ACÓRDÃO Nº 532/2019
PROCESSO N.º 634-D/2018
(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
A Embaixada da República Democrática do Congo, melhor identificada nos autos, interpôs o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, prolatado no Processo n.º 1769/11, fls. 251 a 264, que nega provimento ao seu recurso, interposto da decisão proferida pelo Tribunal Provincial de Luanda que ordenou o despejo imediato da Recorrente.
Do referido Acórdão, a ora Recorrente reclamou para o próprio Tribunal Supremo, fls. 270 a 285, tendo a reclamação sido indeferida, conforme fls. 291 a 299 dos autos.
Nas suas extensas alegações, fls. 336 a 361, a Recorrente vem referir, em síntese, que:
Termina pedindo que o Acórdão recorrido seja declarado inconstitucional e, em consequência, que os autos baixem ao Tribunal Supremo para nova decisão.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos das disposições combinadas da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) e da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).
O artigo 53.º da LPC estabelece que a competência para decidir os recursos extraordinários de inconstitucionalidade previstos no artigo 49.º da presente lei é do Plenário de Juízes do Tribunal Constitucional.
Assim, o Tribunal é competente para conhecer e decidir sobre o presente recurso, por se achar esgotada a cadeia recursória, nos termos do § único do artigo 49.º da LPC.
III. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.
O Acórdão recorrido indeferiu o recurso interposto pela Recorrente, tendo esta ficado vencida.
Tendo sido vencida, a Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso.
IV. OBJECTO
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem por objecto o Acórdão proferido pela 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo que indeferiu o recurso de apelação interposto pela Recorrente.
Cabe a este Tribunal analisar se o referido Acórdão violou direitos, liberdades e garantias da Recorrente ou princípios com dignidade constitucional.
V. APRECIANDO
A Recorrente interpôs o presente recurso extraordinário para este Tribunal, por não se ter conformado com o Acórdão do Venerando Tribunal Supremo que indeferiu o recurso de apelação apresentado.
Compulsados os autos, constata-se que a Recorrente, no ano de 2000, tomou de arrendamento um imóvel, onde, sem a autorização da Senhoria, efectuou obras e instalou os serviços da Embaixada. A par disso, não cumpriu a sua obrigação de pagamento de rendas, o que motivou a Senhoria a interpor a acção de despejo, que foi deferida.
Inconformada, recorreu para o Venerando Tribunal Supremo, que confirmou a decisão da 1.ª instância.
A Recorrente ainda apresentou reclamação sobre o Acórdão, mas que não teve sucesso porque foi igualmente indeferida.
Do Acórdão prolatado pela Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, a Recorrente interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade, alegando que o Tribunal Supremo, ao interpretar o n.º 2 do artigo 660.º do CPC no sentido de que o tribunal de recurso pode escolher, de entre as questões suscitadas pelas partes, aquelas que hão-de constituir o objecto do recurso, é inconstitucional, pois viola o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
O n.º 2 do artigo 660.º do CPC estabelece que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
A Recorrente alega, ainda, que o Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a nulidade do contrato de arrendamento, por si suscitada.
Entende este Tribunal que o Venerando Tribunal Supremo apreciou a referida questão e que, apesar de não a ter autonomizado, dela conheceu e ficou claramente resolvida, pelo que não é de atender tal argumentação/fundamento para o presente recurso.
Aliás, para o Tribunal recorrido, a Recorrente elencou uma série de hipotéticas nulidades numa vã tentativa de ver se alguma procedesse. O mesmo aconteceu em sede de alegações neste Tribunal.
O princípio do acesso ao direito da Recorrente não foi violado, posto que, ao nível da jurisdição comum, nunca lhe foi negado o acesso aos tribunais e, como se viu, constituiu livremente mandatário forense, pelo que é de se presumir que contou com o apoio jurídico necessário.
Também não se vislumbra qualquer violação do princípio do contraditório, ou seja, a Recorrente teve efectivamente o direito a usar todos os mecanismos processuais necessários para a sua eficaz defesa.
Da análise efectuada por este Tribunal concluiu não existir matéria jurídico-constitucional relevante.
Sobre esta questão, importa realçar que a competência do Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, está limitada pelo n.º 1 do artigo 180.º da Constituição, onde se estabelece que a sua actuação deve limitar-se às matérias de natureza jurídico-constitucional, nomeadamente quando sejam violados direitos, liberdades, garantias e princípios constitucionais.
Em suma, a Recorrente não conseguiu demonstrar em que medida a decisão do Venerando Tribunal Supremo violou os princípios do julgamento justo e conforme à lei, bem assim como o do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
Conclui, assim, o Tribunal Constitucional que a decisão tomada pelo Venerando Tribunal Supremo foi fundamentada nos termos do que consta do próprio Acórdão, porque foram observadas as disposições legais aplicáveis ao caso e as respostas sobre cada questão no processo mereceram o devido tratamento.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em:
Custas pela Recorrente (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho).
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 26 de Fevereiro de 2019.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia (Relator)
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dra. Teresinha Lopes (declarou-se impedida).