ACÓRDÃO N.º 503/2018
PROCESSO N.º 638-D/2018
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Augusto Cahiata Mundanha, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão de 7 de Dezembro de 2017, da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 151/2017, que negou provimento ao seu pedido de providência de habeas corpus.
Notificado para apresentar alegações de recurso nos termos do artigo 45.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional – LPC, o Recorrente não apresentou as referidas alegações.
Não obstante isso, o Recorrente no seu requerimento de interposição do recurso, refere, que:
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional – LPC, norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional, de “sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.
Ademais, foi observado o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente encontrando-se actualmente na condição de arguido preso no âmbito do Processo n.º 1409/016/SIC/PGR N.º1386/017, que tramita nos Serviços de Investigação Criminal do Moxico, intentou no Tribunal Supremo uma providência de habeas corpus, nos termos dos artigos 36.º, 64.º, 65.º e 68.º, todos da CRA, pedindo que fosse ordenada a sua libertação imediata, por violar princípios e direitos constitucionais, tendo o Tribunal Supremo indeferido o seu pedido.
O Recorrente tem, assim, legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, conforme prevê a alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao estabelecer que têm legitimidade para interpor recurso extraordinário “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade é a decisão vertida no Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que negou provimento ao pedido de habeas corpus formulado pelo Recorrente, no âmbito do Processo n.º 151/2017.
V. APRECIANDO
a. Ausência de alegações
Conforme referido no Relatório do presente acórdão, o Recorrente foi devidamente notificado a apresentar alegações de recurso, findo o prazo o mesmo não juntou alegações, o que implicaria a deserção do recurso, nos termos do artigo 690.º do Código de Processo Civil – CPC.
No entanto, o Tribunal Constitucional tem vindo a firmar jurisprudência sobre esta matéria, conforme os Acórdãos nºs 491/2018, 364/2015, 358/2015 e 355/2015, defendendo que sempre que se consiga extrair do requerimento de interposição de recurso a pretensão do Recorrente, bem como os princípios e direitos constitucionais cuja violação pretenda que o Tribunal Constitucional aprecie, o processo deve ser admitido, em homenagem aos princípios da adequação funcional e da autonomia do processo constitucional.
Na verdade, no requerimento de interposição de recurso a fls. 15 consta a referência, na perspectiva do Recorrente, dos princípios e direitos constitucionais violados em relação ao presente recurso.
b. Apreciação da matéria do recurso
É submetida à apreciação do Tribunal Constitucional o Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que negou provimento ao pedido de habeas corpus formulado pelo Recorrente.
Na verdade, todos têm o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder em virtude de prisão ou detenção ilegal, nos termos do artigo 68.º da CRA, conjugado com a alínea c) do artigo 315.º, do Código de Processo Penal – CPP.
No entanto, o provimento do pedido de habeas corpus depende da verificação de um dos pressupostos do artigo 315.º do CPP, nomeadamente:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por quem para tanto não tenha competência legal;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei não autoriza a prisão;
c) Manter-se além dos prazos legais para a apresentação em juízo e para a formação de culpa;
d) Prolongar-se além do tempo fixado por decisão judicial para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação.
No presente recurso o Recorrente não alega a violação de qualquer uma das alíneas supramencionadas, porque efectivamente não houve qualquer violação destes pressupostos, no entanto alega o Recorrente ter havido violação dos princípios da presunção de inocência, da igualdade de tratamento, da proporcionalidade, da necessidade e da razoabilidade.
Ora, o habeas corpus é uma providência extraordinária destinada a assegurar, de forma especial, o direito à liberdade, e a lei estabelece pressupostos indispensáveis para a sua concessão a ocorrência de prisão efectiva, actual e ilegal, nos termos do artigo n.º 68.º da CRA, o que não se verifica, pelo que não é atendível o pedido do Recorrente.
O Recorrente suscitou a violação dos princípios da presunção de inocência, da igualdade de tratamento, da proporcionalidade, da necessidade e da razoabilidade pelo facto de ter sido mantida a sua prisão, enquanto para os demais co-arguidos do mesmo processo, foi a prisão preventiva substituída por outra medida de coacção menos gravosa.
Não obstante tal matéria ser própria do processo principal, não sendo o âmbito de uma providência de habeas corpus o adequado para tratar de tais questões, importa esclarecer o seguinte:
Em processo penal, a participação e/ou os indícios da prática do crime podem ser diferentes para cada um dos arguidos no processo, sendo que o princípio da igualdade visa tratar como igual o que é igual e de forma diferente o que for efectivamente diferente; pelo que a aplicação de diferentes medidas de coacção a diferentes co-arguidos, por si só, não pode ser considerada como violação do princípio da igualdade.
Por outro lado, não deve a prisão preventiva em momento algum ser considerada como uma presunção de culpa, pois trata-se de uma medida cautelar que visa salvaguardar perigos, como o de perturbação da investigação, a continuação da actividade criminosa, o perigo de fuga, devendo a aplicação de qualquer medida de coacção respeitar os princípios da adequação e da proporcionalidade em relação a cada arguido, na medida da sua participação no crime.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de Setembro de 2018.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente – Relatora)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes