ACÓRDÃO N.º 501/2018
PROCESSO N.º 599-C/2017
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade.
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Paulina Lúcia de Fátima Dembele, melhor identificada nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade (REI) do Despacho proferido a fls. 233 a 235 pela Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, que julgou deserto o seu recurso, por falta de pagamento de preparos iniciais e da respectiva multa.
Em síntese, a Recorrente, contra quem fora proposta uma acção de despejo aos 28 de Agosto de 2007, foi condenada, nos termos do pedido, pela Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial da Huíla.
Porque não se conformou com a decisão, interpôs recurso de apelação, que, depois de cumpridas as formalidades legais, subiu para o Tribunal Supremo para apreciação e decisão.
Uma vez distribuído o processo no Tribunal Supremo, e porque a Recorrente não pagou os preparos iniciais nos 5 (cinco) dias seguintes, foi notificada para cumprir os termos do artigo 134.º do Código das Custas Judiciais (CCJ), ou seja, pagar um imposto igual ao preparo e depositar o preparo que deixou de fazer no prazo de 5 (cinco) dias.
Porque não cumpriu o disposto neste artigo, o seu recurso foi declarado deserto por falta de pagamento dos preparos iniciais, com fundamento no n.º 1 do artigo 292.º do Código de Processo Civil (CPC).
Quando foi notificada desta decisão final do recurso, que implicava a extinção da instância, apresentou reclamação nos termos do n.º 2 do artigo 688.º do CPC, que foi indeferida pelo Venerando Juiz Presidente do Tribunal Supremo.
Por não ter pago as custas finais devidas pelos autos de recurso, o Ministério Público propôs e fez seguir contra a Recorrente uma execução por custas.
Por outro lado, porque perante um quadro em que se assumia estar-se diante de um caso julgado, a contraparte requereu a execução da sentença.
Ambas as execuções se encontram suspensas pela admissão do presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade.
Em resumo, alega a Recorrente que o Cartório do Tribunal Supremo notificou do Despacho que mandava cumprir os termos do artigo 134.º do CCJ uma advogada que não era a sua mandatária forense nessa altura (sublinhe-se, há já 5 (cinco) anos), pelo que não teve conhecimento do teor desse Despacho. Tendo sido feita em pessoa diversa das mandatárias da Recorrente, considera a notificação inexistente.
Conclui que, com a decisão recorrida, foram violados os princípios do acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 29.º n.º 2 e 5, e nos artigos 23.º e 31.º n.º 2 da Constituição da República de Angola (CRA).
Por tudo o exposto, a Recorrente termina pedindo ao Tribunal Constitucional a anulação da decisão recorrida e que o seu recurso de apelação siga a sua tramitação normal até decisão final.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais dos Juízes Conselheiros deste Tribunal, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos das disposições combinadas da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional - LOTC) e da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional).
III. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, (LPC), têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
A Recorrente é ré no processo que, com n.º 2007/223-A, corre os seus termos na 1ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial da Huíla e apelante no processo n.º 2125/2014 que correu termos na Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, tendo, por essa razão, legitimidade para interpor o presente recurso.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é apreciar se o Despacho proferido pelo Tribunal Supremo, a 11 de Setembro de 2015, viola os direitos fundamentais da Recorrente, consagrados no n.º 1 do artigo 29.º, acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; 23.º, princípio da igualdade; e no artigo 31.º, que consagra a inviolabilidade da integridade moral, intelectual e física das pessoas, todos da CRA, ou qualquer outra disposição constitucional.
V. APRECIANDO
Compulsados os autos, verifica-se que as actuais advogadas da Recorrente se constituíram mandatárias da Recorrente no processo mediante requerimento junto aos autos a fls. 174 e 175, a 1 de Março de 2013. Estes mesmos autos foram apresentados ao Tribunal Supremo a 02 de Julho de 2014, para efeitos de apreciação e julgamento do recurso de apelação interposto pela ora Recorrente.
Na situação em análise, a Recorrente não procedeu ao pagamento dos preparos e da multa nem foi notificada do Despacho de fls. 228 verso, que manda aplicar o disposto no artigo 134.º do CCJ, cuja notificação foi feita, erradamente, à antiga mandatária da Recorrente que tinha renunciado ao mandato em 26 de Julho de 2011 (há mais de 5 anos).
Não restam dúvidas de que a omissão desses actos, dessas notificações, à Recorrente, constituem uma nulidade processual, que determina a declaração de deserção do recurso e extinção da instância, comprometendo, assim, o seu direito fundamental de aceder a um segundo grau de jurisdição para assegurar a reapreciação de uma decisão desfavorável, o direito ao recurso e a tutela jurisdicional efectiva, tal como previsto nos n.º 7 do artigo 67.º e 72.º da CRA.
Saliente-se que, no presente caso, (i) as notificações não foram feitas as mandatárias constituídas da Recorrente, (ii) existe uma violação do direito fundamental à habitação, (iii) a Recorrente tem reduzidas possibilidades económicas e (iv) se verificou violação de normas fundamentais, constitucionalmente consagradas.
Assim, tendo o despacho recorrido violado os aludidos princípios constitucionais, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente remeter os autos ao Venerando Tribunal Supremo para que reforme a decisão, nos termos do n.º 2 do artigo n.º 47.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:
Custas, nos termos da segunda parte do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).
Notifique.
Plenário do Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 19 de Setembro de 2018.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Josefa Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes (Relatora)