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ACÓRDÃO N.º499/2018

 

PROCESSO N.º 630-D/2018

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade 

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I. RELATÓRIO

Judite Olinda Sebastião Corteis Gomes, melhor identificada nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão do Tribunal Supremo de 19/04/2017, a decisão proferida, 2017, em despacho saneador-sentença, pela 2ª Secção da Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, na acção de recurso em matéria disciplinar contra a CLIDOPA Angola – Clínica dos Petróleos e Corpo Diplomático Lda., em que esta empresa foi absolvida da instância.

A referida acção resultou da medida de despedimento aplicada contra a aqui Recorrente pela CLIDOPA Angola, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 49.º, com fundamento nos artigos 224.º, n.º 1 e 225.º, alíneas g) e 1) da Lei n.º 2/00, Lei Geral do Trabalho, LGT, aplicável à data dos factos. Estava em causa a acusação segundo a qual a Recorrente, na sua qualidade de Tesoureira, se havia locupletado com USD 5.700.00 (cinco mil e setecentos dólares americanos).

Em sede de conciliação, Judite Gomes deduziu pedido de indemnização, nos termos da LGT, com fundamento no seguinte:

  1. Acusação de furto sem provas;
  2. Não cumprimento da cláusula 3ª do contrato de trabalho (define como sendo de 8 (oito) horas diárias o período normal de trabalho);
  3. Não cumprimento da cláusula 5ª do contrato de trabalho (esta cláusula refere que o posto de trabalho obedece às condições de segurança, saúde e higiene legalmente exigidas);
  4. Não cumprimento da cláusula 7ª do contrato (estabelece que o contrato de trabalho só pode ser modificado nas condições previstas pela LGT ou por mutuo acordo das partes);
  5. Não cumprimento da adenda ao contrato de trabalho no concernente ao direito a consultas gratuitas de obstetrícia e ao internamento parcialmente gratuito na clínica, conforme regulamento interno e(A adenda ao contrato fixava, entre outros, o direito à assistência médica e medicamentosa, em conformidade com regulamento interno, para a trabalhadora e o agregado familiar directo);
  6. Não reembolso do valor de USD 1.250.00 (mil e duzentos e cinquenta dólares norte-americano) depositados como caução para o parto;
  7. Não pagamento do subsídio de maternidade e de aleitamento, pelo período de pelo menos 3 (três) meses.

Não tendo havido acordo na tentativa de conciliação, a Recorrente pediu, na fase judicial e em Articulado de Aperfeiçoamento do Pedido, o seguinte:

  1. A nulidade e inconstitucionalidade do despedimento verbal verificado a 15 de Junho de 2010, com as consequências previstas no artigo 228º da Lei nº 2/00 e com fundamento no artigo 76º, nº 4 da Constituição da República de Angola, CRA.
  2. A nulidade ou inconstitucionalidade do despedimento resultante do processo disciplinar por violação de formalidades imperativas, nos termos dos artigos 227.º e 228.º da LGT e n.º 4 do artigo 76.º da CRA, caso não proceda o arguido no n.º 1.
  3. A condenação da entidade empregadora na quantia de KZ 50.000.000.00 (cinquenta milhões de Kwanzas), a título de compensação pelas humilhações e acusações injuriosas e dores físicas e emocionais sofridas e pela impossibilidade do gozo da licença de maternidade e da assistência médica e medicamentosa, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, CC, e do artigo 7.º, n.º 1, alínea c) da LGT.
  4. O pagamento de horas extras, nos termos da lei.
  5. O envio de ofício à Inspecção Geral do Trabalho para comprovar os factos constantes nos documentos de fls. 29 e 40 dos autos (Dizem respeito à comunicação da instauração do processo disciplinar e aplicação da medida de despedimento, em resultado do previsto nos artigos 227.º, n.º 3 e 272.º, nº 1 alínea d) 4 e 5. A Inspecção Geral do Trabalho recusou-se, porém, a receber a cópia da comunicação referente à medida de despedimento, segundo anotação inserta no referido documento)

O Tribunal a quo considerou que nesse no articulado a ora Recorrente tinha aduzido factos novos relativamente ao pedido objecto da tentativa de conciliação, o que contrariava o disposto no artigo 316º, nº 1 alínea b), constituindo, como tal, uma excepção dilatória, nos termos do artigo 494º, nº 1, alínea a) do Código do Processo Civil, CPC. Com o presente fundamento, a Veneranda Juíza da causa declarou a absolvição da instância, ao abrigo do artigo 493º, nº 2 do CPC.

Em instância de recurso para o Tribunal Supremo, a Recorrente alegou a falta de “fundamentação de facto” do despacho saneador sentença, uma vez que o Tribunal, ao falar de factos novos não constantes do Requerimento Inicial, não os identificou, configurando a referida omissão vício de sentença gerador da nulidade do despacho, nos termos da alínea b) do artigo 668º do CPC, que determina como nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Considerou igualmente que ao assim proceder, o Tribunal a quo fez uma má interpretação do artigo 316º, nº 1, alínea b) da LGT, que se refere ao aperfeiçoamento do processo, estabelecendo que o requerente no Articulado Adicional de Aperfeiçoamento do Pedido não deve criar novas situações relativamente às reclamações e aos valores sobre que incidiu a diligência conciliatória referidos na acta respectiva.

Estas duas questões, ou seja, as de saber (i) se o despacho saneador sentença violou o disposto na alínea b) do artigo 668º do CPC, e (ii) se o Juiz a quo fez ou não uma interpretação errada da lei, foram delimitadas pelo Venerando Tribunal Supremo como objecto do recurso, que foi julgado nos termos do artigo 715º do CPC, na medida em que o Tribunal decidiu pela nulidade do despacho saneador - sentença. Lê-se, a págs.18 do Acórdão posto em crise, que “ (…) não tendo o Mmº Juiz a quo especificado quais as novas situações criadas pela Agravante (aqui Recorrente), relativamente às reclamações e aos valores sobre que incidiu a diligência conciliatória, referidos na respectiva acta, este violou, efectivamente, o disposto na al. b) do artigo 668ºdo CPC, tendo como consequência a nulidade. Desta sorte deve ser declarada nula a referida decisão (…)”.

No seu julgamento, o Tribunal concluiu, todavia, que os pedidos constantes no Articulado Adicional constituem efectivamente a formulação de pedidos diferentes, dos apresentados no requerimento oferecido na fase conciliatória, podendo criar efectivamente novas situações e reclamações sobre os valores de que incidiu a diligência conciliatória e decidiu, por isso, negar provimento ao recurso, que qualificou como de Agravo, atribuindo-lhe efeito suspensivo.

Deste modo, em sede do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, a Recorrente alega que o Acórdão prolatado pela Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo viola o princípio da legalidade e o direito à tutela jurisdicional efectiva, na medida em que considera que:

  1. O Venerando Tribunal Supremo violou a lei ao validar uma decisão Judicial de 1ª instância que julgou nula por falta de fundamento.
  2. O Tribunal recorrido violou ainda a lei quando, sem qualquer respaldo legal, comparou factos constantes dos requerimentos da ora requerente (Recorrente) e, até com o fundamento na qualificação diferente, julgou improcedente o recurso da Recorrente.
  3. A norma que fundamenta a decisão recorrida (artigo 316º da LGT) não autoriza o Tribunal Supremo a decidir como decidiu sem que os factos demonstrem claramente que apenas houve qualificação diferente e concretização dos pedidos.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. LEGITIMIDADE

A Lei do Processo Constitucional é, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, com a alteração restante da Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro, competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que violem princípios, direitos fundamentais, garantias e liberdades dos cidadãos, após o esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos da Lei 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, LPC, estabelece que têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade o Ministério Público e as pessoas, que de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.

A Recorrente é parte na acção de recurso impetrada junto do Tribunal Supremo, cujo provimento lhe foi negado. Tem, consequentemente, legitimidade para recorrer.

III. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O Tribunal Constitucional é, nos termos alínea a) do artigo 49º da Lei 3/08, com a alteração resultante da Lei nº 25/10, de 3 de Dezembro, competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que violem princípios, direitos fundamentais, garantias e liberdades dos cidadãos, após o esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, faculdade igualmente estabelecida na alínea m) do artigo 16º da Lei nº 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC, com a alteração que resulta da Lei 24/10, de 3 de Dezembro.

A decisão proferida pelo Tribunal Supremo esgota, deste modo, a cadeia recursória em sede de jurisdição comum.

IV. OBJECTO DO RECURSO

Constitui objecto deste recurso verificar a alegada inconstitucionalidade do Acórdão do Tribunal Supremo, por violação do princípio da legalidade e do direito à tutela jurisdicional efectiva.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

V. APRECIAÇÃO

Do presente recurso decorre um pedido de sindicância da  inconstitucionalidade do Acórdão prolatado pela Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo por alegada violação do princípio da legalidade e do direito à tutela jurisdicional efectiva.

Para tanto, a Recorrente arrola três questões que concretizariam a desconformidade da decisão recorrida com os acima mencionados princípio e direito constitucionalmente consagrados e que têm que ver, grosso modo, com a validação do despacho saneador sentença proferido pela primeira instância, não obstante ter sido julgado nulo pelo Tribunal recorrido, por ausência de fundamentação; com a qualificação dos factos trazidos ao processo  em sede da acção de recurso em matéria disciplinar e com a subsunção desses factos à norma do artigo 316º, alínea b) da Lei nº 2/00.

Neste sentido, cabe apreciar.

O Venerando Tribunal Supremo, alicerçado na falta de fundamentação, julgou nulo o despacho saneador sentença, concluindo que o Tribunal a quo não havia especificado os factos novos que a aqui Recorrente incluíra no Articulado de Aperfeiçoamento e que os diferenciavam dos apresentados no Requerimento Inicial.

Assim, com amparo na norma do artigo 715º do C.PC, o Venerando Tribunal Supremo conheceu do Agravo formulando, contudo, um juízo decisório igual ao da 2ª Secção da Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, ao confirmar o despacho saneador impugnado, ainda que partindo de uma premissa aparentemente distinta, apenas concretizada na identificação dos factos novos, aferida a partir da qualificação que a Recorrente fez desses factos.

Em concreto, o Tribunal ad quem estabeleceu uma relação de “causa e efeito” entre o que designou de nova qualificação dos factos e os pedidos deduzidos no Articulado Adicional de Aperfeiçoamento e subsumiu a referida qualificação à norma da alínea b) do artigo 316º da LGT, firmando interpretação no sentido dessa qualificação reflectir novas situações relativamente às reclamações e aos valores sobre que incidiu a diligência conciliatória.

Porém, ainda que assim tenha considerado, essa apreciação não incidiu sobre a totalidade dos pedidos apresentados em sede do Articulado de Aperfeiçoamento. Do aresto posto em crise retira-se o seguinte: No caso em apreço se compararmos os pedidos formulados no Requerimento Inicial (fls. 7), aos pedidos formulados no Articulado Adicional de Aperfeiçoamento de fls. 48-52, somos peremptórios em afirmar que, os pedidos referentes aos números 3, 4 e 5 do Articulado Adicional não constam efectivamente do R. Inicial (págs. 174 dos autos). Tais pedidos, como acima vertido, referem-se ao pagamento de compensação no valor de Kz 50.000.000.00, ao pagamento de horas extras e ao envio de um ofício à Inspecção Geral do Trabalho para a confirmação de procedimentos previstos na LGT.

Como se constata, o Venerando Tribunal Supremo não se pronunciou sobre os dois outros pedidos incluídos no Articulado de Aperfeiçoamento, os dos números 1 e 2, que se reportam a invocada nulidade do despedimento, matéria cuja apreciação não se revela prejudicada pelo não conhecimento dos três outros pedidos. Aliás, a procedência ou não destes pedidos resolveria implicitamente a questão da indemnização.

Atente-se que, embora a nulidade do despedimento, nos termos do nº3 do artigo 228º da Lei nº 2/00, então aplicável, não pressuponha, em bom rigor, um direito à indemnização, mas antes o direito à reintegração e o pagamento dos salários e complementos devidos até ao momento da reintegração, a dedução no Requerimento Inicial de um pedido geral de indemnização traduz, obviamente, a não conformação da Recorrente com o despedimento que, in abstractum, poderia ter sido julgado ilícito, nulo ou improcedente, com as devidas consequências legais. Em todo o caso, o pedido de indemnização surgiria sempre, ao abrigo do artigo aqui em referência, como medida alternativa à da reintegração.

E nesta perspectiva, entende este Tribunal que se impunha ao Venerando Tribunal Supremo, enquanto instância de recurso, proferir uma decisão que respondesse integralmente ao thema decidendum, conhecendo do mérito da causa, ou seja, formulando um juízo de decisão sobre a ilicitude ou não do despedimento, até mesmo em  face da natureza específica da relação de trabalho, que se estrutura em torno do princípio da protecção do trabalhador,  que tem subjacente a ideia de ver mitigado no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fáctico existente na relação laboral.

O Acórdão ora impugnado contraria, deste modo, o disposto na alínea d) do artigo 668º do Código do Processo Civil, CPC, aplicado subsidiariamente ao processo laboral, ex vi do artigo 59º do Decreto Executivo Conjunto, nº 3/82 de 11 de Janeiro, que fere de nulidade a decisão judicial quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo esta consequência jurídica também uma manifestação do princípio do dispositivo consagrado no artigo 264ºdo CPC. Sobre o Tribunal recai, assim, a obrigação de apreciar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos, excepto os considerados juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se afigure despicienda em função do tratamento jurídico dado aos demais, tal como se extrai da doutrina e da jurisprudência (ver, vg., Teixeira de Sousa em Estudos sobre o novo Processo Civil).

Por outro lado, a quantificação do valor da indemnização/compensação, como o fez a Recorrente no nº 3 do Articulado de Aperfeiçoamento, não parece configurar uma nova situação, ao abrigo da norma do artigo 316º, alínea b) da Lei nº 2/00, como entendido pelo Venerando Tribunal Supremo. Esta norma refere, concretamente, que nesse articulado não devem ser criadas novas situações relativamente às reclamações e aos valores sobre que incidiu a diligência conciliatória, referidos na acta respectiva. Ora, na acta da Tentativa de Conciliação, a págs. 43 dos autos, a enunciação dos pedidos é feita por simples remissão para o Requerimento Inicial, nos termos do artigo 313, nº 6 da LGT.

Nesse requerimento, a Recorrente formula, de facto, um pedido geral de indemnização, não quantificado, assente em motivos que, mutatis mutandis, não contrariam os fundamentos desenvolvidos no Requerimento Inicial.  Pedir uma indemnização com fundamento na acusação de furto sem provas (alínea a) do Requerimento Inicial) não parece contrariar um pedido de compensação com fundamento em humilhações e acusações injuriosas, como expresso no nº 3 do Articulado de Aperfeiçoamento. Por outro lado, a quantificação da indemnização afigurar-se-ia, à partida, irrelevante, tendo em conta que também a LGT aplicável à data dos factos define a forma de calcular o valor da compensação pela cessação do vínculo de trabalho ( ver artigos 261º e sgts da Lei nº 2/00), pelo que não se vislumbra em que medida é que a Recorrente tenha procedido naquele articulado a uma nova qualificação dos factos, como entendeu o Venerando Tribunal Supremo.

E esta mesma compreensão poderá valer para o pedido de pagamento de horas extras (nº 4 do Articulado de Aperfeiçoamento) versus pedido de indemnização pelo não cumprimento da cláusula 3ª do contrato de trabalho, que define como sendo de 8 (oito) horas diárias o período normal de trabalho (alínea b) do Requerimento Inicial).

Assim considerando, não se afigura despiciendo enfatizar, uma vez mais, que toda teleologia subjacente ao direito do trabalho assenta na compreensão da desigualdade existente entre os sujeitos da relação laboral, empregador e empregado, o que determina a opção por critérios de tutela que privilegiem o lado mais fraco, em decorrência do princípio da protecção do trabalhador.

No caso vertente e à luz do presente entendimento, justificar-se-ia fazer prevalecer uma interpretação da norma da alínea b) do artigo 316º em sentido mais favorável à pretensão da Recorrente, ou seja, em sentido que conduzisse à uma apreciação do mérito dos pedidos formulados em sede do Articulado de Aperfeiçoamento.

Acresce ainda referir que com a anulação do despacho saneador sentença seria expectável que o Venerando Tribunal Supremo formulasse um juízo de decisão num outro sentido, isto é, que não culminasse com a confirmação do despacho impugnado, sob pena de se materializar a nulidade prevista na alínea c) do artigo 668º do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Todavia, no julgamento do recurso, o Tribunal firma a sua convicção assente nos factos constantes do processo e na subsunção desses factos às normas jurídicas aplicáveis, ao abrigo de um processo de interpretação que resulta da sua compreensão sobre a matéria controvertida em apreciação.

O Tribunal, além do dever de obediência à lei, está igualmente vinculado quer aos princípios gerais do direito, quer aos princípios fundamentais da ordem jurídica. Por aplicação do princípio do dispositivo, ao abrigo do qual são definidos os poderes de cognição do Juiz, o Tribunal ad quem obrigava-se a conhecer dos pedidos formulados pela ora Recorrente, ainda que parcialmente, tendo em conta a motivação vertida no Acórdão recorrido, o que, porém, não ocorreu.

A esta mesma conclusão chegar-se-ia se colaccionado o princípio da estabilidade do emprego, vertido no nº 4 do artigo 76º da CRA, que consagra o direito à indemnização decorrente do despedimento sem justa causa. À luz deste comando constitucional, caberia aferir da (i) licitude da medida de despedimento disciplinar aplicada à Recorrente, conformando-se, deste modo, a pretensão desta (Recorrente) com a norma da Constituição. Aliás, como se retira da doutrina e da jurisprudência, uma das mais importantes dimensões do princípio da estabilidade do emprego reside na proibição do despedimento sem justa causa, o que igualmente pode ser visto como uma concretização do princípio da protecção do trabalhador.

A par disso, se apreciado o caso sub judice à luz do princípio da legalidade, cuja violação é invocada pela Recorrente, dúvidas não subsistirão, ante o acima expendido, que o Acórdão impugnado atenta contra este princípio, inerente ao Estado de Direito e que serve de parâmetro de validade de toda acção dos poderes públicos, que deve subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade, respeitando e fazendo respeitar as leis. (artigo 6º da CRA).

Este princípio materializa, assim, o respeito pela lei, quer em sentido formal, quer em sentido material, pelo que as decisões judiciais devem reflectir a sua conformidade com a lei e, consequentemente com a Constituição, sob pena de afectação da sua validade. Ora, o aresto em sindicância foi prolatado à margem do que dispõe a alínea d) do artigo 668º do CPC.

Deste modo, afectada a validade da decisão, resulta afectado o direito à tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 29º da CRA, cuja violação foi igualmente arguida pela Recorrente. Na verdade, este direito, que emana do direito de acesso ao direito e aos tribunais, pressupõe que as decisões proferidas pelos órgãos com competência para administrar a justiça devam dar resposta às pretensões submetidas a juízo de modo efectivo. 

A tutela jurisdicional efectiva requerida aos tribunais implica, assim, a prolação de decisão final fundada na lei e incidente sobre o mérito causa, podendo, no entanto, tal decisão ser favorável ou desfavorável à pretensão de quem recorre a instâncias judiciais para dirimir um qualquer conflito. E este entendimento tem sido firmado pela vasta jurisprudência deste Tribunal Constitucional a respeito do direito à tutela jurisdicional efectiva.

Os Tribunais estão vinculados à Constituição e a lei (artigos 175º e 177º da CRA), sendo que o direito ao trabalho, que emerge da relação laboral, é um direito com consagração constitucional (artigo 76º da CRA) que, a igual que os demais direitos fundamentais, concretiza as exigências de liberdade, igualdade e dignidade, requerendo, por isso, uma protecção máxima e adequada à tutela dos direitos fundamentais.

O Tribunal ad quem, ao confirmar o despacho saneador - sentença que absolveu da instância a empresa CLIDOPA, sem conhecer da invocada nulidade do despedimento, aferindo das consequências legais daí decorrentes, matéria que se subsume aos pedidos formulados pela Recorrente, prolatou uma decisão ferida de inconstitucionalidade, por não observância do preceituado na alínea d) do artigo 668º do CPC, o que contraria o princípio da legalidade e o direito à tutela jurisdicional efectiva.

Decidindo,

Nestes termos, tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em conferir provimento ao recurso e, em consequência, declarar inconstitucional o Acórdão proferido pela Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, por violação do princípio da legalidade e do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrados respectivamente nos artigos 6º e 29º da Constituição da República de Angola, CRA.

Sem custas pela Recorrente (artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho e do nº 5 do artigo 7º da Lei nº 9/05 de 17 de Agosto – Lei sobre a Actualização das Custas Judiciais e de Alçada dos Tribunais).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda aos 04 de Setembro de 2018.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Drª. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa.

Dr. Carlos Magalhães 

Drª. Josefa Neto (Relatora) 

Drª. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira 

Drª. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dr. Raúl Carlos Vasques Araújo.

Dr. Simão de Sousa Víctor 

Drª. Teresinha Lopes.