ACÓRDÃO N.º 530/2019
PROCESSO N.º 655-C/2018
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Hilário Cacumba, devidamente, identificado nos autos, interpôs, no Tribunal Constitucional, o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 67.º, n.º 6, da Constituição da República de Angola (CRA) conjugado com as disposições dos artigos 49.º, alínea a) e 50.º, alínea a), da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), impugnando o Acórdão da 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido aos 14 de Agosto de 2018, no Processo n.º 326/18, que negou provimento à providência de habeas corpus.
O Recorrente, Padre da Igreja Católica, da Paróquia de São Francisco de Assis, localizada em Viana, foi acusado e pronunciado pela prática do crime de violação de menor de 12 anos, de forma continuada, crime previsto e punível pelos artigos 394.º e 398.º n.º 2, do Código Penal.
O Recorrente usufruía da confiança dos progenitores da menor, sua afilhada, tanto que pagava as propinas e haveres de uso pessoal e a menor, após frequentar a catequese e missa de domingo, ficava sob a responsabilidade, altura em que perpetrava o abuso, brindando-a, posteriormente, com valores monetários (Kz. 500,00 a 1000,00).
No dia 16 de Agosto, a senhora Conceição António, mãe da menor, apercebendo-se do sangramento da sua filha, na região da vagina, questionou-a sobre o que se passa. Temerosa, a menor retorquiu que o padrinho abusava dela sexualmente.
Face à descoberta, recorreu aos órgãos competentes para denunciar tais práticas, pelo que a juíza ordenou, por via de despacho, que a menor fosse submetida a exames ginecológicos no Laboratório Central de Criminalística.
Assim foi deduzida acusação aos 18/07/17. O arguido foi notificado do despacho de pronúncia, que substitui a medida de coacção, atendendo à natureza e gravidade do crime, para a prisão preventiva, a 2 de Janeiro de 2018, encontrando-se preso desde o dia 30/01/18.
Inconformado com o Acórdão, veio dele interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade junto do Tribunal Constitucional, alegando o seguinte:
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
O Tribunal Constitucional é, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional, competente para julgar os recursos interposto das sentenças e decisões que violem princípios, direitos fundamentais, garantias e liberdades dos cidadãos, após esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, faculdade igualmente estabelecida na alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).
A decisão proferida pelo Tribunal Supremo esgota, deste modo, a cadeia de recursos em sede de jurisdição comum, em matéria de habeas corpus.
III. LEGITIMIDADE
A alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, estabelece que têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, o Ministério Público e as pessoas que de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.
O Recorrente é requerente da providência de habeas corpus impetrada junto do Tribunal Supremo, cujo provimento lhe foi negado. Tem, assim, legitimidade para recorrer.
IV. OBJECTO DO RECURSO
Constitui objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade o Acórdão proferido da 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, Processo n.º 326/18, que negou provimento à providencia de habeas corpus.
V. APRECIANDO
A petição de habeas corpus contra a detenção ou prisão ilegal, como garantia fundamental prevista no artigo 68.º da Constituição da República de Angola, tem tratamento processual no artigo 315.º do Código Processual Penal, que estabelece preceitos e fundamentos da providência, concretizando a injunção e a garantia constitucional.
À luz do artigo 315.º do CPP, que refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providencia, deve resultar da circunstância de: Ter sido efectuada ou ordenada por quem para tanto não tenha competência legal; Ser motivada por facto pelo qual a lei autoriza a prisão; Manter-se além dos prazos legais para apresentação em juízo para formação de culpa; Prolongar-se além do tempo fixado por decisão judicial para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação.
Assim, a providência de habeas corpus funciona como remédio excepcional para situações que se traduzam em verdadeiros atentados à liberdade individual das pessoas, só sendo, por isso, de utilizar em casos de evidente ilegalidade.
O artigo 39.º da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP) trata da fiscalização da prisão preventiva, sendo o reexame bimensal dos pressupostos da prisão preventiva uma obrigação do juiz e não tanto um direito ou garantia de defesa do arguido.
A falta, antecipação, ou atraso desse reexame como irregularidade processual, pode ser sanável por requerimento e não pela via da providência de habeas corpus
Com base no artigo 100.º do Código Processo Penal, o acto é válido a não ser que seja arguida a irregularidade, no período de 5 dias.
O Recorrente, como interessado no processo, detectado a irregularidade, podia argui-la em sede de recurso ordinário, nos prazos previstos na lei.
A falta de reexame dos pressupostos da prisão preventiva (alínea a) do artigo 39.º da LMCPP, não é determinante para a extinção da medida de coacção e não serve de fundamento para requerer o habeas corpus, uma vez que, a sua realização atempada não transforma em ilegal a prisão preventiva decretada e mantida por decisões judiciais.
Pelo exposto, concluímos que o Tribunal Supremo decidiu em conformidade com a Constituição e a lei.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.o 3/08, de 17 de Junho
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 20 de Fevereiro de 2019.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa (Relator)
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes