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ACÓRDÃO N.º 521/2018

 

PROCESSO N.º 582-B/2017

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO

 Nguyen Van Nay, com os demais sinais especificados nos autos, interpôs no Tribunal Constitucional, o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão referente ao Processo n.º 16326 proferido pela 1ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, ao abrigo da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), tendo como base a seguinte argumentação:

O Recorrente, cidadão de nacionalidade vietnamita, foi pronunciado pela prática em concurso real de infracções, dos crimes de homicídio voluntário simples e homicídio frustrado, previstos e puníveis pelos artigos 349.º e 350.º do Código Penal e pelas disposições conjugadas dos artigos 10.º, 140.º, n.º 1 e 55.º n.º 3, do Código Penal, respondendo ainda pela prática do crime de Uso e Porte de Arma de Fogo sem licença, previstos e puníveis nos termos dos artigos 8.º, 9.º, 123.º e 127.º, do Diploma Legislativo n.º 3778 de 22 de Novembro de 1967 e do § único do artigo 169.º do Código Penal.

O Tribunal a quo condenou-o nas penas de vinte anos e três meses de prisão maior e no pagamento de uma indemnização de Kz. 1.000.000,00 (um milhão de kwanzas) aos familiares de cada uma das vítimas

Desta decisão, interpôs recurso o Ministério Público, solicitando, nas alegações de recurso, a reapreciação do decidido.

Recorreu também da decisão o Recorrente, por não conformação com a  decisão condenatória, alegando o seguinte:

  1. Na data em que ocorreu o incidente, o Recorrente encontrava-se a trabalhar na residência de uma funcionária da Embaixada da China, portanto nunca poderia ter disparado a arma.
  1. Tomou conhecimento de que o seu irmão, Nguyen Van Tuoi, tinha morto quatro pessoas, por intermédio da sua namorada.
  1. Todos os declarantes ouvidos nos autos, afirmaram não ter sido o Recorrente quem atirou no de “cujus”, com excepção do senhor Nguyen The Than, que declarou ter sido o Recorrente, mas percebe-se o porquê, por ser ele o chefe da quadrilha e encontrar-se no restaurante, propriedade da sua namorada, para extorquir dinheiro e ter interesse na causa.
  1. Está amplamente provado nos autos, que o crime foi cometido pelo irmão do Recorrente de nome Nguyen Van Tuoi.
  1. O Tribunal Supremo ao condenar o Recorrente, ignorou toda a prova produzida tanto em sede de instrução processual como em audiência de julgamento.
  1. O Acórdão recorrido não justifica os fundamentos que levaram o Juiz a criar tal convicção. O Acórdão faz inúmeras suposições como: “a prova produzida pelo tribunal recorrido, parece-nos suficiente para imputarmos os factos ao réu Nguyen van Nay”, quando deveria criar a sua convicção de acordo com a prova material efectivamente produzida e constante dos autos.
  1. O douto Acórdão violou amplamente o princípio da presunção da inocência e do “in dubio pro reo”.
  1. O Tribunal recorrido, ao não absolver o Recorrente, violou os artigos 29.º, 67.º e 72.º da CRA, na medida em que, sem prova material conclusiva, não só condenou como agravou a pena de 20 anos para 24, sem descurar que violou o princípio da proibição da “reformatio in pejus”, consagrado no artigo 667.º do Código Penal, por força da aplicação das normas supracitadas.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O Tribunal Constitucional é nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que violem princípios, direitos fundamentais, garantias e liberdades dos cidadãos, após esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, faculdade igualmente estabelecida na alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

III. LEGITIMIDADE

A alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, estabelece que “têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

IV.OBJECTO

Constitui objecto do presente recurso verificar a alegada inconstitucionalidade do Acórdão proferido pela Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que negou provimento ao pedido de absolvição do Recorrente, agravando a pena aplicada pelo Tribunal da primeira instância.

V. APRECIANDO 

O Acórdão em apreciação revogou, em parte, a decisão da primeira instância, que condenou o Recorrente na pena de vinte anos de prisão maior, pela prática de quatro crimes de homicídio voluntário simples e um crime de homicídio voluntário simples na forma frustrada.

A moldura penal pelos crimes de que o Recorrente foi julgado e condenado é punível com a pena de vinte a vinte quatro anos de prisão maior.

O Venerando Tribunal Supremo, após reapreciação dos elementos constitutivos e factos do despacho de pronúncia, decidiu revogar a qualificação da incriminação e moldura penal (artigos 447.º e 448.º do C.P.P), convolando para homicídio qualificado e homicídio frustrado, agravando a pena de 20 para 24 anos de prisão maior.

Entende o Recorrente, que a decisão do Venerando Tribunal Supremo violou os artigos 29.º, 67.º, 72.º e 65.º, n.º4 da CRA e 667.º do C.P.P (princípios da presunção da inocência, “in dubio pro reo” e da “reformatio in pejus”.

No caso “sub judice”, o conjunto de provas nos autos, permitiu que o Tribunal de primeira instância avaliasse a versão do arguido como destituída de credibilidade, fundamentando com convicção quanto aos factos dados como provados: “… E mais, são notórias as contradições das declarações do próprio réu que ora alega que no momento em que ocorreram os factos estava ausente, ou seja, estava a trabalhar numa obra situada na ilha de Luanda, ora é firme em dizer ter sido o seu irmão quem por iniciativa pessoal disparou contra os infelizes. A verdade é que se o réu estava ausente no local, como ter tanta certeza em afirmar que quem disparou foi o seu irmão?” (fls. 360).

A) O Princípio da livre apreciação da prova

A livre apreciação da prova surge como um dos princípios basilares do processo penal, constituindo uma autêntica norma legal através da qual tem vindo a ser regulado o poder jurisdicional, sobretudo quando estejam em causa não só as garantias de defesa, maxime as do arguido, mas também os direitos de defesa que assistem aos distintos sujeitos processuais, relacionado com o contraditório.

O princípio da livre apreciação da prova sofre limitações que decorrem do grau de convicção exigido para a decisão, da proibição dos meios de prova, da observância da presunção de inocência e da salvaguarda do “princípio in dúbio pro reo”. 

No caso em análise, não se assiste a violação do princípio da presunção da inocência, uma vez que o Recorrente continuou a exercer a garantia de recorrer com efeito suspensivo. Em relação ao erro da valoração da prova, não seria este Tribunal competente, seria o recurso de cassação, fundamentado pelas partes, sob proposta do Venerando Presidente do Tribunal Supremo, nos termos da alínea b) do artigo 54.º da Lei n.º 20/88 de 31 de Dezembro.

B) Princípio da reformatio in pejus

O presente recurso não foi interposto no exclusivo interesse da defesa, mas também, pelo Ministério Público, por imperativo legal, pelo que não se põe a questão da proibição da “reformatio in pejus”.

A decisão do Venerando Tribunal Supremo teve como base fundamental os elementos constitutivos e factos do despacho de pronúncia, enquadrando-a nos termos dos artigos 447.º e 448.º do C.P.P. Convolando para os crimes de homicídios qualificado e simples sob forma frustrada, agravando a pena para vinte e quatro anos (24) de prisão maior, em conformidade com o §1.º, do n.º 1.º do artigo 667.º do C.P.P. Não houve violação do princípio de “reformatio in pejus”.

Pelo exposto, este Tribunal conclui que o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal Supremo está em conformidade com a Constituição e a lei. 

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

 

Tribunal Constitucional em Luanda, 18 de Dezembro de 2018.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa (Relator)

Dr. Carlos Magalhães 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira 

Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango 

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo 

Dr. Simão de Sousa Victor 

Dra. Teresinha Lopes