ACÓRDÃO N.º 505/2018
PROCESSO N.º 633-C/2018
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Bruno Alexandre Lopes dos Santos, melhor identificado nos autos, veio a este Tribunal interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 183 da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo que negou provimento ao seu pedido de habeas corpus.
O Recorrente, alega o seguinte:
Por fim, o Recorrente requer que seja julgado procedente o presente recurso e declarada inconstitucional a decisão recorrida, ordenando imediata e incondicionalmente a sua restituição à liberdade.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, ao abrigo do § único e da alínea a) do artigo 49.º, e da alínea e) do artigo 3.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), bem como do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente requereu nos autos de providência de habeas corpus, ao Tribunal Supremo, que fosse ordenada a sua imediata e incondicional restituição à liberdade, tendo sido indeferida por ter considerado que a prisão em causa é legal.
Resulta, daqui, que o Recorrente tem interesse directo em contradizer e, em consequência, legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como estabelecem a alínea a) do artigo 50.º da LPC e o n.º 1 do artigo 26.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade é a verificação da existência ou não de violação do direito à providência de habeas corpus, em função do Acórdão prolactado pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que negou provimento ao pedido de liberdade do Recorrente.
V. APRECIANDO
O Recorrente foi julgado e condenado a 3 anos de prisão maior, pela 7.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, por ter incorrido na prática do crime de actos preparatórios de organização, associação ou grupo terrorista, todos com cominação legal no n.º 6 do artigo 61.º da Lei n.º 34/11, de 12 de Dezembro, Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo (LCBCFT).
Entretanto, um dia antes da leitura da sentença condenatória, proferida a 24 de Novembro de 2017, o diploma supracitado foi parcialmente revogado pela entrada em vigor da Lei n.º 19/17, de 25 de Agosto, Lei sobre a Prevenção e o Combate ao Terrorismo (LPCT), que, por sua vez, desagravou a moldura penal abstracta de 8 para 3 anos de prisão maior, aplicável aos crimes praticados pelo Recorrente.
O Recorrente entende, assim, que se a primeira instância tivesse julgado com base na moldura penal da lei mais favorável, em vigor à data do julgamento, teria sido condenado a pena de 1 e não de 3 anos de prisão maior, resultando disso o seu pedido de providência de habeas corpus, que, entretanto, foi negado pelo recorrido Tribunal ad quem.
Ora, o Tribunal Constitucional não perfilha do entendimento do Recorrente, porque a providência de habeas corpus é um direito assegurado a todos “contra abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal”, como consagra o n.º 1 do artigo 68.º da CRA.
Do texto da Constituição destaca-se, desde já, uma questão que se afigura relevante para a compreensão desta providência, mormente, o comprovado abuso de poder resultante da aplicação inconstitucional de uma medida privativa de liberdade por parte de uma entidade pública, com ou sem competência para o efeito.
É, necessariamente, corolário do abuso do poder, a detenção ou prisão ilegal, sendo ambos requisitos para que o cidadão que se sinta eventualmente lesado, requeira a providência de habeas corpus.
Portanto, o alcance prático daquela norma constitucional, que prevê a providência de habeas corpus, resume-se na tutela da liberdade física do ser humano, enquanto direito fundamental à sua existência.
Este Tribunal considera, assim, que o habeas corpus é um direito especial, na medida em que é atribuído a certa pessoa face a motivos específicos, eventualmente verificáveis.
Tais motivos referem-se a uma prisão efectiva e actual, ferida de ilegalidade, porque efectuada ou ordenada por quem para tanto não tenha competência legal, baseada num facto pelo qual a lei não autoriza prisão, mantida para além de prazos fixados pela lei ou por decisão judicial e prolongada além do tempo fixado para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação, como disciplina o § único do artigo 315.º
do CPP.
Com base nesse fundamento legal, a interposição da providência de habeas corpus só é possível se verificado um daqueles requisitos supracitados e não forem cumpridos os prazos de prisão preventiva regulados pela Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal.
Em conclusão, entende este Tribunal que a necessidade de protecção do princípio constitucional da aplicação da lei penal mais favorável, alegada pelo Recorrente, não possui nenhuma correspondência com os requisitos legais que justificam a tutela do direito à providência de habeas corpus, nos termos definidos pela Constituição.
DECIDINDO
Nestes termos
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, a 3 de Outubro de 2018.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. Carlos Magalhães (Relator)
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dra. Teresinha Lopes