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ACÓRDÃO N.º 547/2019

 

PROCESSO N.º 692-D/2019

(Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade) 

Em nome do Povo, acordam em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

Rosário Augusto Miguel, t.c.p. “Zária”, com os demais sinais de identificação nos autos, vem interpor o recurso extraordinário de inconstitucionalidade nos termos da alínea a) do artigo 49.º e seguintes da Lei n.º 3/08 – Lei do Processo Constitucional (LPC), do Acórdão 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo correspondente ao processo n.º 490/18, proferido a 7 de Dezembro de 2018, com base nos seguintes argumentos:

  1. Foi detido na sala de desembarque do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro no dia 5 de Junho de 2018, quando chegava de viagem, com a rota São Paulo (Brasil) – Joanesburgo (África do Sul) – Luanda (Angola).
  2. De seguida foi encaminhado para uma unidade hospitalar, onde expulsou substâncias ilícitas.
  3. Pelo que, se encontra detido e vem acusado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e outras substâncias ilícitas, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/99, de 6 de Agosto.
  4. Intentou a providência de “habeas corpus” conforme previsto nos artigos 29.º n.º 4 e 5, 66.º e 72.º da Constituição da República de Angola – CRA e 40.º n.º1 al. a) e 42.º da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, pedindo a sua libertação imediata com o fundamento de excesso de prisão preventiva, tendo-lhe sido negada pela 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo.
  5. É desta decisão que o Recorrente vem interpor o presente recurso considerando que o Tribunal Supremo não observou o previsto nos seguintes artigos da Constituição da República:
  • º n.º 4 e 5 – decisão célere e em prazo razoável e defesa dos seus direitos, liberdade e garantias;
  • º n.º 1 – penas em medidas de segurança com caracter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida;
  • º – direito a julgamento célere e conforme.

Termina pedindo que seja atendido o presente recurso para aguardar o julgamento em liberdade, enquanto decorrem os demais termos do processo, sem perturbação do mesmo e sem receio de fuga.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O recurso extraordinário de inconstitucionalidade vem previsto nas disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 03 de Dezembro.

Ainda o artigo 53.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – LPC estabelece que a competência para decidir os recursos extraordinários de inconstitucionalidade previstos no artigo 49.º da presente lei é do Plenário de Juízes do Tribunal Constitucional.

III. LEGITIMIDADE

Os recursos só podem ser interpostos por quem é parte principal na causa e que tenha ficado vencido (cfr. n.º 1 do artigo 680.º do CPC).

Ora, o Recorrente foi parte no Processo n.º 490/18, em que se proferiu a decisão recorrida proferida pela 1.ª Secção da Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo.

Assim sendo, o Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso, como estabelece a alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – LPC.

IV. OBJECTO

O objecto do presente recurso é a providência de “habeas corpus” decorrida na 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que negou provimento ao pedido do Recorrente e considerou legal a prisão preventiva.

V. APRECIANDO

Analisados os autos constata-se que o Recorrente foi detido pelas 20h00 do dia 5 de Junho de 2018, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro.

O Recorrente foi preso em flagrante delito pelos agentes do Departamento de Investigação Criminal do referido aeroporto, porque transportava 25 cápsulas de substância ilícita na cavidade abdominal, cfr. fls. 12 e 13 dos autos.

Pelo exposto acima, vem acusado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e outras substâncias ilícitas, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/99, de 6 de Agosto – Lei sobre o Tráfico e Consumo de Estupefacientes, Substâncias Psicotrópicas e Precursores, vide fls. 14 a 16 dos autos. 

E foi-lhe mantida a medida de coacção pessoal – prisão preventiva, em conformidade com o disposto no artigo 40.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro.

Por isso, recorreu a instância superior, tendo-lhe sido negado provimento a providência de “habeas corpus” pelo Venerando Tribunal Supremo por considerar legal a prisão preventiva.

Sendo desta decisão que o Recorrente interpôs o presente recurso, alegando, para o efeito que o Tribunal Supremo não observou o previsto nos artigos 29.º, 66.ºe 72.º da CRA.

Vejamos se a prisão preventiva se afigura ilegal.

Para tal, evidenciamos “prima facie” a perspectiva de Maia Gonçalves e Germano Marques da Silva que definem o “habeas corpus” como um modo de impugnação de detenções ou prisões ilegais que funciona quando, por virtude do afastamento de qualquer autoridade da ordem jurídica, os meios legais ordinários deixam de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos e como um direito subjectivo (direito – garantia) reconhecido para a tutela de um outro direito fundamental, dos mais importantes, o direito à liberdade pessoal, respectivamente.

A Constituição da República de Angola prevê a providência de habeas corpus, estipulando que “Todos têm direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal competente. (n.º 1 do artigo 68.º)”.

Assentando a providência de “habeas corpus” numa prisão ilegal, resultante de abuso de poder, e coexistindo enquanto meio impugnatório previsto pelo legislador, ao lado dos recursos, daí a sua caracterização como medida excepcional.

Excepcional, no sentido de estar vocacionada para atender a situações inusitadas, felizmente pouco frequentes, atenta a sua gravidade.

Ou seja, o “habeas corpus” não serve para se reagir contra uma prisão que se considere injusta, mas sim contra uma prisão que seja ilegal, porque exercida com abuso de autoridade.

São exigidos cumulativamente dois requisitos:

 1- abuso de poder, lesivo do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos e

 2- detenção ou prisão ilegal.

Nos termos do § único do artigo 315.º do Código de Processo Penal – CPP, faz depender a procedência da petição de “habeas corpus” à prisão ilegal, e acrescenta-se que essa ilegalidade ocorre, somente, pelos seguintes requisitos:

“a) ter sido efectuada ou ordenada por quem para tal não tenha competência legal;

b) ser motivado por facto pelo qual a lei não autoriza a prisão;

c) manter-se além dos prazos legais para apresentação ao Magistrado e para a formação da culpa;

e) prolongar-se para além do tempo fixado por decisão judicial para a duração da pena ou medida de segurança ou da sua prorrogação”.

A interpretação da providência de “habeas corpus” pauta-se pelos termos em que a lei está redigida. Não permite qualquer outro fundamento, para além dos quatro taxativamente previstos e só pode ser deferida se verificados um ou mais destes pressupostos.

Entretanto, de acordo com o disposto no artigo 40.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, “1. A prisão preventiva deve cessar quando decorrerem:

  1. Quatro meses sem acusação do arguido;
  2. Seis meses sem a pronúncia do arguido;
  3. Doze meses sem condenação em primeira instância.
  4. Os prazos (…) são acrescidos de 2 meses, quando se trate de crime punível com pena de prisão superior a 8 anos e o processo revestir especial complexidade (…)”.

Consta do processo a informação concedida pelo Tribunal Provincial de Luanda e, em síntese, diz o seguinte:

Os autos encontram-se na fase de notificação da acusação, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 352.º do Código de Processo Penal – CPP, sob a forma de processo de querela n.º 1308/18-C, cfr. fls. 12 e 13 dos autos.   

De mencionar que a acusação data de 13 de Setembro de 2018. Cfr. fls. 14 a 15 dos autos.

Mas, em sede de alegações o Recorrente refere que desde a data da detenção até à data em que foi interposto o requerimento de “habeas corpus” o Venerando Tribunal Supremo ignorou o facto de não ter sido notificado da acusação e conclui que já havia passado o prazo de quatro meses sem acusação (…).

Neste alegado excesso de prisão preventiva, estatui apenas o artigo 40.º da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, que a prisão preventiva cessa decorridos 4 meses sem acusação (…). 

Os prazos (…) são acrescidos de 2 meses, quando se trate de crime punível com pena de prisão superior a 8 anos e o processo revestir especial complexidade.

In casu, o que releva para a questão de fundo é a data da acusação que pela informação constante nos autos data de 13 de Setembro de 2018, por sua vez, o Recorrente não forneceu aos autos o documento probatório com a respectiva data em que foi notificação da acusação.

De qualquer modo, tendo em conta o referido prazo, podemos constatar que o Recorrente foi detido a 5 de Junho de 2018, e a acusação deduzida a 13 de Setembro de 2018.

A ser assim, temos necessariamente de concluir que a acusação foi proferida antes de decorridos os 4 meses.

Porém, uma interpretação literal do mencionado artigo 40.º onde diz expressamente “quatro meses sem acusação” permite-nos concluir que o legislador se refere claramente à data em que a mesma foi proferida e não à sua notificação pois, de outro modo, teria referido – quatro meses sem notificação da acusação.

Naturalmente que a gravidade do crime é relevante para a determinação da medida de coacção, mas o que releva é a existência dos pressupostos que determinam a sua aplicação e que vêm devidamente elencados no artigo 19.º da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro.

Assim, entendemos que o Acórdão recorrido não violou qualquer princípio constitucional.

E, consequentemente, quando à inobservância de violação aos direitos, liberdade e garantias invocados pelo Recorrente, o prazo da prisão preventiva ainda não se mostrava ultrapassado e, por ora não extravasa os 12 (doze) meses sem condenação em 1.ª Instância, tal como resulta da lei.

Termos em que, o presente pedido tem necessariamente que improceder.

DECINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: 

Sem custas (artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional).

Notifique. 

  

Tribunal Constitucional, em Luanda aos 14 de Maio de 2019

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto 

Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira

Dra. Maria da Conceição Almeida Sango

Dr. Raul Vasques Araújo (Relator) 

Dr. Simão de Sousa Victor

Dra. Teresinha Lopes