ACÓRDÃO N.º 523/2018
PROCESSO N.º 526-C/2016
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Alberto Neto Paulino e outros, melhor identificados nos autos, vieram a este Tribunal interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 1.ª Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, proferido a 16 de Setembro de 2015, no Processo n.º 18/2011, que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, absolvendo a Sonangol EP do pedido de reintegração formulado pelos Recorrentes.
Os Recorrentes apresentaram a este Tribunal as seguintes alegações de recurso:
Os Recorrentes pedem, em síntese, que este Tribunal dê provimento ao presente recurso e, em consequência, ordene a reformulação do douto Acórdão recorrido, dando a devida interpretação às normas da Lei Geral do Trabalho.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
É o Plenário do Tribunal Constitucional competente para conhecer do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea m) do artigo 16.º e no n.º 4 do artigo 21.º, ambos da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), bem como no § único e na alínea a) do artigo 49.º, conjugados com a alínea e) do artigo 3.º e do artigo 53.º, todos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).
III. LEGITIMIDADE
Os Recorrentes são a parte vencida no Processo n.º 18/2011, que correu termos na Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo, cuja decisão julgou procedente a excepção peremptória de caducidade ao concluir que a acção para reintegração foi impetrada fora do prazo legal de 180 dias.
Resulta, desta feita, o interesse directo dos Recorrentes em contradizer, pelo que têm legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como consagram a alínea a) do artigo 50.º da LPC e o n.º 1 do artigo 26.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC.
IV. OBJECTO
O presente recurso tem por objecto a verificação da conformidade constitucional do Acórdão do Venerando Tribunal Supremo, de fls. 349 a 258 dos autos, que os Recorrentes alegam ter violado princípios constitucionalmente consagrados e protegidos pela nossa Lei Magna.
V . APRECIANDO
A acção recursória que está na base da presente sindicância constitucional integra a alegada violação dos princípios da legalidade, certeza e segurança jurídica e proibição da denegação de justiça.
No entanto, este Tribunal, no legítimo interesse de administrar a justiça de natureza jurídico-constitucional, irá fundamentar as questões com recurso aos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do julgamento justo, por constituírem pressupostos de valor acrescido à materialização de uma decisão conforme a Constituição.
Os Recorrentes alegam que, ao entender que houve incumprimento de prazo para o exercício do direito de acção à reintegração, o Tribunal “ad quem” violou os princípios da legalidade, certeza e segurança jurídicas e da proibição da denegação da justiça, na medida em que procedeu a uma interpretação e aplicação erróneas da lei, mormente do artigo 301.º da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro, Lei Geral do Trabalho, vigente à data dos factos.
Não obstante esta constatação, este Tribunal entende que o Acórdão proferido obedeceu ao comando da fundamentação, incluindo um enquadramento jurídico para dar respaldo legal à decisão emitida.
Por força desse procedimento jurisdicional válido do Tribunal recorrido, foi afastada a nulidade da decisão que resultaria da falta de fundamentos legais, não afectando, por conseguinte, o direito à proibição de denegação de justiça, pois, é de lei o poder do Julgador de interpretar e aplicar o direito.
Os factos alegados, quanto à forma de interpretar e aplicar o artigo 301.º da LGT, que conduziu o Tribunal “ad quem” a decidir no sentido favorável à procedência da excepção peremptória de caducidade do direito de acção para reintegração, são subsumíveis aos direitos à tutela jurisdicional efectiva e julgamento justo dos Recorrentes.
Destarte, considera este Tribunal pertinente a verificação da violação ou não de tais direitos, de que dimanam os princípios da certeza e segurança jurídicas e da proibição da denegação de justiça.
Os Recorrentes alegam que a relação jurídico-laboral que mantinham com a Sonangol EP cessou a 30 de Maio de 2007 e, até ao dia 21 de Julho de 2008, data de impugnação do despedimento, não houve caducidade do direito à reintegração, porque a acção de tentativa de conciliação, autuada no âmbito do Processo n.º 765/07-B1, do Tribunal “a quo”, foi impetrada a 29 de Outubro de 2007, ou seja, ainda no decurso dos 180 dias estabelecidos por lei, sustando, desse modo, o referido prazo, como decorre do artigo 303.º da LGT.
Este Tribunal Constitucional não perfilha do entendimento dos Recorrentes, na medida em que a formulação em juízo do pedido de reintegração não se teria efectivado sem que, de modo cumulativo, estivessem antes consumados dois substanciais actos: por um lado, o despedimento colectivo ilícito dos trabalhadores e, por outro, o fim da fase de conciliação que decorria junto da 2.ª Secção da Sala do Trabalho da 1.ª Instância.
No primeiro caso, resulta do exame dos autos, a fls. 55 e 56, que o vínculo laboral não cessou a 30 de Maio de 2007, mas a 31 de Dezembro de 2007, momento em que, a fls. 50 e 51, os Recorrentes foram impedidos definitivamente de auferir a remuneração mensal devida pelos trabalhos efectuados e de aceder às instalações da ex. DPSI (Direcção de Protecção e Segurança Industrial).
Quanto ao segundo acto, assiste razão aos Recorrentes quando alegam que a tentativa de conciliação teve início no dia 29 de Outubro de 2007. No entanto, importa constatar que o processo conciliatório foi declarado impossível somente a 27 de Junho de 2008.
O artigo 301.º da LGT, em vigor à data dos factos, prescreve que “o direito de requerer judicialmente a reintegração na empresa, nos casos de despedimento individual ou colectivo, caduca no prazo de 180 dias contados do dia seguinte àquele em que se verificou o despedimento”.
Para todos os efeitos, o artigo 303.º da LGT suspendeu o prazo de caducidade supracitado, que podia ser aplicado ao caso sub judice, a contar de 31 de Dezembro de 2007, por ter havido, perante o conflito laboral que opunha os trabalhadores e a entidade empregadora, a fls. 55, uma intervenção do órgão provincial de conciliação na acção judicial em que os Recorrentes reclamavam direitos.
Contudo, o dia 31 de Dezembro de 2007 não podia assinalar o início da contagem do prazo do direito de acção para reintegração, uma vez que ainda estava em curso a tentativa de conciliação, que foi considerada impossível somente a 27 de Junho de 2008.
Uma vez que os Recorrentes lançaram mão da acção para reintegração a 21 de Julho de 2008, entende este Tribunal que a procedência da excepção peremptória de caducidade seria declarada caso tivessem decorridos os 180 dias, a contar da data acima mencionada (27 de Junho de 2008).
Em defesa dos princípios da segurança jurídica e da estabilidade do emprego, a impugnação do despedimento mediante apresentação de uma acção para reintegração dentro de prazos peremptórios constitui uma garantia do direito de praticar actos, em expressa obediência ao disposto no n.º 3 do artigo 145.º CPC.
A caducidade do prazo legal de 180 dias, previsto no artigo 301.º da anterior LGT e no artigo 303.º da actual Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, extingue o direito de acção e representa uma excepção peremptória, impedindo o conhecimento jurisdicional do pedido, à luz dos artigos 329.º e 333.º do Código Civil, e dos artigos 493.º e 496.º do CPC.
Ora, os Recorrentes integram um grupo de 17 trabalhadores que, a faltar cinco (5) meses e seis (6) dias para o fim do prazo legalmente prescrito, intentaram em tempo a acção para reintegração, pelo que competia ao Venerando Tribunal “ad quem” reconhecer a tempestividade da impugnação do despedimento colectivo.
Por outro lado, acrescem os Recorrentes que a norma do artigo 300.º da LGT foi indevidamente interpretada e aplicada no Acórdão recorrido, que declarou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, partindo da compreensão de que a rescisão colectiva do contrato de trabalho ocorreu a 30 de Novembro de 2006 e a acção judicial foi impetrada apenas em 2008.
Sobre esta questão, é mister reconhecer que a data de 30 de Novembro de 2006 corresponde apenas à cessação do vínculo laboral entre a Apelante e os trabalhadores que, por mútuo acordo, subscreveram o contrato de rescisão mediante indemnização proposta por aquela, conforme prova de fls. 80 a 99, 125, 142, 165, 173, 191, 193, 195, 212, 214 e demais.
A decisão de não reintegrar os ex-trabalhadores, de fls. 54 dos autos, e a falta de acordo geraram um despedimento colectivo ilícito, advindo disso todas consequências jurídicas quanto ao dever de garantir aos Recorrentes um julgamento justo e conforme, com vista à protecção do seu direito à indemnização.
Com efeito, o Acórdão do Venerando Tribunal Supremo ao julgar procedente a excepção peremptória de caducidade por aplicação de um dispositivo que não era aplicável ao caso, como anteriormente ficou referido violou os princípios da legalidade e do julgamento justo
Assim sendo, é entendimento deste Tribunal que o Acórdão recorrido, por ter julgado procedente a excepção peremptória de caducidade, em contradição com a tempestividade da acção e o dever da Apelante indemnizar os Recorrentes pelo despedimento ilícito, violou os princípios da tutela jurisdicional efectiva, do julgamento justo e conforme e da legalidade, todos da CRA.
Do exposto, devem os presentes autos ser remetidos ao Venerando Tribunal Supremo para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da LPC.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:
Sem custas pelos Recorrentes, nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, a 18 de Dezembro de 2018.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães (Relator)
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes