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ACÓRDÃO N.º502/2018

PROCESSO N.º 644-B/2018

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência no Plenário do Tribunal Constitucional:

 

I. RELATÓRIO

Tito Alfredo Gungu, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional impetrar um Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade do Acórdão do Venerando Tribunal Supremo n.º 218, da 1ª Secção da Câmara Criminal, que indeferiu a providência de habeas corpus.

Para tanto o recorrente alega a fls. 34 dos autos em, síntese, que:

  1. O réu preso foi detido nesta cidade de Luanda em Junho de 2013 e condenado à pena de prisão maior de 14 anos pelo crime de violação de menor de 12 anos, perfazendo actualmente (cinco) anos, ou seja, mil cento e trinta dias em prisão preventiva com culpa formada.
  2. Face a esta grosseira violação da lei, nos termos do artigo 40.º da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, segundo a qual a prisão preventiva deve cessar quando, desde o seu início, decorram: n.º1 da alínea a), “quatro meses sem acusação do arguido” e alínea b) “seis meses sem pronúncia do arguido”. O réu por intermédio do seu Advogado apresentou uma providência de habeas corpus junto do Tribunal Supremo, datada de 1 de Fevereiro de 2018.
  3. Passados que foram três meses desde o pedido de habeas corpus junto do Tribunal Supremo, o mesmo indeferiu apresentando fundamentos contrários à Constituição da República de Angola, à lei e a jurisprudência.
  4. O Tribunal Supremo indeferiu o pedido fundamentado nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 40.º, da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, segundo a qual a condenação em primeira instância constitui o limite para o excesso de prisão preventiva.
  5. O mais estranho e triste é saber que o Tribunal Supremo reconhece haver violação crassa à Constituição da República e aos direitos fundamentais e se manteve em silêncio, remetendo o réu à reclamação pela demora no julgamento do processo.
  6. Os fundamentos apresentados pelo Tribunal Supremo são vexatórios e abusivos, mostrando claramente um desrespeito à Constituição, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, à Declaração Universal dos Direitos Humanos e à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, aliás, devidamente juntos aos autos como forma de refrescar-lhes quanto ao excesso de prisão preventiva com culpa formada.
  7. O cumprimento da legalidade é um pressuposto basilar de um Estado democrático e de direito pois a Constituição da República de Angola, artigo 6.º (Supremacia da Constituição e da Legalidade), no seu n.º 2, afirma que “o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis”.
  8. Não pode, havendo uma violação grosseira dos direitos fundamentais do cidadão, o Tribunal Supremo manter-se sereno e conformar-se ao artigo de uma lei infraconstitucional ferindo os princípios de justiça e responsabilização, bem como, violando o disposto no n.º 2 do artigo 2.º da CRA.
  9. De acordo com o n.º 2 do artigo 36.º da Constituição da República de Angola, “ninguém pode ser privado de liberdade, excepto nos casos previstos pela Constituição e pela lei”. Pois que, a própria Constituição (artigo 68.º n.º 1) garante habeas corpus sempre que haja abuso de poder ou prisão ilegais ao dizer: todos têm direito a providência de habeas corpus contra abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o Tribunal competente.
  10. A ser assim estamos perante um excesso de prisão preventiva que necessariamente descamba para violação dos direitos humanos a que nosso Estado respeita, protege e defende.
  11. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, a que Angola aderiu, afirma no seu artigo 3.º “todo o individuo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, afirma ainda a DUDH, no seu artigo 9.º, que ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.
  12. Hoje já existe jurisprudência suficiente relativamente ao excesso de prisão preventiva com culpa formada (vide Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 121/2010; 124/2011; 139/2011; 312/2013; e 403/2016), todos unânimes a aplicar o excesso de prisão preventiva ou posterior à pronúncia.
  13. Alega ainda o Recorrente a existência de violação do prazo de prisão preventiva e do n.º 2 do artigo 36.º e n.º1 do artigo 66.º da CRA.

O Recorrente vem a esta instância requerer a revogação do Douto Acórdão do Venerando Tribunal Supremo que indefere a providência de habeas corpus, sublinhando, no final, que lhe seja dado provimento ao referido pedido de habeas corpus, concedendo a liberdade ao réu por violação da Constituição, da lei e da jurisprudência.

Admitido o Recurso em observância ao disposto no artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi impetrado nos termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho da Lei do Processo Constitucional (LPC).

Considerando a alegada violação de princípios constitucionais é esta instância competente para conhecer do processo e dele dizer o que lhe assiste.

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é arguido no Processo de Querela n.º 535/13-A-C que correu seus trâmites na 10ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, pelo que tem direito a contradizer segundo dispõe a parte final do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicado supletivamente por força do artigo 2.º da LPC.

Assim, tem o Recorrente legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como estabelece a alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

IV. OBJECTO

O objecto do presente Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade é o Acórdão n. º 218, da 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, e cabe aqui verificar se houve ou não violação do prazo de prisão preventiva, constituindo assim provimento a providência de habeas corpus, garantia fundamental de consagração constitucional.

V. APRECIANDO

No decurso da tramitação do presente processo, este Tribunal teve conhecimento de que o Venerando Tribunal Supremo decidiu em segunda instância do recurso ordinário interposto pelo ora Recorrente, tendo este sido absolvido.

Assim, torna-se inútil conhecer deste requerimento de habeas corpus, cujo fim e objectivo já foram realizados.

Nestes termos e tendo em conta o disposto na alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, existe uma inutilidade superveniente da lide.

DECIDINDO

Nestes termos, tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:

 Sem custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de Setembro de 2018.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. Carlos Magalhães 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora) 

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango

Dr. Raúl Carlos Vasquez Araújo 

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Teresinha Lopes