ACÓRDÃO N.º 527/2019
PROCESSO N.º 603-C/2017
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
João Augusto Manuel, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, de 23 de Maio de 2017, que indeferiu liminarmente a reclamação impetrada contra a decisão da 3.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, que, no Processo n.º 683/16-B, julgou deserta a acção recursória interposta pelo Requerente do Acórdão condenatório, por considerar que as alegações foram apresentadas extemporaneamente.
Em consequência do despacho do Tribunal “a quo”, de 31 de Janeiro de 2017, a fls. 123 dos autos, foi alterado o efeito suspensivo do recurso ordinário, com implicação na situação carcerária do Réu solto, que se traduziu no cumprimento da pena aplicada de sete anos de prisão maior.
O Recorrente considera que o Tribunal “ad quem”, não tendo conhecido do mérito da reclamação do despacho que julgou deserto o recurso, violou a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva, em face de não poder ver apreciado o Acórdão da primeira instância, de 24 de Novembro de 2016, de fls. 95 a 99, que o condenou, alegadamente, sem provas nem observância do princípio “in dubio pro reo”, pelo que, inconformado, apresentou a este Tribunal, as seguintes alegações de recurso:
O Recorrente termina solicitando, em síntese, que este Tribunal Constitucional dê provimento ao recurso interposto e declare a inconstitucionalidade do despacho recorrido.
O Processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49.º, e da alínea e) do artigo 3.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), bem como do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
III. LEGITIMIDADE
Constitui requisito fundamental para a configuração de um interesse sério em contradizer, o facto de o interessado intervir no processo como parte. Verificado este requisito, é legalmente plausível a determinação da legitimidade, ao abrigo do disposto no artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).
Ora, o Recorrente tem interesse directo em contradizer, pois, o despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo recaiu sobre o seu requerimento de reclamação, decorrendo daí a sua legitimidade, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 2.º da LPC.
IV. OBJECTO
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem por objecto o Despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, a fls. 23 e 24 dos autos, que não conheceu do mérito da reclamação, cabendo a este Tribunal Constitucional, em consequência disso, verificar se houve ou não a alegada violação de direitos, princípios e liberdades fundamentais do Recorrente.
V. APRECIANDO
A 3.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal “a quo” admitiu em acta, a 24 de Novembro de 2016, o recurso interposto do Acórdão condenatório e indeferiu, a fls. 101, o pedido de confiança do processo, sem prejuízo de ter assegurado ao Recorrente o direito de consulta dos autos junto do Cartório.
Este Tribunal constata, a fls. 104, que, antes do término do prazo legal de oito dias para proceder à apresentação das alegações de recurso de agravo, o Recorrente, a 30 de Novembro de 2016, arguiu um incidente, consubstanciado na denúncia da ausência do Processo n.º 183/16-B no Cartório.
Decorre dos termos conjugados dos n.ºs 1 e 4 do artigo 743.º do CPC, que a Secretaria Judicial deve facilitar às partes a consulta do processo durante os prazos fixados.
O prazo de três dias de consulta concedido ao Recorrente foi condicionado pelo facto de o processo ter estado no Gabinete do Juiz de Direito até 9 de Dezembro, tendo sido enviado à Contadoria Geral, no dia 15 de Dezembro de 2016, conforme consta de fls. 106, 108 e 109 e 110 dos autos.
Compulsados os autos, resulta, assim, para o Tribunal Constitucional, o entendimento de que o efeito jurídico do Despacho do Tribunal “a quo”, de fls. 101, que assegurou ao Recorrente o direito ao exame do processo para formular a sua defesa com a apresentação tempestiva das alegações, apenas pode ser exercido, com a consulta do processo, no dia 15 de Dezembro de 2016, a fls. 107 e 111.
Tendo em conta a indisponibilidade do processo para consulta, ocorrida de 24 de Novembro de 2016 até 15 de Dezembro de 2016, que determinou o incumprimento do prazo para a apresentação das alegações, o recurso deveria ter sido admitido, na medida em que o Tribunal a quo, diante do dever constitucional de salvaguardar ao Recorrente o direito à leitura das peças processuais e formulação de melhor defesa, não pode admitir o exame dos autos ao mesmo tempo que limita o acesso dentro do prazo que fixou.
Ao ter inviabilizado a consulta dos autos e julgado deserto o recurso, com o fundamento na apresentação extemporânea das alegações, o Tribunal a quo violou a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do Recorrente, consagrados no n.º 2 do artigo 174.º da CRA.
Seguidamente, no Processo n.º 09/2017, o Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal “ad quem” indeferiu liminarmente a reclamação do Recorrente, mantendo inalterada a decisão da primeira instância que, pela extemporaneidade das alegações, julgou deserto o recurso, prejudicando o seu efeito suspensivo, com consequências sobre a liberdade de locomoção do Recorrente, que foi imediatamente recolhido à cadeia.
Assim, em face do que fica dito, devem os presentes autos ser remetidos ao Venerando Tribunal Supremo para observância do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da LPC, devendo, em consequência, ser admitido o recurso.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.o da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, a 15 de Janeiro de 2019.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel M. da Costa Aragão (Presidente)IMPEDIDO.
Dr.ª Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães (Relator)
Dr. Simão de Sousa Victor
Dr.ª Teresinha Lopes