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ACÓRDÃO N.º 544/2019

 

PROCESSO N.º: 684-D/2019

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade)

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO

Jean Claude de Morais Bastos, devidamente identificado nos autos, vem, nos termos do artigo 67.º, n.º 6 da Constituição da República de Angola (CRA) conjugado com a alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, no Tribunal Constitucional, por não concordar com o Despacho do Juiz do Turno que ordenou a manutenção da medida de coacção pessoal de prisão preventiva arbitrada pelo Magistrado Ministério Público”, por entender que houve violação de direitos, princípios, liberdades e garantias constitucionais.

Fundamentando em síntese, com as seguintes alegações:

  1. O Recorrente estava já a responder no Processo n.º 22/018, que corre os seus trâmites junto da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal da Procuradoria-Geral da República, sob três medidas de coacção pessoal, a saber, termo de identidade e residência, obrigação de apresentação periódica às autoridades e interdição de saída do país, e nunca violou nenhuma das obrigações que lhe foram impostas, tendo o Tribunal recorrido no seu Acórdão, concordado inclusive com a nossa posição do Recorrente, dizendo claramente que: “(…) relativamente a este requisito não devemos bastar com a mera probabilidade, sendo também obrigatório que se demostre em concreto os factos que indiciem a actuação do arguido com o objectivo de obstar a essa perturbação, o que não se concretizou claramente pelo Mº Pº, no seu douto despacho…”logo;
  1. A substituição das medidas de coacção pessoal menos graves por outra mais grave só é admitida nos termos das disposições combinadas dos artigos 17.º,18.º,19.º e 22.º, todos da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, dai que;
  1. Não se tendo verificado qualquer das situações previstas no artigo 19.º, do diploma legal atrás citado, já que o Recorrente não perturbou a instrução preparatória, antes pelo contrário, sempre colaborou com a justiça e respondeu todas as notificações, de tal sorte que foi preso preventivamente no final de mais uma diligência em que participava voluntariamente e colaborava mais uma vez para a descoberta da verdade material, aliás, grande parte dos documentos que constituem o processo em causa, foram fornecidos pelo arguido por sua livre iniciativa, por um lado e;
  1. Por outro lado, o Recorrente não foi encontrado a fugir, ou a praticar qualquer acto que constitua um ilícito penal, tão-pouco a perturbar a ordem ou a tranquilidade pública, nem colocou em causa a integridade da prova produzida;
  1. De igual modo, os factos imputados essencialmente ao Recorrente, tiveram lugar, segundo a indiciação feita pelo Ministério Público, em 2014 até 5 de Novembro de 2015, logo;
  1. Pela natureza dos tipos legais de crime em que foram subsumidos os referidos factos e as penalidades aplicáveis, os mesmos caiem no âmbito do artigo 1.º, da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto (Lei da Amnistia) pois;
  1. Não obstante o Ministério Público procurar engenharias para justificar a sua decisão violadora da lei, chamando aqui indevidamente à colação o instituto do crime continuado, introduzindo um facto novo ocorrido supostamente em 2017, tese esta que não colhe, uma vez que a situação em análise não preenche os requisitos ou pressupostos do crime continuado, a saber, essencialmente, a identidade de sujeitos, temporal e espacial, já que;
  1. Embora se possa aqui falar em identidade de sujeitos, Recorrente e Estado angolano, verifica-se a ausência dos demais requisitos ou pressupostos pois, de 05 de Novembro de 2015 à 2017, ainda que fosse no dia 01 de Janeiro, passaram-se cerca de 13 meses, assim como os locais em que os factos ocorreram são distantes uns dos outros, Luanda e Benguela, isto é, mais de 500 quilómetros, daí que;
  1. Não estando preenchidos os pressupostos ou requisitos do crime continuado e, presumindo-se que grande parte dos presumíveis ilícitos criminais imputados ao Recorrente estão amnistiados, diz o preceito do n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro que “ nenhuma medida de coacção pessoal deve ser aplicada, havendo fundadas razões para crer na existência de causas de extinção da responsabilidade criminal do arguido “” logo;
  1. A amnistia, ao abrigo do preceito do artigo 125.º, n.º 3, constitui uma causa de extinção da responsabilidade criminal, razão pela qual nunca deveria ser aplicada qualquer medida de coacção pessoal, nem mesmo o termo de identidade e residência, quanto mais a sua agravação, quando as primeiras medidas de coacção pessoal aplicadas ao Recorrente de per si manifestavam-se aptas a garantir a realização do fim do processo penal, em homenagem aos princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da subsidiariedade, reforçando os fundamentos do recurso interposto em tempo e com legitimidade do Recorrente, o facto de a prisão preventiva ser uma medida de último rácio;
  1. Analisada a decisão proferida pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, objecto do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, constata-se que o tribunal “a quo” não fez uma adequada aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais relevantes, entrando em contradição a decisão proferida com alguns dos seus fundamentos, violando, assim normas e princípios constitucionais.
  1. A decisão objecto do presente recurso, viola os preceitos dos artigos 6.º, 23.º, 26.º, 28.º, 29.º, 64.º, 67.º, 68.º,72.º,175.º e 179.º, todos da CRA conjugados com os preceitos dos artigos 18.º,19.º e 22.º, da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro e 1.º, n.º1, da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto”.  
  1. Terminou requerendo a declaração da inconstitucionalidade da decisão recorrida e, corolariamente, a revogação da decisão que agravou as medidas de coacção pessoal anteriormente aplicadas, com fundamento nos preceitos legais retro mencionados e, com consequência, que seja o Recorrente colocado imediatamente em liberdade.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar para decidir. 

II. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

O Tribunal Constitucional é, nos termos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, competente para julgar os recursos interpostos das sentenças e decisões que violem princípios, direitos fundamentais, garantias e liberdades dos cidadãos, após esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos, faculdade igualmente estabelecida na alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC).

Tem, pois, competência para conhecer o presente recurso.

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente tem legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho (LPC), ao abrigo do qual “... podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional ... as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”. 

IV.OBJECTO

Constitui objecto do presente recurso a apreciação da constitucionalidade do Acórdão do Tribunal Supremo, que negou provimento e, manteve a medida de coacção pessoal – prisão preventiva, aplicada pelo Ministério Público.

V. APRECIANDO 

A Procuradoria - Geral da República, no dia 22 de Março de 2019, através do seu Gabinete de Comunicação e Imprensa, num comunicado tornado

público deu a conhecer o seguinte: “não mais perseguir criminalmente Jean Claude de Morais Bastos, tendo-lhe sido restituída a liberdade”.  

No caso em apreciação, com o anúncio feito pela Procuradoria-Geral da República, dá cabimento à inserção da inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º, do Código do Processo Civil (CPC).

Neste sentido se tem pronunciado variada jurisprudência deste Tribunal: Acórdãos n.ºs: 422/2017, 457/2018 e 485/2018.

Também neste sentido defende a doutrina, nomeadamente Lebre Freitas,” a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido no desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e outro caso, deixa de interessar-além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios “, “ Código do Processo Civil Anotado”, Vol. III, Pág. 633.

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, prevista na alínea e) do artigo 287.º, do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional, por força do artigo 2.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, impõe-se pela verificação da restituição do Recorrente à liberdade. 

DECIDINDO

Nestes termos,

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho- Lei do Processo Constitucional.

Notifique

 

Tribunal Constitucional em Luanda, 16 de Abril de 2019.

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa (Relator) 

Dr. Carlos Magalhães 

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira 

Dr. Simão de Sousa Victor 

Dra. Teresinha Lopes