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ACÓRDÃO N.º 540/2019

 

PROCESSO N.º 656 -D/2018

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade 

Em nome do Povo acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO

João Miguel Carreiro Pires, com os demais sinais de identificação nos autos, veio interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 1.ª Secção da Câmara do Trabalho do Venerando Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 82/15, que julgou improcedente o pedido de impugnação de uma medida de despedimento, ao confirmar a decisão prolatada, nesse sentido, pela 2.ª Secção da Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda.

Para reagir contra a rescisão do contrato de trabalho que mantinha com a empresa ECIL – Entreposto Comercial e Industrial, o Recorrente intentou uma acção de impugnação de despedimento laboral, com forma sumária, que foi, em sede do Tribunal a quo, liminarmente indeferida, por inobservância do previsto no n.º 1 do artigo 307.º da Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro - Lei Geral do Trabalho, (LGT), lei aplicável à data dos factos. O dispositivo legal aqui em causa (n.º 1 do artigo 307.º) impõe a obrigação de submissão obrigatória do conflito de trabalho à tentativa de conciliação, antes da propositura da acção em tribunal.

Inconformado e alegando violação ao n.º 4 do artigo 76.º da Constituição da República de Angola, CRA, interpôs recurso de Agravo para Venerando Tribunal Supremo que não mereceu provimento. Ao defendido pelo Recorrente, o Tribunal Supremo contraditou apoiado nos princípios

específicos que norteiam o processo laboral, realçando, em particular, o da hipervalorização do acto conciliatório ou da conciliação, que considera como meio de eliminação ou diminuição dos conflitos entre empregados e empregadores, visando a obtenção da tão necessária paz social, bem como destacando o princípio da celeridade processual.

O Tribunal recorrido entendeu, consequentemente, que a não realização da tentativa de conciliação constitui preterição de uma formalidade essencial prescrita pela lei, o que consubstancia a nulidade de todo o processado, nos termos do artigo 201.º do Código do Processo Civil, aqui aplicável ex vi do artigo 59.º do Decreto Executivo Conjunto n.º 3/92, de 11 de Janeiro.

Nesta Instância Constitucional, o Recorrente sustenta a alegada inconstitucionalidade do aresto recorrido ancorado não apenas no artigo 76.º, n.º 4 da CRA, que estabelece a ilegalidade do despedimento sem justa causa, ficando a entidade empregadora obrigada a indemnizar o trabalhador, nos termos da lei, mas também no artigo 29.º CRA, que consagra o direito de acesso aos tribunais, enquanto dimensão do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

Assenta, porém, a sua argumentação em torno do artigo 274.º da actual Lei Geral do Trabalho, a Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, que dispõe sobre a precedência obrigatória, ou seja, sobre o recurso obrigatório a mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos antes da propositura da acção judicial. Nos termos desta norma, tais mecanismos incluem, além da conciliação, a mediação e a arbitragem, o que não se verificava no quadro da Lei n.º 2/00, que regulava apenas a conciliação (tentativa de conciliação) como procedimento prévio obrigatório à propositura da acção judicial (artigos 306.º, n.º 3 e 307.º).

Deste modo, o Recorrente alega, em resumo, o seguinte:

O cerceamento de uma maneira injusta e contrária à Constituição dos seus direitos fundamentais, como o direito de acesso aos tribunais para a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, tendo em conta o disposto no artigo 274.º da Lei n.º 7/15, do qual decorre que a discussão do processo em sede dos métodos alternativos é condição sine qua non para o acesso ao tribunal;

O facto de a precedência obrigatória estabelecida no artigo 274.º da actual LGT não passar de um expediente que visa, de forma errada, desafogar os tribunais, cujas Salas de Trabalho continuam “abarrotadas”, sendo que esta norma constitui verdadeiramente uma ofensa à Constituição;

O facto de a CRA instituir, nos termos do artigo 29.º e a contrário da perspectiva objectivista traçada pela Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, a tutela jurisdicional efectiva como um direito fundamental e, consequentemente, de aplicação directa e imediata, não podendo existir uma norma infraconstitucional que obstaculize a sua concretização, característica principal dos direitos fundamentais;

O facto de dever considerar-se facultativo o recurso aos métodos alternativos de resolução de conflitos, à luz do artigo 29.º da CRA, conjugado com o artigo 174.º também da CRA, que institui os tribunais como órgãos por excelência e preferenciais para dirimir os conflitos.

O facto de a colisão/tensão entre o artigo 274.º da Lei n.º 7/15 e o artigo 29.º da CRA resultar na inconstitucionalidade deste primeiro dispositivo legal e, consequentemente, das decisões prolatadas em primeira instância e em instância de recurso.

Termina, assim, arguindo a inconstitucionalidade das referidas decisões, ou seja, do despacho do Meritíssimo Juiz da 2.ª Secção da Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda e do aresto proferido pelo Venerando Tribunal Supremo.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos cumpre, agora, apreciar e decidir.

II. COMPETÊNCIA

O Tribunal Constitucional é, nos termos alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que violem princípios, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, após o esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, faculdade igualmente estabelecida na alínea m) do artigo 16º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LOTC.

A decisão proferida pelo Tribunal Supremo esgota, deste modo, a cadeia recursória em sede de jurisdição comum. 

III. LEGITIMIDADE

A legitimidade para a interposição do recurso extraordinário de inconstitucionalidade é atribuída ao Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário, conforme disposto na alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC).

O Recorrente é o autor do recurso impetrado junto do Tribunal Supremo, cujo provimento lhe foi negado. Tem, consequentemente, legitimidade para recorrer.

IV. OBJECTO 

Constitui objecto deste recurso o Acórdão do Venerando Tribunal Supremo por alegada violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 29.º da CRA, e da proibição do despedimento sem justa causa, estabelecida no n.º 4 do artigo 76.º também da Constituição da República de Angola.

V. APRECIANDO

Questões Prévias

O direito laboral, onde se insere a relação jurídico-laboral emergente do contrato de trabalho, é efectivamente regido por princípios que lhe conferem autonomia e as especificidades dogmáticas que o caracterizam. É o caso, além de outros já elencados, do princípio da protecção do trabalhador que, para alguns doutrinadores, está no cerne da referida autonomia dogmática deste ramo de direito.

Além disso e em decorrência da própria unidade do sistema jurídico, ao direito do trabalho são igualmente aplicáveis os princípios gerais do direito, quando, para tanto, devam ser colaccionados. Um desses princípios é o que diz respeito à aplicação da lei no tempo, previsto no artigo 12.º do Código Civil, de que resulta a regra da não retroactividade da lei nova. Ou seja, o pressuposto de, à partida, a lei nova só dispor para o futuro, não abrangendo os factos ocorridos antes da sua entrada em vigor (tempus regit factum).

A acção que está na origem do presente recurso foi intentada e decidida no âmbito da antiga Lei Geral do Trabalho, a Lei n.º 2/00, sendo, assim, de considerar, em obediência à regra geral sobre a aplicação da lei no tempo e ao princípio da oficiosidade na aplicação do direito, que as referências que o Recorrente faz nas suas alegações à actual Lei Geral do Trabalho devem, no que for aplicável, ser entendidas como relativas à LGT vigente à data dos factos. Nesta subsunção se insere, em particular, a fundamentação amparada no artigo 274.º da Lei n.º 7/15, na medida em que o indeferimento do aresto recorrido é alicerçado, como acima exposto, no artigo 307.º da revogada Lei n.º 2/00.

Uma segunda questão que importará aclarar prende-se com o âmbito do pedido formulado pelo Recorrente, que pretende ver impugnados quer o Acórdão do Venerando Tribunal Supremo, quer a decisão do Tribunal a quo.

Embora o pedido delimite, à partida, o objecto do recurso, é de realçar que o recurso extraordinário de inconstitucionalidade incide sobre a decisão proferida pela última instância da jurisdição comum no quadro dos recursos legalmente cabíveis, em face da regra do esgotamento prévio, estabelecida no § único do artigo 49.º da Lei do Processo Constitucional.

Por conseguinte, a sindicância que é requerida a este Tribunal terá, particularmente, em vista o aresto do Venerando Tribunal Supremo para aferir em que medida atenta contra o direito de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 29.º da CRA e contra o disposto n.º 4 do artigo 76.º igualmente da CRA, que se refere à proibição do despedimento sem justa causa.

Também não caberia no âmbito do presente recurso extraordinário, se fosse caso disso, sindicar, in concreto, a inconstitucionalidade do artigo 274.º da Lei n.º 7/15, matéria que, nos termos do artigo da 36.º da LPC, seria objecto de recurso ordinário de inconstitucional, que tem por objectivo apreciar a constitucionalidade de norma aplicada ou desaplicada no âmbito de um processo judicial. E isto ainda que se atenda ao facto de a inconstitucionalidade de uma determinada norma jurídica poder estar na base da impugnação de uma dada decisão judicial, já que a fundamentação desta última se sustentará sempre em norma jurídica.

Da violação do direito de acesso aos Tribunais

A inconstitucionalidade arguida pelo Recorrente é fundada no entendimento segundo o qual a submissão obrigatória do conflito laboral à tentativa de conciliação antes da propositura da acção judicial, estabelecida no artigo 307.º da Lei n.º 2/00 e igualmente acolhida no n.º 1 do artigo 274.º da Lei n.º 7/15, fere o direito de acesso aos tribunais, bem como o direito constitucional de não ser despedido sem justa causa, previstos, respectivamente, no n.º 1 do artigo 29.º e no n.º 4 do artigo 76.º, ambos da CRA.

Assim, vejamos:

O artigo 29.º da Constituição da República de Angola, que versa sobre o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagra no seu nº 1 o direito de acesso aos tribunais, direito este que, grosso modo, se concretiza no direito à protecção jurídica através dos tribunais ou, dito de outro modo, no direito a uma solução jurídica de actos e relações jurídicas controvertidas (…)[1], decidida por órgãos investidos de competência para o exercício da função jurisdicional.

Deste normativo constitucional, inserido na categoria dos direitos fundamentais e, como tal, de aplicação directa, dotado de vinculatividade imediata e sujeito a um regime jurídico-constitucional especial, resulta a acepção de que a garantia dos direitos e interesses legalmente protegidos é, antes de tudo e em primeira linha, assegurada pelos tribunais. Sobre estes recai o monopólio da jurisdictio, ou seja, da função de julgar, enquanto corolário do Estado de direito e do princípio da separação de poderes, ambos consagrados no artigo 2.º da CRA. Tal significa, em resumo, que ao direito garantia de recurso à protecção judicial se encontra implicitamente associada a obrigação de a referida protecção ser assegurada pelos tribunais.

Ainda assim importará ter em conta, na presente lide, que o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, estabelecido no artigo 29.º da CRA, não se esgota, obviamente, no direito à jurisdição. Enquanto princípio e além de pressupor a garantia do conhecimento dos direitos com vista ao seu exercício, incorpora quer a ideia de acesso à justiça, por intermédio dos tribunais, quer a ideia de que esse acesso pode ser alcançável por outros meios. Neste sentido JJ Canotilho e Vital Moreira[2] advogam que o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional não pode ser interpretado como a consagração de um Estado Judiciário ou Estado de Justiça, entendido como um estado em que o Direito se realiza apenas através do recurso aos Tribunais ou através da solução judicial dos litígios.

Uma tal compreensão permitirá, deste modo, concluir que a garantia do direito de acesso aos tribunais não implica, necessariamente, o afastamento de outras formas alternativas de resolução de conflitos, ainda que a via jurisdicional personifique o modo mais eficaz e pleno de salvaguardar direitos e interesses legalmente protegidos. A própria Constituição da República de Angola dispõe no n.º 4 do seu artigo 174.º sobre a possibilidade de serem estabelecidos, por via legal, outros meios e formas de composição extrajudicial de conflitos. Nestes são de incluir, além da conciliação, a mediação e a arbitragem ou mesmo a negociação, sendo que o recurso aos três primeiros mecanismos está previsto na actual Lei Geral do Trabalho, embora com cariz obrigatório (artigos 273.º e 274.º da Lei n.º 7/15).

Não obstante a perspectiva acima delineada há, por outro lado, de ter em consideração o que resulta da força normativa do direito fundamental de acesso aos tribunais, cuja efectividade é garantida por virtude do regime de aplicabilidade directa a que está submetido (artigo 28.º da CRA). Daqui decorre a prerrogativa de o direito fundamental poder ser exercido sem necessitar da intermediação de norma infraconstitucional que determine o seu conteúdo, bastando-se a si mesmo e por si impondo os seus comandos[3]por via directa da Constituição e não através da auctoritas interpositio do legislador[4]. Nesta medida incorpora, igualmente, a obrigação de o Tribunal/Juiz aplicar o preceito constitucional consagrador do direito fundamental e a autorização para com esse fim o concretizar por via interpretativa[5].

Ora, sendo a norma consagradora do direito de acesso aos tribunais directamente aplicável por força da Constituição e aparentemente unívoca e linear a relação direitos fundamentais/lei[6], não pode, à partida, ser derrogada por preceito infraconstitucional, como o artigo 307.º, da Lei n.º 2/00, que dispõe sobre a submissão prévia obrigatória do conflito de trabalho à tentativa de conciliação antes da propositura da acção em tribunal, como, por outras palavras, alega o Recorrente.

A derrogação configurará, assim, uma situação materialmente inconstitucional, ao afastar a protecção jusfundamental resultante, in casu, do direito de acesso aos tribunais. Este, como já antes aflorado, é um direito garantia que materializa o princípio da inafastabilidade da jurisdictio, o que significa que o seu exercício não pode ser impedido, sob pena de esvaziar o conteúdo útil.

Numa outra perspectiva, importaria efectivamente atender ao facto de, por regra, o recurso aos meios extrajudiciais de resolução de controvérsias ser regido pelo princípio da voluntariedade, o que reforçaria a ideia de a utilização obrigatória de tais mecanismos configurar solução em desconformidade com o direito fundamental de acesso aos tribunais. Em sede do ordenamento jurídico angolano, o princípio da voluntariedade foi acolhido, por exemplo, pela Lei n.º 12/16, de 12 de Agosto, Lei da Mediação de Conflitos e Conciliação (artigo 6.º).

Assim, quid iuris quanto ao objecto da presente sindicância?

Como igualmente supra aludido, do regime de aplicação directa vertido no artigo 28.º da CRA decorre que as normas de direitos fundamentais são chamadas a regular directamente relações jurídico materiais, podendo, pois, ser directamente invocadas pelo titular dos referidos direitos, quando exequíveis de per se.

Por outro lado, as restrições aos direitos, liberdades e garantias devem estar expressamente previstas na Constituição, devendo limitar-se ao necessário, proporcional e razoável (…), como plasmado no n.º 1 do artigo 57.º da CRA, sendo que a restrição traduzir-se-á, neste contexto, na decepação definitiva, subjectiva ou objectivamente considerada de aspectos do conteúdo ou do objecto do direito fundamental constitucionalmente concebido, feita a partir do legislador ordinário[7]

Não obstante, as normas de direitos fundamentais nem sempre têm valor absoluto, no sentido de serem jurídico-constitucionalmente garantidas em termos definitivos, sem possibilidade de cedência posterior quaisquer que sejam as circunstâncias do caso concreto[8]. O facto de a Constituição, em algumas situações, não consagrar expressa ou indirectamente (restrições implícitas) a possibilidade de restrição, não significa que tal não se verifique no processo de interpretação e aplicação do direito, o que pressupõe a admissibilidade de afectação dos direitos fundamentais dentro de determinados limites. E estes limites podem estar associados à imperatividade de preservar o conteúdo essencial do direito fundamental. Ou seja, a restrição ao direito fundamental não pode atingir aquele núcleo do direito que lhe confere a natureza de direito fundamental, esvaziando o seu conteúdo útil e, consequentemente, o seu objecto de protecção.

O direito de acesso aos tribunais tem subjacente não apenas um direito de acesso imediato à jurisdição pública, mas igualmente o direito de accionar essa jurisdictio para obter a tutela de direitos e interesses constitucional e legalmente protegidos. Se é de admitir que o direito de acesso imediato ao tribunal é condicionado pela intervenção normativa plasmada no artigo 307.º da LGT, o mesmo já não parece acontecer com o direito de obter a tutela jurisdicional efectiva, ainda que em momento posterior, aqui, após a interposição do pedido de tentativa de conciliação.

De facto, nos termos da Lei n.º 2/00 e também da actual Lei Geral do Trabalho, Lei n.º 7/15, a parte interessada podia e pode sempre propor acção em tribunal posteriormente à tentativa de conciliação, pelo menos nas circunstâncias a seguir indicadas:

  1. No caso de ter recaído sobre o pedido de tentativa de conciliação despacho de rejeição do Magistrado do Ministério Público (a entidade que preside este acto) sobre o pedido de tentativa de conciliação (artigo 309.º, n.º 5 da revogada Lei n.º 2/00, retomado pela Lei n.º 7/15 no artigo 284.º, n.º 5);
  2. Na falta de despacho de confirmação do acordo pelo Magistrado do Ministério, devendo este ser submetido à homologação do tribunal (artigo 314.º, n.º 3 da revogada Lei n.º 2/00, retomado pela Lei n.º 7/15 no artigo 2890.º, n.º 3);
  3. Quando não tenha havido acordo ou na situação de acordo parcial (artigo 315º da revogada Lei n.º 2/00, retomado pela Lei n.º 7/15 no artigo 290.º).

Estas disposições materializam, assim, a prerrogativa de obtenção de tutela efectiva pela via jurisdicional, não obstante a precedência obrigatória da tentativa de conciliação. Corporizam, de igual modo, o entendimento que tem sido sufragado por largos sectores da doutrina e da jurisprudência segundo o qual os meios extra judiciais obrigatórios serão compagináveis com o direito de acesso aos tribunais desde que ancorados em procedimentos que não prejudiquem a protecção jurisdicional ou desde que reúnam os requisitos do due process, onde obviamente se inclui o direito à jurisdição, entre os demais pressupostos do devido processo legal (ampla defesa, contraditório, fundamentação e efectividade da decisão, celeridade, imparcialidade, entre outros).

No sentido acima expresso se pronunciaram, por exemplo, alguns tribunais norte-americanos que, a propósito da mediação obrigatória, concluíram que este mecanismo não afecta o direito de acesso à justiça, se forem garantidos meios adequados e razoáveis para aceder aos tribunais.

Também em sentido idêntico se manifestou o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Sobre matéria referente à mediação pré-processual obrigatória, reconheceu essa Instância que, apesar de o direito de acesso aos tribunais estar previsto nas Constituições e em tratados internacionais, tal não significa, necessariamente, a consagração de um direito de acesso imediato aos tribunais. Por conseguinte, se a limitação que decorre da impossibilidade de aceder de imediato aos tribunais puder considerar-se justificável atendendo às finalidades que a presidem e não implicar uma desvantagem desproporcional para as partes, estará assim salvaguardada a conformidade com aqueles textos[9]. De observar, por exemplo, que tanto a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujas normas integram o ordenamento jurídico angolano como se normas de direitos fundamentais se tratassem, consagram o direito de acesso aos tribunais, respectivamente nos artigos 7.º e 8.º.

No Acórdão recorrido é referido que o processo laboral tem, entre os seus princípios reitores, o da hipervalorização do acto conciliatório, na perspectiva de ser garantida uma justiça mais pacificadora e a consequente paz social, o que também se enquadra num processo crescente que tende para a desjudicialização dos conflitos, com o estabelecimento de um sistema de órgãos estruturados para garantir o acesso efectivo à justiça.

A tentativa de conciliação, nos termos em que estava e está regulada, parece assegurar, de modo adequado, a tutela de direitos e interesses que podem entrar em conflito no âmbito da relação laboral. Além de não impedir o acesso à jurisdição laboral, é presidida por um Magistrado do Ministério Público, órgão com função “quase jurisdicional”, cuja actividade é pautada por critérios de legalidade e de justiça. A CRA, note-se, define o Ministério Público como estrutura essencial à função jurisdicional e com competência para, entre outros, defender a legalidade e os interesses que a lei determinar (artigos 185.º e 186.º da CRA). É, consequentemente, de inferir que a decisão que resulta da tentativa de conciliação é enformada pelos referidos critérios de legalidade e de justiça e conforme com os direitos, liberdades e garantias, consagrados na Constituição da República de Angola.

A par disso, com a apresentação do pedido de tentativa de conciliação são suspensos os prazos de prescrição para demandar eventuais direitos, créditos e obrigações resultantes da não execução, violação ou da cessação do contrato de trabalho. Tal materializa uma garantia no sentido da estabilidade da relação jurídica daí decorrente (artigo 303.º da revogada Lei n.º 2/00 e artigo 305.º da Lei n.º7/15), pois não se perde o direito de recorrer ao tribunal.

Em face do que acima se espelha, é de concluir que, no caso sub judicie, a obrigatoriedade de submeter o conflito laboral à tentativa de conciliação, antes da propositura da acção judicial, estabelecido no artigo 307.º da Lei n.º 2/00, aplicável à data dos factos, não atenta contra o direito de acesso aos tribunais. Possibilita, ao contrário, a concretização do direito de acesso à justiça, entendido aqui na sua dimensão material, por intermédio de um acto conciliatório, de que resultará a prolação de uma decisão susceptível de garantir a tutela efectiva dos direitos e interesses em causa.

Da proibição do despedimento sem justa causa

A proibição do despedimento sem justa causa dá corpo a uma das manifestações mais significativas quer do princípio da protecção do trabalhador, quer do princípio da estabilidade do emprego. A tentativa de conciliação configura, por seu lado, um pressuposto processual de admissibilidade da acção judicial. Foi este, aliás, o sentido do despacho do Meritíssimo Juiz da 2.ª Secção da Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda que, ao indeferir in limine a petição inicial, colocou em destaque a prerrogativa de o Recorrente, caso pretendesse, recorrer ao órgão provincial de conciliação.

Considerando este Tribunal Constitucional que a obrigatoriedade do acto conciliatório não afecta o direito de acesso aos tribunais, não se sustenta, por isso, a alegação que diz respeito à violação da proibição do despedimento sem justa causa, prevista no n.º 4 do artigo 76.º da CRA, porquanto não foi proferida qualquer decisão sobre o mérito da causa.

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

Sem custas pelo Recorrente (artigo 15.º da Lei n.º 3/08 de 17 de Junho e do n.º 5 do artigo 7.º da Lei n.º 9/05 de 17 de Agosto – Lei sobre a Actualização das Custas Judiciais e de Alçada dos Tribunais).

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, 9 de Abril de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa

Dr. Carlos Magalhães 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto (Relatora) 

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo.

Dr. Simão de Sousa Victor 

Dra. Teresinha Lopes 

 

[1] JJ Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág.. 433.

[2]Constituição da República Portuguesa Anotada, pág 410 – Anotação ao artigo 20.º que versa sobre o Direito de Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efectiva.

[3] Jorge Bacelar Gouveia, Direito Constitucional Angolano, pág. 343

[4] JJ Canotilho, ob. cit., pág. 438.

[5]  J. C. Vieira de Andrade, Direitos Fundamentais na CP de 1976, pág. 195

[6] Jorge Reis Novais, As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, pág.158

[7] Jorge Bacelar Gouveia, Regulação e Limites dos Direitos Fundamentais, pág. 15

[8] Jorge Rei Novais, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado Democrático de Direito, pág.80

[9] Paula Costa e Silva, A nova face da Justiça, pág. 71