ACÓRDÃO N.º 513/2018
PROCESSOS N.º 490-C/2015
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Domingos Francisco João, com os demais sinais de identificação nos autos, interpôs no Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, Processo n.º 14531, alegando, no essencial, o seguinte:
Inconformado com a decisão do Tribunal Supremo, e por entender que este violou:
1.- O princípio da legalidade - Estabelece o artigo 65.º, n.º 4 da Constituição da República de Angola (CRA) que, “ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos…”.
2.- Ora, com a anulação de todo processado, não é permitido que daí se retirem elementos que permitam a valoração da conduta do cidadão e, a avaliação da medida adequada ao mesmo. Na verdade, não existem pressupostos para a aplicação de qualquer medida limitadora dos direitos do cidadão, não foi sequer criado um juízo de suspeita.
3.- Assim sendo, não existe base legal que sustente a decisão do Tribunal Supremo.
4.- Violação do princípio da imparcialidade e da igualdade - Estabelece o n.º 1, do artigo 23.º da CRA, que “ todos são iguais perante a Constituição e a Lei” o que não foi respeitado, pelo conteúdo do Acórdão que serviu de suporte à decisão ora parcialmente recorrida.
5.- Isto pressupõe dizer que, situações idênticas devem merecer o mesmo tratamento perante a CRA e a Lei, e, por vinculação do cumprimento da lei e da observância dos pressupostos constitucionais, os órgãos judiciais, na sua actuação, devem tornar para casos idênticos quantos aos elementos constitutivos e anímicos, as mesmas decisões.
6.- No caso em consideração, a situação é ainda mais grave, visto que, sobre os mesmos factos e circunstâncias foram acusados vários indivíduos, contudo, o Tribunal Supremo ordenou a soltura dos restantes sem quaisquer condicionalismos limitadores das liberdades, apenas, ao Recorrido, a liberdade foi restringida.
7.- Violação flagrante dos direitos e liberdades fundamentais do cidadão, derivado de uma decisão do Tribunal Supremo é bastante para justificar a intervenção do Tribunal Constitucional para a fiscalização concreta de forma a declarar a sua desconformidade constitucional.
O Recorrente termina, requerendo:
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
O Tribunal Constitucional é, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que contrariem princípios, direitos, garantias e liberdades constitucionalmente consagrados, após o esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, faculdade igualmente estabelecida na alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
III. LEGITIMIDADE
Para intervir nos processos como parte, afigura-se necessária a existência de um interesse sério em demandar e contradizer. É este interesse que confere a legitimidade ao Recorrente, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC).
O ora Recorrente é parte processual no processo n.º 14531, que correu os seus termos no Tribunal Provincial de Malanje. Não se conformando, interpôs recurso para o Tribunal Supremo, que não conheceu do recurso, devolvendo-o à 1.ª instância e determinando a substituição da prisão do Recorrente para uma medida de coacção mais leve, o Termo de Identidade e Residência (TIR).
IV. OBJECTO
O presente recurso tem por objecto a apreciação do Acórdão do Tribunal Supremo, relacionado com o Processo n.º 14531, que decidiu não conhecer do recurso e mandou anular o que já tinha ordenado no Processo n.º 12896, todo o processado, (incluindo o julgamento) devendo os presentes autos ser apensados ao processo principal e prosseguir trâmites conjuntamente contra todos os R. R. acusados, com observância de todas as formalidades legais, termina, ordenando “ Passe mandado de soltura a favor do réu, mediante termo de identidade e residência (TIR)”.
É também objecto de recurso o Despacho de Indeferimento do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, que indeferiu a Reclamação, conforme fls. 14 do Processo n.º 485-B/ 2015, no dia 19 de Outubro de 2015, com fundamento no artigo 42.º, n.º 5 da LPC.
E, ainda, o Despacho de fls.30, feito no Processo n.º 493-B/2015, que manda juntar os Processos: o Processo 493-B/2015 ao Processo 490-C/2015.
Assim, só há um processo a conhecer na prática, isto é, o Processo 490 - C/2015.
V. APRECIANDO
a. Aplicação da medida de coação
O Recorrente veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Venerando Tribunal Supremo, de 07//08/2014 e do Despacho do Juiz Conselheiro Presidente, que indeferiu a Reclamação apresentada a fls. 14 do Processo n.º 485-B/2015, que decidiu não conhecer do recurso, com mandado de soltura do Recorrente, mediante Termo de Identidade e Residência (TIR).
O Recorrente não concorda com o teor do douto Acórdão, razão pela qual recorreu para o Tribunal Constitucional.
Na sua exposição, o Recorrente alega que o Acórdão ora recorrido é materialmente inconstitucional porque viola os princípios da legalidade e da imparcialidade, da igualdade consagrados constitucionalmente e, como consequência, a manutenção e interdição de saída do país, com mandado de captura não levantado pelo Tribunal da 1.ª Instância, mesmo sem resultar do Acórdão ora parcialmente recorrido.
A medida de coação “termo de identidade e residência” do ponto de vista teleológico é entendida como uma medida cautelar com fins intra-processuais, como as outras, sendo a medida mínima, obrigatória que acompanhará em princípio o arguido desde que o processo prossiga.
No momento em que uma pessoa é constituída arguida num processo de investigação, fase na qual se recolhem provas ou indícios para posteriormente formular uma acusação, pode ser-lhe aplicada qualquer medida de coação, incluindo, o termo de identidade e residência, que é a medida de coacção mínima e que se traduz numa situação de limitação da liberdade em que o arguido é obrigado a informar as autoridades policiais caso tenha de se ausentar por mais de cinco dias.
O arguido é considerado inocente até à condenação com trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo de lhe poder ser aplicada essa ou outra medida de coacção, face as condições concretas do caso.
b. Supremacia da Constituição e da legalidade
Sobre a suposta violação do princípio constitucional da legalidade, este princípio visa o primado da Constituição que implica o primado dos direitos fundamentais. No Estado de direito, as restrições aos direitos e liberdades dos cidadãos estão sujeitas à reserva da lei nos termos estabelecidos na Constituição.
Com a anulação do julgamento e da pronúncia, o Tribunal Supremo decidiu pela soltura do Recorrente e a aplicação de uma medida de coacção pessoal menos grave, o Termo de Identidade e de Residência (TIR) que obriga o Recorrente a comparecer perante as autoridades competentes e a manter-se à sua disposição sempre que a lei o obrigar ou for devidamente notificado, em observância aos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da necessidade.
Não houve, assim, violação deste princípio, tendo o Venerando Tribunal Supremo actuado nos termos da Constituição e da lei.
c. Princípio da igualdade
O princípio da igualdade admite exige justificação clara e pormenorizada de todo o tratamento desigual entre cidadãos, na medida em que encerra, em si, a proibição de discriminação.
O valor da igualdade acabaria por criar, ele próprio, profundas desigualdades. Na verdade, tratando todos por igual, sem atender às suas reais condições, não cumpre com os ideais da igualdade. Começou, a entender-se que, para que todos fossem tratados de forma igual, ter-se-ia de aplicar a fórmula tratar igual o que é igual e tratar desigual, o que é desigual.
Assim, a discriminação formal tem de ser uma via para a realização material. Uma vez que, nenhuma pessoa e situação é exactamente como a outra, a igualdade converte-se na prática, numa igualdade essencial na qual um grupo de pessoas em situações equiparáveis.
No caso “sub judice”, a medida aplicada ao Recorrente, deveu-se aos antecedentes no processo, pelo facto, da sua não comparência, fez com que o Recorrente fosse julgado à revelia, o que, o diferencia dos demais co-réus, que se encontram em liberdade provisória mediante caução, nos termos do artigo 271.º do C.P.P. Todavia, o facto de não ter sido decretada idêntica medida aos co-réus, não determina que assim seja na pronúncia. Não houve privilégios de uns em detrimento de outros, e consequentemente, não houve violação deste princípio constitucional estruturante.
d. A imparcialidade dos Magistrados Judiciais
A imparcialidade dos juízes é um princípio constitucional, quer se conceba como uma dimensão da independência dos tribunais (artigo 175.º da CRA) quer como elemento da garantia do “processo equitativo” (n.º 2 do artigo 174.º da CRA). Importa, que o juiz que julga o faça com isenção e imparcialidade e, bem assim, que o seu julgamento, ou o julgamento para que contribui, surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial.
No caso em análise, apesar das irregularidades que ocorreram em 1.ª instância, como ficou patente nos autos, que conduziram à anulação do processo pelo Venerando Tribunal Supremo, tendo demonstrado, a imparcialidade do juiz. O Recorrente com a sua argumentação não provou que o juiz tivesse agido de forma parcial.
Não houve, assim, violação deste princípio.
O Professor Gomes Canotilho defende: «O direito de acesso à justiça é condicionado pelo princípio da subsidiariedade relativamente às vias de acesso ao direito e aos tribunais constitucionalmente em geral, estabelece-se à exaustão de vias de acção de recursos ordinários antes de poderem passar ao Tribunal Constitucional».
É também a visão de alguns doutrinadores, para fundamentar a especialização da jurisdição constitucional face à jurisdição comum, defendem que: «perante a crescente constitucionalização e jus fundamentação dir-se-á que a justiça constitucional é indispensável quando ela preencha algumas lacunas de protecção jurídica dos cidadãos. (...) Justifica-se assim, a criação de acções constitucionais de defesa ou de amparo por violação de direitos fundamentais resultantes de actos do poder judicial». (Gomes Canotilho, Direito de Acesso à Justiça Constitucional – Luanda, Junho de 2011, no mesmo sentido, Jorge Alexandro Amaya, Control da Constitucionalidade, ASTREA 2012; Osvaldo A. Gozaini, Processo y Constitucion, Editar 2013).
De acordo com a jurisprudência deste Tribunal (vide Acórdãos nºs 146/2011, 331/2014, 385/2016 e 407/2016), no caso “sub judice”, não existindo ainda decisão sobre o crime imputado, não poderá dela recorrer-se. Não se verifica o esgotamento prévio das vias ordinárias de recurso, pressuposto fundamental para que haja admissão de recurso de inconstitucionalidade, e obtenção de tutela jurisdicional junto do Tribunal Constitucional, nos termos do § único do artigo 49.º da Lei n.º 3/08 de 17, de Junho conjugado com a alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
Pelo exposto, este Tribunal concluí que, caso o Recorrente se considere insatisfeito com a morosidade do andamento do processo, pode reclamar, obedecendo à cadeia de recurso que a lei impõe.
Com este fundamento entende o Tribunal Constitucional que o Acórdão recorrido decidiu em conformidade com a Constituição e a Lei.
Entretanto e na pendência do processo os prazos referidos no artigo 40.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, Lei das medidas cautelares em processo penal, foram já vencidos pelo que deve este aspecto ser tomado em consideração pelo Tribunal competente, nos termos estabelecidos na lei.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Custas pelo Recorrente nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda 6 de Novembro de 2018.
OS JUIZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa (Relator)
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor (declarou-se impedido)
Dra. Teresinha Lopes