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ACÓRDÃO N.º 495/2018

 

PROCESSO N.º 641-C/2018

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I. RELATÓRIO 

KOSMOS, LDA, com os demais sinais de identificação nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, Proc. n.º 2270 (22/17) datado de 28 /09/2017, constante de fls. 270 a 275 dos autos, que negou provimento à sua reclamação. 

Inconformada, a Recorrente veio dele recorrer para este Tribunal, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. A ora Recorrente celebrara um contrato de arrendamento com a Sra. Irene Maria Teixeira Bendinha; nesta relação contratual, a primeira assumia a posição de inquilina e a segunda de senhoria, sendo esta última, alegadamente, a única e legítima proprietária do imóvel objecto do contrato.
  2. Com o decurso do tempo, a senhoria nunca conseguiu exibir algum título que demonstrasse a sua qualidade de proprietária do imóvel em arrendamento.
  3. Tal facto levou a Recorrente a suspender o pagamento das rendas até que aquela provasse documentalmente ser proprietária do referido imóvel.
  4. A senhoria intentou uma acção de despejo contra a Recorrente com fundamento no não pagamento de rendas, tendo juntado documentos falsos para provar a sua qualidade de proprietária.
  5. A aqui Recorrente contestou a acção de despejo e, concomitantemente, deu entrada de um incidente de falsidade, que, abusivamente, o Tribunal de 1ª instância não atendeu, porque os órgãos que deveriam atestar a veracidade ou não dos documentos não se pronunciaram, apesar de terem sido devidamente notificados.
  6. Sobre o despacho que pôs fim ao incidente de falsidade, a Recorrente interpôs recurso de agravo, e, enquanto esse recurso corria os seus trâmites na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, o Tribunal de 1ª instância deu provimento à acção de despejo, sem esperar a decisão do recurso de agravo que deu provimento ao mesmo.
  7. A aqui Recorrente, não se conformando com a decisão da acção de despejo em 1ª instância, interpôs recurso de apelação, tendo para o efeito juntado o Acórdão proferido no recurso de agravo.
  8. O recurso de apelação foi julgado improcedente, tendo, de imediato, a então apelante, mediante reclamação, pedido reforma do Acórdão que julgou improcedente o recurso, sendo que, na mesma senda, a reclamação foi julgada improcedente.
  9. O Acórdão de que aqui se recorre proferido pela Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, do Tribunal Supremo, violou o princípio constitucional do Estado democrático de direito, previsto no artigo 2º, o da legalidade, artigo 6.º, e o da universalidade consagrado no artigo 22.º, todos da Constituição da República de Angola (CRA). O mesmo Acórdão violou ainda os artigos 372.º e 875.º do Código Civil.
  10. Ao admitir que a então apelada comprou o imóvel ao Estado, sem esta ter feito prova documental da sua compra e de que essa compra foi feita nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 19/91, de 25 de Maio (Lei sobre a Venda do Património do Estado), em nenhum momento a então apelada provou a sua qualidade de inquilina do Estado para gozar da preferência na compra do imóvel, nem tão pouco comprovou a sua qualidade de proprietária mediante compra e venda, por escritura pública, nos termos do artigo 875.º do Código Civil (CC).

A Recorrente termina as suas alegações, solicitando que seja anulado o Acórdão que recaiu sobre a reclamação apresentada pela Apelante e consequentemente a anulação de todo o processo por violação dos princípios constitucionais do Estado democrático de direito, legalidade e universalidade.

O processo foi à vista do Ministério Publico.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso foi interposto nos termos do artigo 53.º e da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).

O Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o recurso.

III. LEGITIMIDADE

Para intervir no processo como parte, é necessária a existência de um interesse directo em demandar ou em contradizer. Este interesse, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08 (LPC), determina a legitimidade da Recorrente reclamante no processo n.º 2270 (22/17), que correu seus termos na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo.

Tem, assim, a Recorrente, legitimidade para formular o recurso que ora submeteu à apreciação do Plenário do Tribunal Constitucional.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto o acórdão do processo n.º 2270 (22/17), que correu seus termos na Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, proferido a fls. 270 á 275 dos autos, datado de 28 / 09 / 2017, que indeferiu a reclamação da Recorrente em que arguia a especificação e reforma do Acórdão sob o processo n.º 1381/2014 daquela mesma instância judicial.

V. APRECIANDO

A Recorrente, interpôs o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, contra o Acórdão da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo.

A Recorrente alega, entre outras, que o referido Acórdão violou o princípio da legalidade, consagrado no artigo 6.º da CRA, ao confirmar a decisão da 1ª instância que a condenou em acção de despejo sem a então apelada, a senhora Irene Maria Teixeira Neves Bendinha, ter apresentado documentos válidos que comprovassem a sua qualidade de proprietária do imóvel objecto do contrato de arrendamento celebrado entre ambos.

Não colhem os argumentos da aqui Recorrente sobre a suposta violação do aludido preceito constitucional, na medida em que a decisão ora recorrida foi feita com base na lei. Ora vejamos, disse-o bem, nos seus articulados, a Recorrente que os órgãos que deveriam comprovar a veracidade ou não dos documentos da então autora da acção de despejo em 1ª instância não se pronunciaram, apesar de terem sido devidamente notificados para o efeito, tendo, por isso, aquele tribunal dado provimento ao pedido e sequencialmente o Tribunal ad quem ter seguido a mesma ratio. De realçar que a falsidade de qualquer documento só é atendível quando existirem provas em contrário, de valor igual ou superior aos documentos supostamente falsos, emitidas por um órgão legalmente idóneo. Ora, no caso sub judice, não houve provas em contrário e, assim, para todos os efeitos são autênticos os documentos apresentados em juízo pela senhora Maria Teixeira Neves Bendinha, ipso facto, andou bem aquele Venerando Tribunal ao considerar improcedente a reclamação da Recorrente.

Ademais, a Recorrente alega a violação do princípio da universalidade, previsto no artigo 22.º, e do Estado democrático de direito, ambos previstos na CRA. Ora, este argumento não colhe, na medida em que o princípio da universalidade significa que ninguém tem mais ou menos direitos ou deveres e visa colocar todas as pessoas em posição de igualdade; só é posto em causa quando alguém é beneficiado em detrimento de outrem, que esteja numa posição igual ou superior ou tenha seus direitos legalmente tutelados e determinada decisão coloque condicionalismos subjectivos a desfavor destes direitos.

No presente caso, a Recorrente teve acesso aos tribunais em igualdade de circunstâncias, não se vislumbrando qualquer violação do referido princípio; pelo contrário, há um uso injustificado de instrumentos processuais por parte da Recorrente, na tentativa de protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão judicial, configurando-se essa conduta da Recorrente em litigância de má-fé, nos termos do artigo 456º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2 º da LPC. 

Quanto ao princípio do estado democrático de direito, este pressupõe que o Estado, latu sensu, deve sempre agir em conformidade com o direito e a lei vigente; no presente caso, a decisão Recorrida está em conformidade com a lei e o direito, ao visar essencialmente repor um direito de propriedade e outros conexos a este, nomeadamente o ius utendi, ius fruendi et ius abutendi, da então apelada, que, durante muitos anos, foi cerceado pela Recorrente, que o condicionou à apresentação de documentos comprovativos da titularidade do imóvel.

O Acórdão ora recorrido não violou nenhum dos preceitos constitucionais e legais invocados pela Recorrente, nem algum princípio constitucional que possa resultar em prejuízo da Recorrente ou da Constituição da República de Angola.

Analisado o Acórdão recorrido (fls. 270 e seguintes dos autos), o Plenário deste Tribunal concluiu que não existem fundamentos bastantes para dar corpo à pretensão da Recorrente, devendo a decisão recorrida ser considerada constitucional e, em consequência, manter o Acórdão que indeferiu a reclamação da Recorrente.

DECIDINDO

Neste termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:  

Com custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 14 de Agosto de 2018.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator) 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Neto 

Dr. Raúl Carlos Vasques Araújo 

Dr. Simão Sousa Victor 

Dra. Teresinha Lopes