ACÓRDÃO N.º 539/2019
PROCESSO N.º 676-D/2018
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I.RELATÓRIO
Clementina José da Silva, com os demais sinais de identificação nos autos, vem, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional – LPC, interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, do despacho do Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Tribunal Supremo que indeferiu a sua reclamação, pela não admissão do recurso de revisão interposto da decisão do Tribunal Provincial do Bengo.
A Recorrente apresentou neste Tribunal as alegações para sustentar o pedido e, em síntese, asseverou o seguinte:
Termina pedindo que se julgue procedente o presente recurso com as consequências legais aplicadas.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pela Recorrente vem previsto na alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), e no artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), sendo que se impõe a obrigatoriedade do esgotamento da cadeia recursória ordinária.
Em consequência, o artigo 53.º da LPC estabelece que a competência para decidir os recursos extraordinários de inconstitucionalidade previstos no artigo 49.º da presente lei é do Plenário de Juízes do Tribunal Constitucional.
Nestes termos, o Plenário do Tribunal Constitucional é o órgão competente para apreciar e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
III. LEGITIMIDADE
Tem legitimidade activa quem possui interesse directo em demandar e legitimidade passiva quem tem interesse directo em responder à demanda.
A ora Recorrente tem legitimidade activa nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – LPC, porquanto, viu o seu recurso de revisão indeferido, “in totum”.
IV. OBJECTO
O recurso em causa tem por objecto o despacho proferido pelo Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Tribunal Supremo que indefere a reclamação interposta pela Recorrente da não admissão do Recurso de Revisão, confirmando assim a decisão já tomada em primeira instância pelo Tribunal Provincial do Bengo.
V. APRECIANDO
Importa “prima facie” reter que a Recorrente já interpôs o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, tal como refere a fls. 5 dos autos, correspondente ao processo n.º 504-A/2016, tendo culminado com o Acórdão n.º 404/2016 do Tribunal Constitucional.
No entanto, o referido Acórdão não conheceu do mérito da causa porque procedeu a excepção dilatória – incompetência do tribunal em razão da hierarquia, como previsto no artigo 101.º e alínea f) do n.º 1 do artigo 494.º do CPC, uma vez que a Recorrente, na altura, não esgotou os recursos cabíveis, conforme o disposto no artigo 49.º da LPC, e ordenou-se a remessa dos autos ao Tribunal Provincial do Bengo.
Em sede do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, a Recorrente considera que o despacho de indeferimento exarado pelo Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Tribunal Supremo padece de fundamentação concreta e factual, justificando que o “pedido de revisão” não se inscreve nos contornos do artigo 771.º do CPC. Além disso, entende a Recorrente que o Juiz Conselheiro Vice-Presidente não tem competência para decidir, pois o poder de decisão cabe ao Juiz Presidente do Tribunal Supremo, nos termos do artigo 689.º do CPC.
Em atenção ao pedido da Recorrente, o cerne deste recurso consiste no seguinte:
Por ora, efectivamente, o recurso extraordinário de revisão de sentença está intimamente ligado ao instituto do caso julgado que exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
Exerce a função positiva quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; e exerce a função negativa quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal, em decorrência da necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas (cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, págs. 93 e 94).
Desta feita, o fundamento do recurso extraordinário de revisão reside na ideia de que a ordem jurídica deve, em casos extremos, sacrificar a intangibilidade do caso julgado, permitindo a sua rescisão, por imperativos de justiça, de forma a que se possa reparar uma injustiça e proferir nova decisão.
O recurso extraordinário de revisão visa a alteração de uma decisão já transitada, pelo que só é admissível em situações de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja susceptível de abalar clamorosamente o princípio da justiça material.
Ora bem, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento.
Compulsados os autos, verificamos que em todas as peças processuais produzidas pela Recorrente, em nenhuma esclarece em qual das alíneas do artigo 771.º do CPC se enquadra o seu recurso de revisão. A norma do CPC referida não abre flanco para outras interpretações e é taxativa: “A decisão (…) só pode ser objecto de revisão nos seguintes casos (…)”, de tal modo que não consideramos que tenha havido sequer falta de fundamentação. (Negrito nosso).
Conclui-se, pois, que tal singela alegação não basta para pudermos considerar como violação do princípio da legalidade e da obrigação de fundamentação da decisão judicial.
Relativamente às competências que são conferidas ao Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Tribunal Supremo, a Lei Orgânica do Tribunal Supremo (Lei n.º 13/11, de 18 de Março) dar-nos-á resposta a esta querela.
Vejamos:
Os “Vice-Presidentes”, no plano administrativo, são órgãos vicários e, funcionalmente, assumem as competências dos órgãos principais em caso de ausência ou indisponibilidade.
A referida lei, nos artigos 28.º, 31.º e 32.º referentes ao Juiz Conselheiro Vice-Presidente, dispõe que lhe compete coadjuvar o Juiz Conselheiro Presidente e substituí-lo nas suas ausências e impedimentos e exercer poderes próprios do Juiz Conselheiro Presidente, mediante delegação de poderes.
Ora, apesar do Código de Processo Civil mencionar, expresis verbis que a decisão da reclamação seja tomada pelo Juiz Presidente, tal não significa que não possa ser tomada pelo Juiz Conselheiro Vice-Presidente, nos limites dispostos pela lei, pois num exercício interpretativo sistemático este Tribunal Constitucional constatou que a Lei Orgânica do Tribunal Supremo atribui vicariamente competências ao Vice-Presidente, sem que para tal se belisque o princípio da legalidade, face à competência do Juiz Presidente.
Pelo que, este Tribunal não pode declarar inconstitucional o despacho de indeferimento exarado pelo Juiz Conselheiro Vice-Presidente, por não se verificar violação ao princípio da legalidade consagrado na CRA.
Acresce ainda a Recorrente que o despacho impugnado viola o princípio do justo julgamento e em prazo razoável, visto que o julgamento não teve lugar dentro de prazo de 48 horas.
Vejamos o que consagra o artigo 29.º da CRA que – todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável (…) o que entretanto não significa que qualquer demora por parte dos tribunais confira por si só a inobservância do princípio constitucional.
Segundo as anotações ao referido artigo, entende-se que não deve o tribunal decidir sem analisar as questões de facto e de direito na sua plenitude de modo a decidir em consciência e de maneira justa, corrobora deste ponto de vista Gomes Canotilho que a «aceleração» (…) pode conduzir a uma justiça pronta mas materialmente injusta. Cfr. Raul Carlos Vasques Araújo e Elisa Rangel Nunes, in: Constituição da República de Angla Anotada, Tomo I, págs. 275 e 276.
Deste modo, entende o Tribunal Constitucional que não houve violação de qualquer princípio, direito ou garantia constitucional.
DECIDINDO
Nestes termos
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:
Custas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, 9 de Abril de 2019.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Maria da Conceição de Almeida Sango
Dr. Raul Carlos Vasques Araújo (Relator)
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes