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ACÓRDÃO N.º 517/2018

PROCESSO N.º 636-B/2017

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO 

Carlos Osvaldo da Costa Almeida, devidamente identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pela 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que o condenou na pena de 14 anos de prisão maior pela prática do crime de homicídio voluntário simples, previsto e punível pelo artigo 349.º do Código Penal (CP).

O Recorrente, inconformado com o Acórdão prolatado pelo Tribunal Supremo, em síntese, arguiu o seguinte:

  1. Que foi condenado pelo Tribunal “a quo” na pena de 18 anos de prisão efectiva pela autoria do crime de homicídio voluntário simples, previsto e punível pelo artigo 349.º do CP. Entretanto, na instância de recurso, no Tribunal “ad quem”, foi-lhe aplicada a pena de 14 anos de prisão maior, nos termos dos artigos 91.º e 349.º, ambos do CP.
  2. Que a instrução preparatória, o julgamento em primeira instância e a apreciação do processo no Tribunal “ad quem” foi realizada com total violação dos princípios constitucionais designadamente:

a) Violação do princípio do contraditório

O Recorrente, tendo já mandatário constituído, não foi notificado para fazer parte da reconstituição do crime, o que demonstra inequivocamente que tanto a entidade a quem competia instruir o processo bem como as entidades jurisdicionais ignoraram totalmente este preceito constitucional, tendo tratado o Recorrente como um mero instrumento de prova e não como um sujeito processual, contrariando o disposto no n.º 2 do artigo 174.º, alínea d) do artigo 63.º e no n.º 3 do artigo 67.º da Constituição da República de Angola (CRA).

b) Direito a um julgamento justo, equitativo, legal e conforme.

O Tribunal “a quo”, ao arrepio daquilo que a Constituição considera como processo equitativo, não considerou completamente as provas produzidas (prova testemunhal) sobre o facto de o Recorrente ter sido agredido e posteriormente ter-lhe sido tentado retirar a arma, arma esta devidamente licenciada. Todavia, atendeu a todas as provas produzidas pelo Ministério Público servindo esta para formar um juízo que em nada abonava o Recorrente. Claramente fica demonstrado que, ao arrepio de se buscar um processo justo, o Tribunal “a quo” e o “ad quem”, por arrasto focaram a sua actuação e motivação num processo que levasse à condenação do arguido, não nos termos em que os factos demostravam, mas sim, segundo a convicção da acusação e lançado sobre ele toda a culpabilidade como se o facto de ser membro da Policia Nacional significasse culpa presumida.

c) Princípios da presunção da inocência e do “in dubio pro reo”

As circunstâncias em que o Recorrente se encontrava no momento dos factos, tornam clara a não intencionalidade do acto em causa, sendo que o mesmo estava a ser agredido por um número considerável de pessoas, tendo, assim, efectuado os disparos (um para o tecto e outro para o chão) com a intenção de dispersar os agressores e, posteriormente, meter-se em fuga. Com efeito, o Recorrente nega ter feito disparos directos, alegando que a bala ricocheteou e atingiu o tórax da vítima quando o mesmo efectuou um disparo para o chão. Todavia, as diligências feitas para se chegar à verdade material criaram dúvidas sobre a intencionalidade ou não do acto praticado pelo Recorrente.

d) Princípio da legalidade

O Ministério Público exerceu a acção penal de forma irregular, em virtude de ter violado o disposto no n.º 5 do artigo 359.º do Código do Processo Penal (CPP), pois não apresentou o rol de testemunhas, tendo o Tribunal apenas se baseado nas diligências que foram feitas durante a instrução preparatória por parte do Ministério Público. Ao não se socorrer das disposições conjugadas dos artigos 91.º e 370.º ambos do CP, quando a decisão recorrida admite a existência de provocação, ou seja, agressão iniciada pela vítima e seus amigos, violou o dever de fazer justiça de forma plena, cabal e holística, violando flagrantemente o principio da legalidade e da imparcialidade.

Conclui requerendo que se considerem verificadas as alegadas inconstitucionalidades e, em consequência, se proceda à anulação do julgamento, por violação do direito do contraditório, do acusatório, da presunção da inocência e do julgamento justo e equitativo. Entretanto, requer ainda, caso se entenda pela sua condenação que seja ordenada a aplicação de uma pena que esteja em conformidade com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 91.º e 370.º do CP.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Plenário do Tribunal Constitucional é competente para apreciar e decidir o presente recurso nos termos das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), e do artigo 53.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC).

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é parte legítima nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo do qual “podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, o Ministério Público e as pessoas que de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

IV. OBJECTO 

O objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade é a verificação da constitucionalidade do Acórdão da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, de 14 de Setembro de 2017, proferido no âmbito do Processo n.º 587/10, que condenou o Recorrente na pena de 14 anos de prisão maior, pela prática do crime de homicídio voluntário simples, previsto e punível nos termos do artigo 349.º do CP.

V. APRECIANDO

O Recorrente invoca, nas suas alegações que a instrução preparatória, o julgamento em primeira instância e a apreciação feita pelo Tribunal ad quemviolou princípios fundamentais da ordem constitucional vigente. Nesta esteira, cabe ao Tribunal Constitucional aferir da existência ou não da violação dos princípios, direitos, liberdades e garantias aqui arguidos, a saber:

A. Princípio do contraditório 

O princípio do contraditório assume a sua forma mais acabada no direito de contestar que a lei postula. Na sua acepção objectiva, este princípio ancora-se no direito da ampla defesa, consubstanciado no direito atribuído ao Recorrente de contradizer factos, pleitear, requerer diligências e de intervir legitimamente em todas as fases do processo.

In casu, o Recorrente invoca a violação do princípio do contraditório porque o seu mandatário legalmente constituído, não foi notificado para fazer parte da reconstituição do crime, contrariando, assim, o disposto no n.º 2 do artigo 174.º a alínea d) do artigo 63.º e o n.º 3 do artigo 67.º todos da CRA.

Na verdade, entende o Tribunal Constitucional que tal afirmação é destituída de razão, porquanto, reportam os autos, a fls. 231, que a reconstituição (meio de prova) não se realizou porque o local apresentava evidentes e fortes sinais de degradação, em virtude do tempo decorrido desde a data do crime até ao momento em que o juiz da causa ordenou a diligência.

Com efeito, já haviam decorrido cerca de 6 (seis) anos, quando o Juiz da causa ordenou a diligência. Atento a esse hiato temporal, nessa altura já não seria coerente a prática desse acto.

Sem embargo, em diligências do género é oportuna a sua realização em tempo razoável para permitir a recolha de prova e informação bastante para clarificação dos factos e a formação da verdade processual. Sendo assim, em face das alterações registadas no local do crime devido o tempo decorrido é inequívoco que dessa forma ficaria afectada a sua utilidade prática e processual.

A este propósito, diga-se, em abono da verdade, que a não realização dessa diligência não afecta a validade do processo nem compromete a conformidade da sua tramitação processual, até porque foram realizadas outras diligências probatórias que permitiram a clarificação e o recorte dos factos, a valoração da prova e o alcance da verdade material. (fls. 209, 224 e 231).

Ora, sendo assim, fácil é de ver a inconsistência do argumento invocado, porque a diligência em causa não se realizou de facto e, assim, não fazia sentido, por ser desnecessária e inútil a notificação do mandatário do Recorrente para presenciar um acto que não se verificou.

De referir, ainda, que mesmo que esta diligência tivesse sido levada a cabo, não serviria para fundamentar a decisão, porque, conforme preceitua o n.º 1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil (CPC), a omissão de um acto que a lei prescreve, só produz nulidade ou irregularidade quando interfira no exame ou decisão da causa, o que não aconteceu no caso “sub judice”.

Dito isto, não é de acolher que, por si só, esta questão valha como pressuposto bastante a ter em conta para que se aceite como verosímil a violação do princípio do contraditório. Logo, não colhe aqui a tese de que esta função garantística não tenha sido observada pois, tal como ilustram os autos, ao Recorrente foram oferecidas as oportunidades de defesa, teve a faculdade de pleitear, litigar, contradizer e intervir em todas as fases do processo, pois em nenhum momento foi cerceado ou restringido do exercício de tal direito.

A “contrario sensu” importa destacar que, em algumas situações, tendo sido regularmente citado nas fases da acusação e pronúncia o Recorrente preferiu não pleitear, pese embora, estivesse sempre representado por mandatários. (fls. 76 a 78; 115 a 118). Aqui chegados, entende este Tribunal que essa situação pode ter as suas razões fundantes no facto de, o Tribunal “a quo” ter realizado à revelia o seu primeiro julgamento, devido à sua ausência no período de prisão preventiva.

Como ilustram os autos, o Recorrente esteve, em parte incerta, durante 6 (seis) anos, tendo reaparecido após várias diligências encetadas pelo Tribunal “a quo” nomeadamente a afixação de editais e emissão de mandados de captura (fls. 101, 121, 125, 130, 195 e 274).

Ex vi da condenação resultante do julgamento à revelia, veio o seu mandatário legal requerer um segundo julgamento, do qual resultou a aplicação da pena de 18 anos de prisão maior (fls. 286 a 287). Assim, na fase de audiência de julgamento tal como nas demais, o Recorrente teve a oportunidade de contrariar e de carrear elementos de prova que colocaram, em igualdade de circunstâncias, a acusação e a defesa.

Desta feita, não é consistente invocar a violação deste princípio quando se comprova, nos autos, que a garantia de ampla defesa foi oferecida ao Recorrente como um corolário ínsito das garantias criminais processuais. 

Assim, entende este Tribunal que não houve violação do princípio do contraditório como pretende fazer crer o Recorrente, nem da alínea d) do artigo 63.º e do n.º 3 do artigo 67.º, ambos da CRA.

B. Direito a um julgamento justo, equitativo, legal e conforme

O direito a julgamento justo é um pressuposto do Estado democrático de direito e uma garantia fundamental que pressupõe a existência de uma administração da justiça imparcial, independente e funcional. Este princípio constitucional tem como objectivo assegurar um julgamento justo, cujo processo deve ser equitativo, capaz de assegurar a justiça material e uma decisão num prazo razoável respeitando os procedimentos judicias, tais como a celeridade e prioridade de modo a obter a tutela efectiva em tempo útil contra ameaças ou violações dos seus direitos.

Parafraseando os autores Raul Araújo e Elisa Rangel, na obra Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, Luanda 2018, no que respeita ao artigo 72.º refere: “um julgamento é considerado justo quando são acautelados e respeitados, pelos tribunais, os princípios da imparcialidade, independência e de equidade no tratamento das partes e seus representantes.”

O direito a um julgamento justo e conforme assenta os seus pressupostos, nesta acepção, na prerrogativa que é conferida às partes de carrearem para o processo todos os elementos de prova conducentes à aferição da verdade material.

Como resulta dos autos, o Recorrente alega que o Tribunal “a quo” não considerou, completamente, a prova testemunhal produzida sobre o facto de ter sido agredido e de lhe terem tentado retirar a sua arma. Acrescenta que, pelo contrário, o Tribunal atendeu apenas às provas apresentadas pelo Ministério Público que serviram para formar um juízo desfavorável prejudicial aos seus interesses.

Quanto a essa matéria, o Recorrente não logrou vencimento porquanto, o Tribunal “ad quem” na apreciação do mérito da causa assentou a sua decisão, na circunstância da provocação e, por isso, na aplicação da pena atenuou-a nos termos do artigo 91.º do CP.

Assim sendo, bem andou o Venerando Tribunal Supremo e a demonstrá-lo está o desagravamento da pena de que vinha acusado o Recorrente de 18 anos de prisão para a pena de 14 anos de prisão maior nos termos dos artigos 91.º e 349.º do CP. É convicção deste Tribunal que o Tribunal “ad quem“ fez uma análise coerente, cuidada, dos factos dados como provados, procedeu ao seu correcto enquadramento, valorou e interpretou todos os elementos a considerar na medida da pena, quer os que atenuaram quer os que agravaram a conduta do Recorrente, e decidiu com base nisso, atento aos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da razoabilidade entre a circunstância provocação e a medida da pena ajustada e adequada aos factos.

Dito isto, este Tribunal não vê razões atendíveis para acolher a invocação do Recorrente quanto à violação do direito a um julgamento justo, equitativo, legal e conforme.

C. Princípios da presunção da inocência e do “in dubio pro reo”

 Os princípios do “in dubio pro reo” e da presunção da inocência representam a emanação jurídica legal mais expressiva da consagração constitucional das garantias processuais de defesa dos arguidos e da promoção da dignidade da pessoa humana que a CRA reconhece. O alcance material e formal desses princípios no processo penal releva que a prova produzida, se for insuficiente, insusceptível de promover o convencimento ou um juízo de certeza sobre a existência da infracção, o alegado autor da sua prática deve ser absolvido, ou seja, existindo dúvida, decide-se a favor do réu. Estes princípios encerram, em si mesmo, um significado tão plural que a sua importância se revela não apenas no domínio jurídico, como, também, na dimensão em que assenta o Estado de direito na protecção e salvaguarda dos direitos fundamentais.

O princípio da presunção da inocência constitui uma garantia do processo criminal assente na busca de todas as garantias da defesa, tendo como substrato que todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpabilidade com sentença transitada em julgado.

No caso vertente, do Acórdão recorrido não se extrai a conclusão de que tenha havido insuficiência de provas susceptíveis de causar na mente do julgador dúvida razoável sobre a autoria do crime e a sua culpabilidade. Parece-nos, inequívoco que, além das informações e dos elementos carreados pela acusação e a defesa, foi notório o empenho do Tribunal “a quo” na produção da prova processual, em busca da verdade material.

No plano doutrinário e no que respeita à apreciação da matéria probatória o Professor Grandão Ramos (in Direito Processual Penal – Noções Fundamentais, colecção Faculdade de Direito, UAN, 3.ª edição, pág. 223 ss) classifica a prova em directa e indirecta. Sendo que a directa incide directa e imediatamente sobre os factos que o tribunal tem necessidade de dar como provados para proceder à aplicação do direito penal ao caso concreto. No fundo, a que dá conhecimento directo do «thema probandum». A indirecta não incide imediatamente sobre esse facto, mas, sobre factos relacionados com eles (factos indiciadores) e dos quais aqueles poderão ser deduzidos.

Esta compreensão doutrinária é comummente perfilhada pelos Tribunais e constitui um fundamento de razão válido de que se socorre o julgador na livre apreciação da prova (directa ou indirecta). De outro modo, é de desatender a imposição de quaisquer limites impróprios a construção do seu juízo de livre convicção.  

Nesta medida, aferindo as provas constantes nos autos (fls. 209, 224 e 231), o Tribunal “ad quem” concluiu que o Recorrente, agente da polícia e com aptidão para manusear arma de fogo, agiu com dolo, pois ao disparar a arma contra a vítima, frontalmente, se não quis levá-lo à morte, representou como possível tal consequência” (fls. 429 e 431).

Posto isto, este Tribunal constata não ter havido violação do princípio da presunção de inocência, uma vez que a condenação do Recorrente se sustenta na prova produzida nos autos à luz dos princípios do contraditório, da livre apreciação e valoração da prova e da legalidade, tendo como apanágio não apenas um mero juízo de suspeita ou de probabilidade mas, sim, de um juízo de certeza fundado na análise dos dados objectivos constantes nos autos.

D. Princípio da legalidade 

A ratio da garantia jurídico-constitucional do indivíduo contra as eventuais arbitrariedades punitivas dos tribunais ou dos governos determinou e continua a determinar a consagração constitucional do princípio da legalidade penal.

Sustenta o Professor Grandão Ramos, na sua obra já citada supra pág. 80, que o princípio da legalidade decorre da natureza do processo e dos interesses tutelados pelo direito penal (interesses fundamentais e disponíveis do Estado) que através dele se realizam. Por isso, não se compadece com juízos discricionários de utilidade prática ou de casuística conjuntural. É um pressuposto do Estado de direito e a melhor garantia contra o arbítrio do poder, as desigualdades de tratamento processual penal e contra as injustiças.

Aqui, duas questões se colocam quanto à violação do princípio da legalidade invocado pelo Recorrente, sendo a primeira, sobre a acusação de que o Ministério Público exerceu a acção penal de forma irregular, quanto à apresentação do rol de testemunhas, violando o disposto no n.º 5 do artigo 359.º do CPP, estando o seu acto eivado de nulidade nos termos do n.º 1 e do § 1.º do artigo 98.º do mesmo Código, e a segunda, relativa ao facto de o Tribunal “ad quem”, no Acórdão recorrido, não ter feito recurso à atenuação extraordinária prevista no artigo 370.º do CP.

Quanto à primeira questão, os autos reflectem uma situação diferente da que foi recriada na impugnação dos factos, porquanto este entendimento é contrariado pela existência de um rol de, pelo menos, nove testemunhas, identificadas como declarantes, que, nas audiências do primeiro e do segundo julgamento, foram chamadas a prestar o seu testemunho sobre o que aconteceu e o que presenciaram, conforme as actas de audiência de discussão e julgamento (fls. 149 a 157). Para além destes, foram ainda chamados a depor quatro declarantes da Policia de Investigação Criminal que instruíram o processo na fase de investigação (fls. 1 a 16 do vol. II).

Além disso, nos termos do artigo 99.º § 2.º do CPP essa nulidade só pode ser arguida até à fase da audiência de discussão e julgamento, o que não foi feito, pelo que, não pode agora, somente nesta fase, vir o Recorrente fazer recurso de uma faculdade que não usou no momento próprio, na medida em que o n.º 6 do artigo 98.º do CPP determina que a mesma se encontra sanada.

Relativamente à segunda questão, analisados os preceitos impugnados não restam dúvidas que o Tribunal “ad quem”, ao fundamentar a sua decisão nos termos do artigo 91.º do CP, seguiu um caminho oposto ao trilho seguido pelo Recorrente.

Seguindo a ordem de razão do aresto impugnado, temos pois como evidente que a aplicação do artigo 370.º do CP que consagra a provocação como circunstância atenuante modificativa foi posto à margem do caso vertente. Em boa sustentação para que se verifique esse elemento é necessário que haja proporcionalidade e adequação entre o facto ocorrido e o crime praticado, o que de acordo com a prova valorada não se verificou.

No mesmo sentido, posiciona-se o autor Manuel Lopes Maia Gonçalves, (Código Penal Português, págs. 593 e 594, 2ª edição, Livraria Almedina, 1994), citamos: “para que se verifique a atenuante especial de provocação é indispensável que haja proporcionalidade entre o facto injusto e o crime praticado, devendo a violência ser grave, de molde a causar no réu o receio de ser gravemente ferido ou morto”. 

Ao decidir como decidiu no caso concreto, o Tribunal “ad quem” sustentado pelo princípio da livre convicção do julgador considerou como inaplicável a atenuação modificativa da provocação. Nessa linha de pensamento, tal só poderia ocorrer se, ao invés, se verificasse um justo equilíbrio e necessidade da prática do crime, em conformidade com os princípios da adequação, da proporcionalidade e da razoabilidade. Assim sendo, não assiste razão ao Recorrente, pelo que o Tribunal Constitucional considera não ter havido violação do princípio da legalidade.

Em conclusão, é entendimento deste Tribunal que não há fundamentos constitucionais ou legais atendíveis para considerar como aceites a violação dos princípios, direitos e garantias constitucionais invocados pelo Recorrente no presente recurso.

DECIDINDO

Nestes termos, 

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Custas pelo Recorrente (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional).

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 11 de Dezembro de 2018.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

 

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite Silva Ferreira (Relatora) 

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Teresinha Lopes