiva de pagar a indemnização civil.
V. APRECIANDO
QUESTÕES PRÉVIAS
A primeira questão é a de saber se, com o despacho do Juiz do Tribunal Supremo se esgotou ou não a cadeia recursória, nos termos do § único do artigo 49.º da LPC e se, em termos formais, não deveria ser um acórdão de uma das secções da Câmara Criminal do Venerando Tribunal Supremo a declarar a amnistia, ao invés de um despacho do Juiz Relator.
Entende este Tribunal que a amnistia, pela sua natureza, significa esquecimento, aniquila os factos passados objecto da incriminação “de sorte que aos olhos da Justiça, por uma ficção legal, considera-se como se nunca tivessem existido, salvo os direitos de terceiro com relação à acção cível para a reparação do dano” (vide Maia Gonçalves in Cód. Penal Anotado, 7.ª ed. pág 321).
Os direitos de terceiro estão, pois, salvaguardados pela acção cível que deve ser intentada no tribunal cível competente que não o criminal, pelo que não se pode sugerir que o Venerando Tribunal Supremo, depois de reconhecer que está amnistiado o crime, prossiga com o recurso para conhecer apenas da indemnização, sem que tenha sido exercido sequer o contraditório.
Há sistemas que permitem que a acção cível enxertada no processo penal seja conhecida pelo próprio tribunal criminal, assegurando, no entanto, que seja exercido o contraditório.
No nosso caso, a lei diz expressamente que é o tribunal cível que, nos casos abrangidos pela amnistia, deve conhecer da indemnização (vide artigo 5.º da Lei da Amnistia).
Portanto, estando o crime praticado abrangido pela amnistia, deve a indemnização ser conhecida pelo tribunal cível competente.
Deste modo, sendo a amnistia de aplicação imediata, os seus efeitos começam a partir da entrada em vigor da lei.
Neste sentido, o despacho do juiz ou o acórdão que reconhece que os factos estão abrangidos pela amnistia, constitui, no fundo, uma simples declaração que reconhece esse direito, pelo que se entende ser indiferente que se faça por despacho devidamente fundamentado do juiz ou por acórdão.
O importante é que esse despacho ou acórdão ponha fim ao processo na jurisdição dos tribunais comuns, não sendo possível que sobre ele recaia qualquer recurso ordinário, nos termos do § único do artigo 49.º da LPC.
A segunda questão diz respeito à alegação pelo Recorrente da inconstitucionalidade do n.º 2, do artigo 4.º da Lei da Amnistia (vide alínea b) das conclusões do Recorrente).
No caso presente, esclareça-se que a inconstitucionalidade do referido normativo da Lei da Amnistia deve ser impugnada através do recurso ordinário de inconstitucionalidade, enquanto que a violação dos princípios constitucionais que o Recorrente alega insere-se no âmbito do recurso extraordinário, pelo que não se pode tratar, no âmbito deste recurso, das duas questões, por serem pedidos incompatíveis a que correspondem espécies de recursos diferentes.
No entanto, apesar disso, para melhor conhecimento do objecto do recurso, far-se-á uma abordagem da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
FUNDAMENTAÇÃO
O Recorrente alega, para além do despacho do Juiz Conselheiro do Venerando Tribunal Supremo, um instrutivo daquele mesmo Tribunal que trata a questão da amnistia como uma espécie de pena suspensa que deve ser revogada, fruto “de uma interpretação totalmente contrária e ao arrepio do que postula este diploma legislativo (Lei n.º 11/16 de 12 de Agosto)...”.
As questões controvertidas em apreço exigem a apreciação do alcance destas medidas de clemência, como a amnistia e o perdão, porque só desse modo se conseguirá descortinar eventuais violações dos alegados princípios jurídico-constitucionais, por parte do Venerando Tribunal Supremo, seja no despacho, seja no instrutivo.
De acordo com a Constituição da República de Angola, compete ao Presidente da República indultar e comutar penas, alínea n) do artigo 119.º e à Assembleia Nacional cabe, por seu lado, conceder amnistias e perdões genéricos, alínea g) do artigo 161.º.
A amnistia é uma forma de extinção do procedimento criminal e incide sobre o crime, apagando-o, eliminando os efeitos jurídicos da infracção, suprimindo a incriminação.
Já o perdão dirige-se à pena e constitui uma forma de extinção, total ou parcial, da pena. Não apaga o crime, mas alguns ou todos os efeitos penais da infracção, mormente a pena, extinguindo-a no todo ou em parte.
Já se viu que hoje a Constituição da República alude que o indulto e a comutação de penas são da competência do Presidente da República e a amnistia e o perdão genérico da competência da Assembleia Nacional.
Também o n.º 3 do artigo 125.º do Código Penal se refere à amnistia, resultando expressamente que a amnistia extingue o procedimento criminal, as penas e medidas de segurança.
Naturalmente que estes efeitos dependem da fase do processo, ou seja, se ainda não houver condenação extinguem o procedimento criminal; se já houver condenação extingue as penas e medidas de segurança, de acordo com a doutrina anteriormente exposta, na medida em que apaga o crime.
Assim, em função do momento em que ocorre a causa de extinção do direito de punir e para caracterizar os efeitos que resultam do acto de clemência, a doutrina tem vindo a utilizar as noções de amnistia própria e amnistia imprópria: a primeira, intervindo na fase instrutória do processo penal ou antes ainda de ser proferida uma decisão definitiva, respeita ao próprio crime, implicando a extinção do procedimento criminal; a segunda, operando após a prolação de uma condenação penal, reporta-se às consequências jurídicas da infracção, fazendo cessar a execução da pena e destruindo os demais efeitos.
Sintetizando, enfatize-se que a amnistia actua sobre a própria infracção que determinou a aplicação da pena, fazendo-a como que desaparecer do mundo do direito ao aniquilar os factos incriminados, destruindo retroactivamente os seus efeitos e eliminando aqueles cuja acção persiste e a partir daí tudo se passa como se não tivesse existido. O mesmo é dizer que a amnistia acaba por levar à situação anterior, antes da imputação de qualquer conduta criminosa, ou seja, é como se não tivesse existido qualquer infracção.
Porém, podem existir razões que imponham limites a este princípio, obstando à produção de alguns efeitos da amnistia, cujo alcance depende de considerações de oportunidade e de justiça reconhecidas pelo legislador, o qual, em cada diploma, lhe há-de assinalar e demarcar a sua amplitude.
Daí que, se entenda que o artigo 5.º da mencionada Lei da Amnistia, constitua a tal limitação ao princípio da irreversibilidade da amnistia e venha expressamente referir que a mesma não prejudica a indemnização por perdas e danos, podendo os ofendidos instaurar a competente acção cível.
Com efeito, o facto de, por razões de vária ordem, o Estado ter decidido dar a sua clemência a determinados crimes, não pode, nem deve, ignorar a situação da vítima, garantindo que, pelo menos no plano dos danos, a justiça possa funcionar através de um mecanismo próprio que é o da responsabilidade civil por danos.
No entanto, esses limites não podem violar princípios constitucionais.
Se a amnistia tem este efeito de fazer desaparecer o crime e reconduzir a situação à data em que não existia infracção, nunca poderá ser concedida com a condição resolutiva de pagamento da indemnização imposta na sentença condenatória, na medida em que esta é um efeito da infracção que deixou de existir.
Por outro lado, cria uma evidente desigualdade entre os casos em que já houve condenação e aqueles em que ainda não houve, o que, nunca poderá acontecer face a um outro princípio constitucional – o da igualdade.
Por isso, perfilha-se o entendimento que a forma mais correcta de garantir a defesa das vítimas quanto a eventuais danos materiais ou morais seja o recurso a uma acção cível, tal como vem estatuído no mencionado artigo 5.º da Lei da Amnistia.
Assim, restará dizer, face ao entendimento dado à amnistia e seus efeitos, que o mencionado dispositivo (n.º 2 do artigo 4.º da Lei da Amnistia) viola o princípio da irreversibilidade da amnistia que tem consagração constitucional no seu artigo 62.º onde se pode ler: “São considerados válidos e irreversíveis os efeitos jurídicos dos actos de amnistia praticados ao abrigo da lei competente”.
Se irreversível significa “sem remissão, não ter como voltar atrás”, não se consegue entender que o legislador tenha imposto no n.º 2 do artigo 4.º, uma condição resolutiva que se prende com esses efeitos, pelo que, necessariamente, tem de se concluir que este normativo viola este princípio e outros que se verão oportunamente. E não se entenda que se possa permitir alguma “flexibilidade” (admitindo-se uma condição resolutiva) por se considerar a amnistia como uma “medida de carácter político”.
Também, o despacho objecto do presente recurso viola aquele princípio constitucional e de forma mais acentuada por causa do efeito suspensivo do recurso interposto, não tendo a decisão da primeira instância transitado em julgado, já que é unânime na doutrina e na jurisprudência que o trânsito só ocorre desde que a decisão ou despacho, não sejam passíveis de recurso ordinário.
Ora, sendo assim, no presente caso, é como se não tivesse havido ainda qualquer condenação, pelo que não podemos extrair o indispensável nexo de causalidade entre o comportamento do Réu e os danos resultantes da sua conduta ilícita, pressuposto indispensável nos termos do artigo 483.º do Código Civil para a condenação em indemnização civil.
Com efeito, o Recorrente enquanto Réu, foi condenado em primeira instância e tendo sido interposto recurso para o Venerando Tribunal Supremo, o seu efeito suspensivo determina que a condenação em primeira instância é como se não tivesse existido porque não transitou em julgado.
Entretanto, estando o crime abrangido pela Lei da Amnistia, o Venerando Juiz da Câmara Criminal do Tribunal Supremo dá um despacho a declarar extinto o procedimento criminal, sob a condição resolutiva de pagar a indemnização no prazo de um ano.
Ora, a condenação em indemnização foi imposta pela decisão da primeira instância que, como se referiu, com a interposição do recurso, deixou de existir. Sendo assim, não poderia o Venerando Tribunal Supremo ter condicionado a amnistia a essa condição resolutiva, porquanto, tudo se passa como se ainda não tivesse havido condenação.
O Venerando Tribunal Supremo ao assim decidir, como diz e bem o Recorrente, “...presumiu a sua culpa e pena, ordenando o pagamento da indemnização, como se tivesse sido efectivamente condenado...”.
Nesta conformidade, um Tribunal nunca pode julgar com base em presunções, mas apenas com provas devidamente fundamentadas e sustentadas.
Aqui, um parênteses para referir que não assiste razão ao Recorrente quando refere no articulado n.º 25.º das alegações que “ fruto de uma interpretação totalmente contrária e ao arrepio do que postula este diploma legislativo (Lei da Amnistia)...e quiçá no instrutivo proferiu o despacho...”. Na verdade, o despacho impugnado, não fosse a inexistência de uma decisão condenatória definitiva, não seria dado ao arrepio da referida lei, mas antes, em sua conformidade, tal como, de resto, o Recorrente acaba por vir a admitir, quando em sede de conclusões suscita a inconstitucionalidade do dispositivo que fundamenta um despacho proferido nestes termos.
Voltando à questão a decidir, dir-se-á que o despacho em causa está eivado de nulidades decorrentes, não tanto da violação do princípio da irreversibilidade da amnistia que terá mais a ver com os processos em que já tenha havido condenação, mas sobretudo, por violar os princípios da presunção da inocência e da legalidade, tal como foi alegado pelo Recorrente.
Se não vejamos,
Em termos jurídicos, esse princípio se desdobra em duas vertentes: como regra de tratamento (no sentido de que o acusado deve ser tratado como inocente durante o decorrer do processo, do início ao trânsito em julgado da decisão final) e como regra probatória (no sentido de que o encargo de provar as acusações que pesarem sobre o acusado é inteiramente do acusador, não se admitindo que recaia sobre o indivíduo acusado o ónus de "provar a sua inocência", pois essa é a regra).
Trata-se de uma garantia individual fundamental e um corolário lógico do Estado Democrático de Direito.
Também a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no seu artigo XI, 1, dispõe: “Toda pessoa acusada de um acto delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
A Constituição da República de Angola no mencionado artigo diz que: “Presume-se inocente todo o cidadão até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.
Vislumbra-se que a nossa Constituição trouxe uma garantia ainda maior ao direito da não culpabilidade, pois garante esse direito até o trânsito em julgado da sentença penal, não se referindo apenas à condenação.
Tal direito garante ao acusado todos os meios cabíveis para a sua defesa (ampla defesa), garantindo ao acusado que não será declarado culpado enquanto o processo penal não resultar em sentença que declare a sua culpabilidade e até que essa sentença transite em julgado, o que assegura ao acusado o direito de recorrer, como no caso em apreço.
Conclui-se que o referido despacho, ao acolher a condenação em indemnização civil da primeira instância, contraria de forma evidente este princípio, na medida em que o Réu ainda se presumia inocente por não existir trânsito em julgado da sentença.
Esse princípio encontra-se nos n.s 2 e 3 do artigo 65.º da CRA e representa uma garantia para todos os cidadãos, pois, por meio deste, estarão protegidos dos actos excessivos do Estado. A partir do referido princípio há uma limitação do poder estatal em interferir nas liberdades e garantias individuais do cidadão.
Assim sendo, se o efeito da amnistia é o de apagar o crime, no sentido de ter deixado de existir, não se pode condenar numa indemnização que tenha sido determinada por factos que perderam relevância criminal, sem prejuízo da sua valoração em sede de responsabilidade civil (artigo 5.º da Lei da Amnistia).
Nesse sentido, resulta evidente que o despacho recorrido viola este princípio fundamental.
Também, o Instrutivo n.º 001/16, de 26 de Agosto, apesar de não ser de aplicação obrigatória, porque o juiz deve apenas obediência à lei e à Constituição, sempre se dirá que viola os mencionados princípios, de forma ainda mais acentuada ao tratar o perdão como uma espécie de pena suspensa, já que, no caso de o Réu não pagar a indemnização recolhe ao estabelecimento prisional, o que não resulta nem do espirito nem da letra da mencionada lei.
Quanto à amnistia, nos casos em que os processos estejam pendentes no Venerando Tribunal Supremo (únicos que aqui pode interessar), o referido instrutivo retira qualquer efeito a esta medida de clemência ao determinar expressamente que: “...Relativamente aos processos pendentes e amnistiados no Tribunal Supremo deverão baixar ao Tribunal da causa, aguardando pelo decurso do prazo de um ano, findo o qual, não tendo o beneficiado feito prova de reparação por perdas e danos, deverão os autos ser remetidos à instância de recurso, para subsequente tramitação...”. O mesmo é dizer que não há aplicação da amnistia sempre que o Réu não pague a indemnização e os autos prosseguem, quando o efeito da amnistia é a de fazer apagar, desaparecer, o crime.
De resto, esta orientação ignora ainda, o efeito suspensivo do recurso ao tratar os processos que se encontram no Tribunal de Instância Superior como processos em que houve condenação, já que, relativamente aos que ainda não houve, sugere que se recorra aos Tribunais Cíveis.
Para além das mencionadas violações, está ainda patente a denominada prisão por dívidas, inadmissível em qualquer Estado de Direito e violadora dos mais elementares Direitos Humanos, o que, não podemos deixar de condenar.
De igual modo, apesar de, pelas razões anteriormente referidas, não ser este o recurso próprio para se declarar a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 4.º da Lei da Amnistia, é de se reconhecer a sua inconstitucionalidade.
Este Plenário do Tribunal Constitucional conclui que assiste razão ao Recorrente, devendo julgar o recurso procedente.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado acordam em Plenário os Juízes do Tribunal constitucional em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 5 de Julho de 2018.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel da Costa Aragão (Presidente -) declarou-se impedido.
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Simão de Sousa Victor (Relator)
Dr. Raúl Carlos Vasques Araújo