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ACÓRDÃO N.º 520/2018

 

PROCESSO N.º 608-D/2017

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade – Habeas Corpus)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO

Nelo Augusto Tavares Manuel e Simão António Garcia, devidamente identificados nos autos, interpuseram no Tribunal Constitucional, o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 134/17 da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo que negou provimento à providência de habeas corpus, nos termos do n.º 6 do artigo 67.º da Constituição da República de Angola (CRA) conjugado com as disposições dos artigos 49.º, alínea a) e 50.º, alínea a) da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).

Os Recorrentes foram condenados, em primeira instância, na pena de 8 e 9 anos de prisão maior, respectivamente, pela prática do crime de roubo qualificado, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 453.º do Código Penal, interpuseram recurso com efeito suspensivo, com fundamento na ilegalidade da manutenção da situação carcerária em que se encontram, nos termos dos artigos 56.º, n.º 1, 57.º, n.º 2, 68.º e 72.º da CRA, conjugados com os artigos 45.º, n.º 2 e 97.º, da Lei n.º 2/15 de 2 de Fevereiro – Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum.

Igualmente requereram a providência de habeas corpus junto do Tribunal Supremo, arguindo a nulidade absoluta da decisão proferida pela 13.ª Secção da Sala dos Crimes do Tribunal Provincial de Luanda, que indeferiu, por se afigurar legal a prisão, porquanto a situação carcerária deve ser apreciada no âmbito do recurso interposto da decisão condenatória, nos termos dos artigos 23.º, 39.º e 40.º da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal.

Não conformados, interpuseram o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, alegando em síntese o seguinte:

  1. Finda a primeira instância e interposto recurso da decisão proferida, é ponto assente que o processo se prolongue e, como consequência, a prisão dos réus continua preventiva.
  1. A decisão condenatória proferida pelo Tribunal de primeira instância, procede de nulidade absoluta porque viola o n.º 2 do artigo 97.º do CPP, bem como o artigo 45.º, nºs 2 e 3 da Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro, que obriga o seu funcionamento como Tribunal Colectivo, nas causas de matéria criminal sempre que o crime seja punível em abstracto e com pena de prisão superior a cinco anos. “O Tribunal Colectivo é constituído pelo Juiz Titular do processo, que o preside e por dois Juízes de Direito”. Decisão que é ao mesmo tempo inconstitucional porque viola o direito dos Réus a um julgamento conforme a lei e o princípio da legalidade consagrados nos artigos 6.º, n.º 2 e 72.º, da Constituição da República de Angola (CRA).
  1. Os Réus foram detidos fora de flagrante delito, sem mandado de captura pelos agentes do Serviço de Investigação Criminal no dia 27 de Julho de 2016, por suspeita de participação em dois crimes de roubo qualificado p.p. pelo artigo 453.º do Código Penal.
  1. Posteriormente, acusados e pronunciados pelo crime de roubo qualificado, foi respondido o processo em prisão preventiva.
  1. Interpuseram recurso que foi admitido com efeito suspensivo, nos termos do Código de Processo Penal.
  1. Suspensa a decisão, os Réus continuam em regime de prisão preventiva, prisão, que teve início no dia 27 de Julho de 2016. A defesa, por se tratar de uma privação da liberdade e violar normas constitucionais, deduziu petição de habeas corpus.
  1. Preparado e julgado o processo de habeas corpus, os Venerandos Juízes Conselheiros da Câmara Criminal do Tribunal Supremo julgaram improcedente a petição, ordenando aos Recorrentes a aguardarem a decisão do recurso interposto.
  1. Os Recorrentes consideram que a decisão do Venerando Tribunal Supremo, julgou mal os factos e aplicou mal o direito, na medida em que não teve em conta os aspectos seguintes:

a) Por força do princípio da supremacia constitucional, seja qual for o entendimento que se queira dar à Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro e o Código de Processo Penal de 1929 ou outro diploma legal, implica o respeito dos limites materiais da restrição de direitos, liberdades e garantias, subjacente a ideia de que “as leis restritivas da liberdade não podem diminuir a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (vide art.º 57.º, n.º 2 da CRA)” direitos e liberdades fundamentais invioláveis, consagrados na Constituição (artigo 56.º, n.º 1, 1.ª parte);

b) Por não estarem determinadas legalmente as condições para a privação da liberdade dos Recorrentes e não haver um prazo determinado ou definido na lei, a prisão dos Recorrentes é inconstitucional, na medida em que viola as normas dos nºs 1 dos artigos 66.ºe 64.º da CRA;

c) À luz destas alegações, os Recorrentes demandam que seja corrigida a decisão proferida pelo Tribunal a quo e confirmado pelo Acórdão no Processo n.º 134/17, da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, porque é inconstitucional e os Réus imediatamente restituídos a liberdade.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir. 

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O Tribunal Constitucional é nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que violem princípios, direitos fundamentais, garantias e liberdades dos cidadãos, após esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, faculdade igualmente estabelecida na alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

A decisão proferida pelo Tribunal Supremo esgota, deste modo, a cadeia de recursos em sede de jurisdição comum, em matéria de habeas corpus. 

 III. LEGITIMIDADE

A alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, estabelece que têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, o Ministério Público e as pessoas, que de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.

Os Recorrentes são requerentes da providência de habeas corpus impetrada junto do Tribunal Supremo, cujo provimento lhes foi negado. Têm legitimidade para recorrer.

 IV. OBJECTO

Constitui objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade o Acórdão n.º 134/17, da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que negou provimento à providência de habeas corpus. 

V. APRECIANDO

Os Recorrentes condenados pelo Tribunal “a quo” interpuseram a presente providência de “habeas corpus” no Venerando Tribunal Supremo, com fundamento da violação dos nºs 1 dos artigos 64.º e 66.º da CRA.

Argumentam na impugnação, a ilegalidade da manutenção da situação carcerária em que se encontram, face ao efeito suspensivo do recurso interposto, nos termos dos artigos 56.º, n.º 1, 57.º, n.º 2, 68.º e 72.º da CRA conjugados com o 45.º, n.º 2 e 97.º da Lei n.º 2/15 de 2 de Fevereiro e 315.º e 316.º do CPP.

Igualmente requereram a providência de “habeas corpus”, com fundamento da nulidade absoluta da sentença proferida pela 13.ª Secção da Sala dos Crimes do Tribunal Provincial de Luanda, por ter sido julgado e condenado nas penas de oito e nove anos de prisão maior, respectivamente, por um Tribunal singular, em violação aos artigos 72.º da CRA e 45.º, n.º 2 e 97.º da Lei n.º 2/15 de 2 de Fevereiro.

Evocar a conformidade das normas do n.º 2 do artigo 45.º e 97.º, da Lei n.º 2/15, à Constituição, é matéria de recurso ordinário e não extraordinário, processualmente esses recursos devem ser separados. Tal situação, deveria ser arguida em sede de julgamento em 1.ª instância. Por esta razão, neste recurso extraordinário de inconstitucionalidade, este Tribunal não se vai pronunciar sobre a matéria da constitucionalidade.

O Tribunal Venerando Supremo confirmou a legalidade da manutenção da prisão dos Recorrentes, por se encontrarem em prisão preventiva aquando do julgamento em primeira instância e condenados pelo Tribunal a quo antes de completarem um ano de detenção, em observância aos pressupostos legais, plasmados nos artigos 23.º, 39.º e 40.º da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal. 

Os Recorrentes contrapõem o direito à restituição a liberdade, pelo facto de não existir um prazo legal para a prisão preventiva após condenação.

A Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal determina a extinção das medidas de coação, nos termos do artigo 24.º. Os prazos máximos da prisão preventiva é de 12 meses sem condenação em primeira instancia, acrescidos de 2 meses, quando se tratar de crime punível com pena de prisão superior a 8 anos, e o processo se revestir de especial complexidade, em função ao número de ofendidos, do carácter violento e circunstâncias em que foi cometido, através de um despacho devidamente fundamentado, nos termos da alínea c) do n.º 1, 2 e 3 do artigo 40.º da Lei n.º 25/15, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal.

Todavia, o artigo 24.º, n.º 2, da mesma lei estabelece: “a sentença condenatória extingue imediatamente as medidas de prisão preventiva, mesmo sendo interposto recurso, quando a pena aplicada não for superior a duração daquelas”.

O n.º 1 do artigo 68.º da Constituição da República de Angola determina que haverá “habeas corpus” contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

Como garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus, prefigura a especial importância constitucional do direito à liberdade.

Pode o “habeas corpus” ser requerido quando tenham sido ultrapassados os prazos de entrega ao tribunal ou os prazos de detenção, no caso de a detenção se efectuar fora dos locais permitidos, ordenada por órgão ou agente que não tenha competência ou basear-se numa causa que a lei não permita (artigos 36.º e 68.º da CRA).

O recurso da decisão condenatória tem efeito suspensivo (n.º 1 do artigo 659.º do CPP) sobe nos próprios autos (artigo 661.º do CPP), suspende a execução, mas a suspensão da execução não implica que sejam os Recorrentes postos em liberdade.

Os Recorrentes foram condenados nas penas de 8 e 9 anos de prisão maior, com esta moldura penal estabelece o artigo 541.º do Código de Processo Penal, o efeito suspensivo da decisão, não deve ser executada enquanto não for confirmada pelo Tribunal “ad quem”, mantendo os réus na situação em que se encontram.

Os Recorrentes encontravam-se presos antes da decisão, logo, é de se manter a prisão.

Concluindo, para que os Recorrentes beneficiem da providência de “habeas corpus”, é indispensável que estejam reunidos os pressupostos: prisão efectiva, actual e ilegal. Verifica-se nos autos o cumprimento de prazos, de acusação, pronúncia e julgamento em primeira instância. Nenhuma das supracitadas condições que fundamentam a providência de “habeas corpus” esteve em causa a partir da detenção até à condenação dos Recorrentes.

Pelo exposto, este Tribunal conclui que o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal Supremo está em conformidade com a Constituição.

 DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

 

 Tribunal Constitucional em Luanda, 18 de Dezembro de 2018.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa (Relator) 

Dr. Carlos Magalhães 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite Ferreira 

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo 

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Teresinha Lopes