Loading…
Acórdãos > ACÓRDÃO 528/2019

Conteúdo

ACÓRDÃO N.º 528/2019

 

PROCESSO N.º 677-A/2018

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade - Habeas corpus

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Kumeso Malumbo Didieko, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pela 2ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, em 25 de Outubro de 2018, que indeferiu a providência de habeas corpus, que correu termos com n.º 442.

Aos 13 de Setembro de 2018, interpôs a providência de habeas corpus, que entregou no Tribunal Provincial de Luanda. Não obtendo qualquer resposta, em 01 de Outubro do mesmo ano, reclamou desse silêncio.

Apenas a 25 de Outubro de 2018 - mais de 4 meses após a detenção - o Tribunal Supremo aprovou o seu Acórdão, indeferindo a sua petição, pelo facto de (i) a prisão não ter ultrapassado os prazos fixados por lei e, ainda, "não constar dos autos peças referente a acusação e o despacho de pronúncia". 

Nas suas alegações sobre a presente providência entregue neste Tribunal, o Recorrente refere, em síntese, o seguinte:

  1. Foi detido no dia 09 de Maio de 2018, no Aeroporto 4 de Fevereiro, por ordem dos agentes do SIC, que se encontravam de serviço no aeroporto, sem lhe ter sido apresentado o mandato de captura e sem ter sido informado das razões da detenção;
  2. Posteriormente, depois de detido na Comarca, foi informado que a detenção se devia à prática de um crime de burla por defraudação e outro de falsificação de documentos;
  3. Até à data (Dezembro de 2018 - passados 7 meses de detenção) não foi informado da acusação nem notificado de qualquer despacho a prorrogar o prazo de prisão preventiva, pelo que se encontra em excesso de prisão preventiva;
  4. O Acórdão do Tribunal Supremo carece de fundamento, na medida em que:
  1. Nos termos do artigo 40º da Lei nº 25/15, de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP), a prisão preventiva deve cessar quando decorrerem 4 meses sem acusação, 6 meses sem pronúncia e 12 meses sem condenação, a menos que o Ministério Público solicite a prorrogação do prazo, nos termos do número 2 do mesmo artigo;
  2. É, precisamente, pela falta de acusação e pronúncia que o Recorrente vem interpor a presente providência e não pode ser penalizado pelo facto de esses elementos não existirem no processo.

e. Assim, entende que o Acórdão recorrido viola os seguintes princípios, direitos e garantias fundamentais:

  • Os números 4 e 5 do artigo 29º, o número 1 do artigo 66º e o artigo 72º, todos da CRA;
  • A alínea a) do número 1 e o número 2 do artigo 40º da LMCPP e os artigos 312º, 315º e 316º do Código de Processo Penal (CPP);
  • O princípio do "in dubio pro reo", na medida em que inverte o ónus da prova, quando exige ao Recorrente a apresentação da acusação e da pronúncia.

O Recorrente foi, entretanto, notificado da acusação a 05 de Dezembro de 2018, isto é, 7 meses após a sua detenção.

O Processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos das disposições combinadas da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional - LOTC) e da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (Lei do Processo Constitucional), pelo que o Tribunal Constitucional é competente para julgar os recursos de inconstitucionalidade interpostos de sentenças que contenham fundamentos de direito e decisões, que contrariem princípios, direitos liberdades e garantias previstos na CRA.

III. LEGITIMIDADE

Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional "as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

O Recorrente foi requerente da providência de habeas corpus no processo que, com n.º 442, correu os seus termos na 2ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, tendo, por essa razão, legitimidade para interpor o presente recurso. 

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso é apreciar se o indeferimento do habeas corpus pelo Acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, a 25 de Outubro de 2018, viola princípios e direitos fundamentais constitucionalmente consagrados. 

V. APRECIANDO

No Acórdão recorrido, o Tribunal Supremo decidiu pela improcedência da providência por falta de fundamentação, nos termos do artigo 319.º do CPP, referindo, a propósito, que "...Ora, tendo em conta a data da prisão do Réu 9 de Maio de 2018 e o facto de não constar dos autos peças referentes a acusação e despacho de pronúncia teremos de concluir pela improcedência do Habeas corpus...".

Ora, a falta de acusação e pronúncia foram exactamente o fundamento da interposição da providência de habeas corpus pelo Recorrente. E a acusação apenas foi notificada ao Recorrente mais de 7 meses depois de ter sido detido e quando o processo de habeas corpus estava em curso e ainda não tinha sido pronunciado.

Nestas circunstâncias, competia ao Tribunal Supremo, em nome da boa administração da justiça, insistir com quem de direito na recolha dos elementos de informação necessários para sustentar a sua decisão.

Não o tendo feito, proferiu aquele Tribunal uma decisão sem estar devidamente fundamentada, o que, nos termos do artigo 668.º do CPC, determina a sua nulidade, porquanto os fundamentos invocados são inadequados e insusceptíveis de conduzir ao resultado do Acórdão.

Por outro lado, concluir que a ausência da acusação e da pronúncia é imputável ao Recorrente é, de facto, inverter o ónus da prova, na medida em que não cabe a este fazer essa prova, mas sim ao Tribunal ou ao Ministério Público, consoante a fase em que se encontra o processo.

Na ausência de certezas, nunca a dúvida poderia prejudicar o arguido, sob pena de se violar o princípio do in dubio pro reo e foi isso que o Tribunal Supremo acabou por fazer ao declarar improcedente a providência por não dispôr desses elementos, prejudicando o arguido sem a certeza de que haveria ou não excesso de prisão preventiva.

Ao mesmo tempo, violou o direito à liberdade - mantendo a medida de coacção - o princípio da legalidade - porque contraria o disposto no artigo 315.º do CPP e o artigo 40.º da Lei LMCPP, que estabelece prazos para as situações de prisão preventiva - bem como o artigo 66.º da CRA - ao perpetuar uma situação de privação da liberdade, sem cuidar de averiguar se os prazos tinham sido respeitados.

Entretanto, recentemente, este Tribunal tomou conhecimento de que a Meritíssima Juíza de Direito da 5.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, concluiu, em Despacho de Pronúncia, datado de 15 de Janeiro de 2018, que já havia excesso de prisão preventiva, pelo que decidiu pela substituição da medida de coacção de prisão pela de prestação de termo de identidade e residência.

Tendo a prisão preventiva sido substituída por outra medida de coacção menos gravosa, não existem, neste momento, razões que justifiquem a continuação do presente recurso neste Tribunal, por configurar uma situação de inutilidade superveniente da lide. 

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas, nos termos da segunda parte do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC).

Notifique.

 

Plenário do Tribunal Constitucional, em Luanda, aos ­­23 de Janeiro de 2019

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa

Dr. Carlos Magalhães

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Teresinha Lopes (Relatora)