ACÓRDÃO N.º 515/2018
PROCESSO N.º 658-B/2018
Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações - Recurso para o Plenário
Em nome do povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Abel Epalanga Chivukuvuku, devidamente identificado nos autos, Presidente da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), vem interpor o presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do Acórdão n.º 497/2018 deste Tribunal, datado de 14 de Agosto deste ano.
O referido Acórdão foi proferido pelo Plenário deste Tribunal, no Processo n.º 643-A/2018, interposto pelos seguintes partidos: Partido de Aliança Democrática para o Desenvolvimento de Angola - Aliança Patriótica (PADDA-AP), Partido de Aliança Livre de Maioria Angolana (PALMA), Partido Pacifico Angolano (PPA), Partido Nacional de Salvação de Angola (PNSA) e Partido Democrático para o Progresso e Aliança Nacional de Angola (PDP-ANA) - integrantes da CASA - CE - contra o ora Recorrente.
Nas suas alegações, o Recorrente invoca, globalmente, o seguinte:
A. Sobre a natureza jurídica da CASA - CE
Por isso, a Coligação funciona também nos períodos não eleitorais, como organização político partidária.
B. Sobre a organização e funcionamento espelhado na alínea b) do nº 1 do Acórdão
3. Não é aceitável que se defenda que a organização e funcionamento das coligações devam assentar apenas na vontade casuística dos partidos políticos que a compõem, mas nos documentos que livremente negociaram e aceitaram, nomeadamente nos Congressos e nos Estatutos, que fixam a organização e funcionamento da CASA-CE. Essa vontade está inserta, nomeadamente, no artigo 26º dos Estatutos, livremente sufragados.
E nunca o Tribunal Constitucional considerou ilegais os vários documentos sufragados pelos partidos políticos que integram a coligação.
C. Sobre o Conselho Presidencial, alegadamente "órgão central" da CASA - CE
O Conselho Presidencial não é o órgão central da CASA - CE. O órgão central da coligação é Conselho Deliberativo Nacional (artigo 31º dos Estatutos), que delibera no intervalo entre dois Congressos.
a. Os Estatutos da CASA - CE (artigo 2º) diferenciam claramente os seus membros constitutivos dos seus integrantes;
b. Os Estatutos conferem o direito de participação na vida pública, através da CASA - CE (por força do nº 1 do artigo 52º e do artigo 55º, ambos da CRA;
c. O artigo 146º da CRA, ao permitir que as listas de candidatos a deputados apresentadas por partidos políticos e coligação possam integrar cidadãos não filiados naqueles, permitiu a candidatura de independentes. Esta situação é reforçada pelo disposto na Lei 13/17, de 6 de Julho - Lei Orgânica que aprova o Regimento da Assembleia Nacional.
D. Sobre a alegada mera coordenação do Presidente da CASA - CE
8. Não é de aceitar que o Presidente da Coligação se torne dependente, a cada momento, da vontade dos partidos políticos coligados. Isso só aconteceria na falta de órgãos competentes da coligação, como se infere do Acórdão nº 105/2009, de 2 de Abril, deste Tribunal.
Relativamente à CASA - CE, as partes convencionaram, nos vários acordos, que o Presidente seria eleito directamente por todos os integrantes da Coligação, em Congresso convocado para o efeito.
a. A CASA - CE não é uma coligação com fins meramente eleitorais;
b. Os Estatutos da CASA - CE representam a legítima e última vontade dos membros da coligação e, por isso, é o instrumento politico mais importante;
c. A decisão sobre a composição do Conselho Presidencial é uma questão interna exclusiva da coligação e não do Tribunal Constitucional;
d. O Acórdão recorrido violou o princípio da proibição de ingerência nos assuntos internos da coligação, ao afastar os membros independentes do Conselho Presidencial e determinando a forma de participação de entidades convidadas;
f. O Acórdão recorrido violou um princípio fundamental em matéria de recurso que é o princípio do pedido, pois pronunciou-se sobre factos não solicitados pelos Recorrentes, como é o caso da composição do Conselho Presidencial, seus membros e funções e, por isso, deve ser declarado nulo e de nenhum efeito; e
O Requerente juntou às suas alegações cópias de:
a. 6 (seis) actas, de reuniões de todos os partidos que integram a Coligação, datadas de 2012, que, entre outros aspectos, elegem os órgãos de direcção da Coligação - o Conselho Presidencial,
b. 2 (dois) Despachos de Anotação, do Tribunal Constitucional, de 5 de Maio de 2014 e de 23 de Janeiro de 2017;
c. ofício nº 002/GPP.TC/2017, que igualmente confirma a anotação da nova Direcção da Coligação, bem como das demais deliberações do II Congresso, realizado nos dias 6 e 7 de Setembro de 2016;
d. Acordo de Princípios das partes integrantes da CASA, datado de 2012.
Nas suas contra-alegações, os Recorridos limitam-se a referir que entendem que o recurso é improcedente, porquanto:
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
Compete ao Tribunal Constitucional a resolução dos conflitos internos dos partidos políticos e coligações de partidos que resultarem da aplicação dos seus estatutos ou convenções partidárias, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – Lei dos Partidos Políticos (LPP).
Compete, igualmente, ao Tribunal Constitucional, julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis, vide as disposições conjugadas da alínea j) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) e a alínea d) do artigo 63.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC).
No presente caso, e embora o Acórdão recorrido tenha já sido proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional (n.º 1 do artigo 66º da LPC), a jurisprudência do Tribunal Constitucional, até ao momento, é no sentido de que cabe sempre recurso para o Plenário das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional em primeira instância, vide Acórdãos nºs 110/2009, de 13/11; 137/2011, de 12/7; 347/2015, de 9/7; 386/2016, de 10/5 e 399/2016, de 5/7.
III. LEGITIMIDADE
O Recorrente, na qualidade de Presidente da Coligação CASA - CE, foi recorrido no processo que deu origem ao Acórdão ora posto em causa e tem, por esta razão, interesse directo em demandar.
Assim, o Recorrente tem legitimidade para apresentar o presente recurso ao Plenário.
IV. OBJECTO
O objecto do processo é o Acórdão n.º 497/2018 do Tribunal Constitucional, de 14 de Agosto de 2018, que resultou de um conflito entre 5 (cinco) dos partidos membros da Coligação CASA-CE (PALMA, PADDA-AP, PPA, PNSA e PDP-ANA) e o seu Presidente, emergido da interpretação dos poderes dos partidos em relação à organização e funcionamento da Coligação e o papel e as competências do Presidente bem como o esclarecimento da validade e importância do Pacto Constitutivo da Coligação em contraposição aos seus Estatutos, matéria que foi objecto do Acórdão nº. 497/2018, de 14 de Agosto de 2018.
V. APRECIANDO
A CASA-CE, para além de quaisquer outras finalidades políticas que possa ter, nos termos dos seus documentos constitutivos e reitores, é, fundamentalmente, uma coligação eleitoral constituída ao abrigo do artigo 35.º da Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro – Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (LOEG), cuja anotação foi admitida por via do Acórdão n.º 160/2012, de 26 de Abril, proferido por este Tribunal.
Como todas as coligações de partidos é regida por um Acordo Político de Constituição e pelos seus Estatutos, que definem o seu âmbito, finalidade e a sua duração específica, tal como vem previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 35.º da LPP. No caso da Coligação CASA-CE, foi celebrado um Pacto Constitutivo em 2012 pelos partidos PALMA, PADDA-AP, PNSA e PPA que determinou a criação voluntária da coligação e a consequente aprovação de estatutos próprios. Este Pacto foi objecto de renovação a 18 de Abril de 2017.
A CASA-CE, e sem prejuízo de outras finalidades políticas que possa prosseguir, é uma coligação com fins eleitorais. Tal facto resulta da própria denominação adoptada (Coligação Eleitoral) e é confirmado e comprovado no artigo 4.º do Acordo Constitutivo da Coligação, nos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Pacto de Renovação do Acordo Constitutivo, no artigo 3.º dos seus Estatutos e nos Acórdãos deste Tribunal n.º 160/2012, de 26 de Abril e n.º 423/2017, de 11 de Maio.
Ressalte-se que a Coligação CASA-CE foi constituída com a finalidade de participar nas eleições gerais de 2012 e renovada para concorrer às eleições gerais de 2017.
Os membros da coligação são única e exclusivamente os partidos políticos que a integram, por serem apenas estes que possuem a qualidade, natureza e legitimidade jurídicas para constituir entre si uma coligação. Pois, uma coligação não é mais do que a união voluntária de dois ou mais partidos políticos para a prossecução de interesses comuns.
Esta compreensão decorre da interpretação da lei e pode ser inferida dos próprios pedidos de constituição e de renovação da Coligação. Como se pode constatar dos Acórdãos n.º 160/2012, de 26 de Abril, e n.º 423/2017, de 11 de Maio, ambos proferidos por este Tribunal, os pedidos foram apresentados e subscritos tão-somente pelos partidos constituintes, por serem estes os únicos entes jurídicos que possuem legitimidade para constituir e renovar coligações de partidos. Os cidadãos – pessoas físicas ou singulares – não possuem legitimidade para constituir coligações de partidos políticos, embora possam integrá-las, e é por esta razão que nenhum cidadão subscreveu o pedido de constituição nem o de renovação da Coligação CASA-CE, nem mesmo o seu Presidente agora Requerido.
A organização e funcionamento da Coligação são determinados pela aplicação combinada das cláusulas compromissórias do Pacto Constitutivo e dos seus Estatutos, ambos aprovados pelos partidos que compõem a coligação, nos termos do respectivo acordo de constituição.
Como refere o Acórdão n.º 497/2018 deste Tribunal, "Decorre da lei e da jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional, que as coligações não são entidades autónomas dos partidos membros, tão pouco existem para além destes. O elemento determinante da existência de uma coligação é a transferência ou partilha da vida dos partidos que a integram, sem estes a coligação não sobrevive".
Assim, a Coligação CASA-CE não é uma instituição partidária autónoma e dissociada dos partidos que a integram e existe por causa do pacto político por estes celebrados no sentido de a criar, num primeiro momento e de a renovar, num segundo momento.
Nestas condições, os membros independentes da Coligação só podem constituir partidos políticos obedecendo aos procedimentos estabelecidos nos artigos 12.º e seguintes da Lei dos Partidos Políticos, mas fora da Coligação e não financiados por esta, e, após a sua criação, estes partidos podem ou não - conforme o entenderem - solicitar a integração nesta ou em outra coligação, nos termos estabelecidos na lei.
Acresce que os membros das comissões instaladoras dos novos partidos não podem estar filiados na Coligação CASA-CE, sob pena de violar o princípio da filiação única estabelecido no artigo 23.º da LPP, que visa assegurar que os cidadãos filiados num partido político ou coligação de partidos não lhes façam concorrência desleal.
A referência que o Acórdão n.º 497/2018 faz sobre o papel do Conselho Presidencial e o Presidente da CASA - CE resulta do pedido feito pelos 5 (cinco) dos 6 (seis) partidos que integram a Coligação ao Tribunal Constitucional, no Processo n.º 643-A/2018, para que se pronunciasse sobre:
Não poderia, por isso, o Tribunal Constitucional deixar de analisar os documentos que regulam as coligações à luz da Constituição e demais legislação em vigor. Não existe, pois, qualquer nulidade no referido Acórdão.
Conclusão
Entende, assim, o Tribunal Constitucional, que, sem prejuízo dos outros objectivos da Coligação CASA-CE, ela é, nos termos da lei, uma coligação com fins eleitorais e, consequentemente, a sua constituição, bem como a sua extinção dependem exclusivamente da vontade dos partidos políticos que a integram, conforme dispõe o artigo 35.º da Lei dos Partidos Políticos. No caso da Coligação CASA-CE, esta orientação legal é confirmada nos artigos 1.º e 3.º do seu Pacto de Constituição.
Mais do que os Estatutos, o Pacto Constitutivo e restantes documentos que regem a vida da Coligação, a Constuição da República de Angola e restante legislação aplicável à vida dos partidos políticos e coligações, devem ser escrupulosamente respeitadas.
Deste modo, e como refere o Acórdão n.º 497/2018, "sendo os partidos políticos entes jurídicos cuja personalidade e autonomia são directamente reconhecidas na Constituição, têm a obrigação de se regerem por princípios de transparência, de organização e de gestão democrática e de participação de todos os seus membros". Assim, a composição do Conselho Presidencial, a sua forma de actuação e o seu funcionamento devem obedecer rigorosamente a esses princípios constitucionais.
Assim, o Acórdão objecto do presente recurso não violou a proibição de ingerência nos assuntos internos da Coligação, na medida em que (i) respondeu às solicitações dos recorrentes e (ii) apenas se manifestou na medida em que se tratava de fazer respeitar a Constituição e a Lei dos Partidos Políticos.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Tribunal Constitucional, em Luanda, 15 de Novembro de 2018.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes (Relatora)