ACÓRDÃO N.º 535/2019
PROCESSO N.º 631-A/2018
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Manuel Domingos e Manuel António Júnior, melhor identificados nos autos, vieram ao Tribunal Constitucional interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido no âmbito do processo de querela, n.º 14532, da 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, datado de 8 de Setembro de 2016, que os condenou na pena de 8 anos de prisão maior pela prática do crime de peculato.
Invocam a violação, por parte daquela decisão, dos princípios do processo equitativo e do julgamento justo, consagrados no n.º 4 do artigo 29.º e do artigo 72.º; da presunção da inocência consagrado no n.º 2 do artigo 76.º; do in dubio pro reo, previsto no n.º 2 do artigo 67.º e do princípio do direito de defesa, previsto no n.º 1 do artigo 67.º, todos da Constituição da República de Angola (CRA).
Pugnam pelo provimento do recurso e revogação do Acórdão recorrido porque inconstitucional, solicitando que se mantenha a decisão da primeira instância que os absolveu dos crimes de que vinham acusados.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC).
Trata-se de uma decisão que põe termo ao processo e, nessa medida, de acordo com a jurisprudência já firmada por este Tribunal Constitucional, é o mesmo competente para julgar o recurso.
III. LEGITIMIDADE
Os Recorrentes são Réus no Processo de querela n.º 14532, que correu os seus trâmites na 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, pelo que têm direito de contradizer, segundo dispõe a parte final do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), que se aplica, de modo subsidiário, ao presente recurso, por previsão do artigo 2.º da referida LPC.
IV. OBJECTO
O presente recurso tem como objecto o Acórdão proferido pela 2.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo e, nesse âmbito, importa saber se foram ou não violados princípios constitucionais, mormente se o Tribunal recorrido condenou os Réus por factos que não constam da acusação e do despacho de pronúncia.
V. APRECIANDO
Este recurso teve, na sua origem, o facto de os Recorrentes terem sido condenados por factos que não constavam da acusação e pronúncia, mais concretamente em relação à diferença quanto às datas em que os mesmos foram praticados.
Com efeito, foram acusados e pronunciados pela prática de um crime de furto doméstico, previsto e punível pelo n.º 3, do artigo 425.º e n.º 5, do artigo 421.º, do Código Penal (CP), ocorrido em Junho de 2009, tendo sido absolvidos por falta de prova.
O Digno Magistrado do Ministério Público, inconformado, recorreu, requerendo a convolação, nos termos do artigo 447.º do CPP, para o crime de peculato, porquanto as condutas dos Réus preenchem os elementos constitutivos deste tipo de crime previsto no artigo 313.º do C.P.
O Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto do Venerando Tribunal Supremo emitiu parecer em concordância com esta convolação.
O Venerando Tribunal Supremo julgou procedente o recurso e condenou os aqui Recorrentes como autores materiais do crime de peculato, tendo alterado as datas da prática do crime para o período compreendido entre Janeiro a Maio de 2009.
Os Recorrentes, como já anteriormente se referiu, não se conformando com esta decisão, interpuseram o presente recurso com fundamento na violação de princípios constitucionais, nomeadamente do processo equitativo e do julgamento justo, n.º 4 ao artigo 29.º e artigo 72.º, respectivamente; da presunção da inocência, n.º 2 do artigo 76.º; do in dubio pro reo, do n.º 2 do artigo 67.º e do princípio do direito de defesa, do n.º 1 do art.º 67.º, todos da CRA.
Vejamos:
Uma análise do aresto impugnado levanta diversas questões que não podem ser descuradas.
A primeira tem, desde logo, a ver com a data dos factos.
A acusação e a pronúncia referem que o crime foi praticado em Junho de 2009 e o Ministério Público, em sede de alegações, bem como, posteriormente, o Venerando Tribunal Supremo, na sua decisão, determinam que os factos foram praticados em datas não precisas, situadas entre Dezembro de 2008 e Maio de 2009.
Convém desde já referir que o processo penal em vigor tem natureza acusatória, sendo o seu objecto balizado pela acusação ou pela pronúncia e, o tribunal, no julgamento, está subordinado ao princípio da vinculação temática, segundo o qual toda a actividade probatória a realizar tem como limites os factos que constam da acusação ou da pronúncia, tal como resulta do n.º 2 do artigo 174.º da CRA e 446.º do Código do Processo Penal (CPP).
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “O princípio acusatório é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório)”.
Ou seja, a estrutura acusatória do processo implica, também, aquilo que, normalmente, se define em termos restritos, como o “princípio da acusação” ou “princípio da vinculação temática”. O Juiz que julga está tematicamente vinculado aos factos que lhe são trazidos pela entidade que acusa. É, por isso, que é muito importante verificar quando e como é que no processo foram fixados os factos que são objecto de conhecimento do tribunal. Quando o Ministério Público deduz acusação ou, em alternativa, quando é requerida a abertura da instrução pelo Assistente, nesse momento fixam-se os factos que o juiz do julgamento vai poder conhecer. Isto é, a estrutura acusatória do processo implica também, além da diferença de identidade entre acusador e julgador, que o julgador esteja vinculado ao tema do processo que lhe é trazido pelo acusador. O juiz do julgamento só pode pronunciar-se sobre os factos que lhe são trazidos, em princípio pelo Ministério Público. É nesse sentido que se diz que a estrutura acusatória do processo implica também o princípio da acusação ou o princípio da vinculação temática.
Este princípio está intimamente ligado ao princípio do contraditório, outro princípio estruturante do processo penal, na medida em que, ao não se respeitar a estrutura acusatória, não é dada, necessariamente, a oportunidade ao Réu de se defender dos factos pelos quais veio a ser condenado, como foi, manifestamente, o caso nos presentes autos.
Com efeito, tendo a acusação limitado a prática dos factos a Junho de 2009, não pode, depois, a Câmara Criminal do Tribunal Supremo vir dizer que os factos ocorreram entre Dezembro de 2008 e Maio de 2009, porque até se deu como provado que, naquele mês de Junho, não houve qualquer actividade de queima de notas.
A este propósito o acórdão recorrido, para justificar a alteração, vem referir que“... E, sem rejeitar a concepção de que os factos aduzidos na pronúncia restringem o objecto para além de não ser absoluta, assume maior importância quando os factos novos constituem uma alteração da estrutura do quadro factual vertido na acusação no que respeita aos seus elementos essenciais, de molde que resulte para o Réu, a imputação de um crime diverso com agravação da pena, ou acarrete consequências negativas e inesperadas, das quais não pode defender-se...”.
Esta interpretação reflecte uma visão demasiado redutora do referido princípio do acusatório, na medida em que a alteração da data dos factos, traduziu, no caso, passar-se de uma absolvição para uma condenação, de onde resulta claramente que houve uma agravação acentuada que acabou por ser inesperada, porque os Réus só tiveram possibilidade de se defender relativamente aos factos que se circunscreviam à data descrita na acusação e na pronúncia.
O aresto refere, ainda, que essas datas já constavam da fase instrutória, o que, ainda vem acentuar mais o nosso entendimento, porque, se o Ministério Público resolveu limitar os factos a umperíodo fixo, “mês de Junho de 2009”, (vide articulado 14.º da acusação a fls.1388), foi porque concluiu que só quanto a esse período haveria indícios.
Por outro lado, sabendo o Ministério Público que os factos constantes da fase de instrução se referiam ao período que vai de Dezembro de 2008 a Junho de 2009, competia-lhe explicitar as razões que o terão levado a confinar a acusação ao mês de Junho de 2009.
Na verdade, mal se compreende que, havendo nos autos indícios de que o chamado “processo de queima de notas” teria decorrido entre Dezembro de 2008 a Maio de 2009 e que em Junho de 2009 apenas se procedeu à extinção da Comissão constituída para o efeito, o Ministério Público junto do Tribunal “a quo” limitasse a acusação a Junho de 2009, período em que não houve “queima de notas” e que o Juiz do Tribunal “a quo”, no seu despacho de pronúncia (vide fls. 1670 dos autos), também limitasse os factos a esse período, quando no relatório que precede a acusação e dá por finda a fase de instrução e investigação processuais consta que os factos ocorreram no primeiro semestre de 2009 (vide fls.1189).
Aliás, a denúncia dos factos ocorridos foi feita pelo Semanário Angolense no dia 25 de Abril de 2009 e o documento do Banco Nacional de Angola (vide fls. 381 dos autos) refere que a apropriação dos valores destinados à queima terá ocorrido entre 19 de Janeiro e 5 de Maio de 2009.
Este estranho e incompreensível comportamento dos magistrados em causa, ao fazerem, sem qualquer explicação, completo descaso de elementos fundamentais colhidos durante a fase de instrução preparatória é, no mínimo, revelador de negligência passível de averiguação por parte dos órgãos de inspecção e de disciplina dos respectivos Conselhos Superiores das Magistraturas, por beliscar a credibilidade, isenção, rigor e imparcialidade que se requere aos tribunais e demais órgãos de administração de justiça.
Voltando à questão sub judice, há que dizer que a prova a ser feita e o tema a decidir em julgamento é o determinado na acusação.
O Tribunal Supremo ao alterar a data dos factos, porque mais conveniente para justificar a sua decisão, acabou por violar estas regras que enformam todo o nosso processo penal.
Assim, o Acórdão recorrido acaba por contrariar os referidos princípios do acusatório e do contraditório (n.º 2 do artigo 174.º da CRA).
A solução passaria por ordenar que se extraiam certidões para que o Ministério Público junto do Tribunal a quo exerça a competente acção penal em relação aos factos praticados entre Dezembro de 2008 a Maio de 2009.
Diz-se, no Acórdão recorrido, para justificar o seu processo de convicção, que: “...Não se pode descurar que o património dos RR ostenta valores bastante superiores aos rendimentos declarados de cada um, contrariamente ao que vem defendido no Acórdão recorrido e, refira-se, sem qualquer suporte fáctico, os mesmos em nenhum momento conseguiram justificar concebivelmente a aquisição dos respectivos bens, o que por si só, indica proveniência ilícita.
Outrossim, sustenta o declarado nos depoimentos proferidos em instrução preparatória e sedimenta em nós a convicção de que grande parte dos bens enunciados nos autos, foram adquiridos com os valores destinados à destruição, o facto do acervo patrimonial dos RR. ter sido adquirido e/ou incrementado precisamente no período em que eram diligenciadas as actividades de queima, como bem ilustram os docs (...) com especial realce aos valores milionários encontrados na posse dos mesmos e movimentados nas respectivas contas bancárias e para transacções realizadas por eles.
A nossa convicção resulta, pois, dos depoimentos dos RR e do carácter discrepante do aforro patrimonial dos mesmos, acrescidos também das
regras da experiência e dos princípios da lógica que gritantemente nos revelam que os Réus cometeram os actos pelos quais foram pronunciados...”
Desta transcrição, resulta, claramente, que o juízo factual que conduziu à decisão condenatória, teve por fundamento uma inversão do ónus da prova, inversão constitucionalmente proibida por força da presunção de inocência e dos princípios que regem o processo penal, de onde resulta que cabe ao Ministério Público fazer prova dos factos imputados ao arguido e não o contrário, ou seja, o arguido não tem de fazer prova de como adquiriu o seu património, como conclui o Tribunal Supremo, ao invés de resultar do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, subordinadas ao princípio do contraditório.
O Venerando Tribunal Supremo, ao referir que os Réus não conseguiram explicar a fortuna acumulada, sendo certo que se trata de um enriquecimento ilícito, está sem dúvida a fazer tábua rasa deste princípio, acabando também por violar o princípio da presunção de inocência (n.º 2 do artigo 67.º da CRA).
O Acórdão do Venerando Tribunal Supremo viola, também, o princípio do direito a julgamento justo e conforme.
Vejamos.
No nosso ordenamento jurídico e, particularmente, no processo penal, não existe prova tarifada, ou seja, não há regras de valoração probatória que vinculem o julgador, pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com o princípio da livre convicção do julgador.
Por isso, o juiz deve fundamentar a sua decisão, pois, só assim é possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
No caso sub judice, o Tribunal a quo elegeu como meio de prova credível, fundamental na formação da sua convicção, os diversos depoimentos e documentos juntos aos autos, chegando mesmo a explicar porque não relevaram determinadas quantias monetárias apreendidas e porque não valoraram a confissão dos Réus feita em instrução.
Dizem e bem, que a prova é feita em audiência de discussão e julgamento, e a confissão teria de ser acompanhada por outros elementos de prova.
A detalhada explicação do Tribunal a quo quanto ao seu processo de convicção, enuncia os elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição e aceitabilidade face aos seus destinatários directos (os sujeitos processuais) e perante a comunidade, permitindo alcançar que ela não é fruto do arbítrio do julgador, de uma sua qualquer tendenciosa inclinação, mas sim de um processo sério, assente em juízos de racionalidade, de lógica e de experiência sobre a matéria probatória de que o tribunal pôde dispor, cumprindo, pois, a sua missão.
Por seu turno, o recurso da matéria de facto não visa a obtenção de um segundo julgamento sobre aquela matéria, sendo antes uma forma de obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidos na decisão recorrida. Não se visa um novo julgamento, mas sim a legalidade da decisão recorrida na forma como apreciou a prova e nos segmentos concretos indicados pelo Recorrente.
Consequentemente, pelo anteriormente exposto, não pode merecer crítica a convicção do tribunal a quo resultante da livre apreciação da prova produzida em julgamento referente aos factos do mês de Junho de 2009.
Como ficou patente, o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada.
Na realidade, o tribunal superior deve verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Mas, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova.
O limite a este princípio são as regras da experiência comum.
Porém, o Tribunal ad quem não pôs em causa a violação dessas regras, limitando-se a contrariar a conclusão do Tribunal a quo com base numa confissão feita em instrução e não em julgamento e com recurso à inversão do ónus da prova o que, como se referiu, é expressamente proibido.
Esta posição é, também, comungada pela Digníssima Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal ao referir: “... Além disso a confissão dos Recorrentes em instrução preparatória não é suficiente para os condenar, porquanto apresentam divergências entre si relativamente à data da ocorrência dos factos e ao modo de distribuição dos sacos de dinheiro.
Assim, nos termos do artigo 174.º e 256.º do CPP, se houver confissão, o arguido deve explicar os motivos, o tempo, o lugar, o modo e os meios empregados para o seu cometimento, para que valha como corpo de delito...”.
E, in casu, nada disso foi feito.
O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova, ao contrário do Tribunal de segunda instância, pelas razões anteriormente expostas.
A livre convicção tem que ser objectiva e motivada, de modo a permitir um controlo pelos destinatários da mesma, pela sociedade e pelos tribunais de recurso. Porém, verificada tal motivação, como foi o caso, a mesma só nos casos excepcionais legalmente previstos (erro de julgamento e vícios) ou situações de arbitrariedade ou juízos puramente subjectivos e não motivados, é passível de ser sindicada por um tribunal de recurso.
O Venerando Tribunal Supremo, ao alterar a prova dada como apurada ou não apurada pela 1.ª instância sem referir ter havido erro na sua valoração (erro que teria de resultar evidente do texto da decisão recorrida) ou que os factos determinados pelo Tribunal a quo contrariavam as regras de experiência comum, viola regras fundamentais do nosso ordenamento jurídico, constitucionalmente consagradas.
Na verdade, estaremos em presença de erro notório na apreciação da prova sempre que, do texto da decisão recorrida, resulta, com evidência, um engano que não passe despercebido ao comum dos leitores e que se traduza numa conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem. Ou seja, é necessário que, perante os factos provados e a motivação explanada, se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Este entendimento é, também, seguido pela doutrina, como se alcança da transcrição do seguinte texto de Paulo Saragoça da Matta, no qual se refere que ao tribunal de recurso cabe apenas “ (…) aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significa que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (ver in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Tendo em conta todos estes ensinamentos e lendo a douta decisão recorrida não se logra descortinar onde a mesma é absurda, ilógica ou atentatória das regras da experiência comum.
O que o aresto do Venerando Tribunal Supremo pretendeu foi colocar em crise a convicção que o Tribunal recorrido formou perante as provas produzidas em audiência e substituir essa convicção pela sua própria convicção, o que viola o princípio da livre convicção do julgador.
Naturalmente que, embora nos pareça que os erros técnicos em que o Acórdão impugnado incorreu (ao não respeitar os mais elementares princípios do direito processual penal e até normas do Código do Processo Penal, como sejam, a confissão desacompanhada de prova, a inversão do ónus da prova), poderiam conduzir a um recurso de cassação porque levou a uma decisão injusta.
Porém, isso escapa às competências deste Tribunal Constitucional.
Tendo em conta a jurisprudência deste Tribunal, no sentido de conhecer das decisões dos tribunais comuns, desde que violem princípios constitucionais, e porque, in extremis, a decisão impugnada viola o princípio do julgamento justo e conforme (artigo 72.º da CRA), bem como, colateralmente, também os princípios do contraditório, presunção da inocência e do direito de defesa dos arguidos, pode-se concluir pela procedência do recurso.
CONCLUSÃO
A alteração da data dos factos fixada na acusação e no despacho de pronúncia, confinando os factos atribuídos aos réus ao mês de Junho de 2009 (mês em que comprovadamente não foram praticados os factos atribuídos aos réus), fez com que não fossem conhecidos e julgados os factos que ocorreram nos meses de Dezembro de 2008 a Maio de 2009.
Destarte, deve a Câmara Criminal do Tribunal Supremo, nos termos do n.º 2 do artigo 47.º da LPC, reformar a sua decisão em conformidade com o julgamento sobre a inconstitucionalidade ora verificada e que o Ministério Público possa deduzir acusação pelos factos praticados entre os meses de Dezembro de 2008 a Maio de 2009, já que a acusação foi, no caso sub judice, limitada a Junho de 2009.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em:
Sem custas, nos termos do artigo 15.ºda Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 19 de Março de 2019.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor (Relator)