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ACÓRDÃO N.º 551/2019

 

PROCESSO N.º 685-A/2019

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 

I. RELATÓRIO  

Augusto da Silva Tomás, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido no âmbito do Processo n.º 003/18.

Invoca, para tanto, a sua detenção, porquanto, como Deputado, nunca poderia ser detido.

Refere, a propósito, o artigo 148.º da CRA de onde resulta expressamente que o Recorrente foi eleito como Deputado em Outubro de 2017, apenas cessando em 2022, sem prejuízo de suspensão ou cessação de funções.

Daí que não perdeu a qualidade de Deputado e no dia da exoneração por Sua Excelência o Presidente da República, enviou uma carta a Sua Excelência o Presidente da Assembleia Nacional, solicitando a sua reintegração, por ter cessado as funções em que se encontrava.

Este requerimento mereceu resposta de Sua Excelência o Sr. Presidente da Assembleia Nacional que o enviou para a Comissão daquela Instituição para efeitos de reintegração.

De resto, neste documento pode ler-se que se remeteu cópia da aludida carta do Recorrente a solicitar a reintegração, referindo-se que foi “subscrita pelo Senhor Deputado Augusto da Silva Tomás”.

Assim, o Recorrente continua a ser deputado.

A Procuradoria-Geral da República teve dúvidas quanto à possibilidade da sua detenção e diligenciou junto da Assembleia Nacional, após já ter detido o Recorrente, a saber da legalidade da mesma, tendo a Assembleia respondido que, suspenso o mandato, suspensos estavam os direitos e deveres do Deputado, podendo ser detido.

Porém, o Recorrente discorda desta interpretação, na medida em que, a quando da sua detenção, ocorrida em 21/09/2018, não se encontrava com o mandato suspenso, porque no dia da exoneração (20/06/18), solicitou a sua reintegração.

Com efeito, adianta, uma leitura do Regimento da Assembleia Nacional, permite concluir que é eleita de imediato uma Comissão de verificação de mandatos para o acto solene de juramento e posse nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 13/17, de 6 de Julho.

Segundo a Resolução n.º 41/17, de 11 de Outubro, o Recorrente esteve presente no acto solene de juramento e posse.

Também a Lei n.º 17/12, de 16 de Maio, que aprova o Estatuto de Deputado, declara que, mesmo com o mandato suspenso, o sujeito não deixa de ser deputado e, como tal, deve merecer a deferência que a lei lhe reserva.

Por fim, sublinha ser o mandato suspenso e não a qualidade de Deputado.

Assim, não há dúvidas quanto à ilegalidade da sua detenção.

Manifesta, ainda, a sua discordância quanto à medida de coacção imposta, alegando que o referido Acórdão violou a Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, na medida em que sempre foi uma pessoa localizável, sempre esteve presente nas diversas diligências para que foi chamado e, estranhamente, terminado o 1.º interrogatório, lhe tenha sido aplicada a prisão preventiva, sem que estivessem verificados os perigos elencados naquela lei.

Veio impugnar desta medida ao Juiz de turno que a manteve, bem como recorreu deste despacho, tendo o Acórdão, ora impugnado, mantido a medida de coacção por alegado perigo de fuga, ou seja, por fundamento diverso do Ministério Público.

Mais sustenta esta medida de coacção, numa suposta confortável situação económica do Recorrente.

Houve, assim, para além de serem contrariados os princípios da presunção da inocência e da legalidade, clara violação dos princípios da adequação, gradualismo e proporcionalidade da medida de coacção.

De igual modo, foi violado o direito de protecção à família, às crianças e idosos, porque o Recorrente não pode prestar-lhes assistência, devido ao bloqueio de contas, medida que nem sequer consta do elenco das medidas cautelares dos artigos 16.º e 43.º da alegada Lei das Medidas Cautelares.

Pugna pelo provimento do recurso e revogação do acórdão recorrido porque inconstitucional, pedindo que o Recorrente seja restituído à liberdade.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi interposto nos termos e com os fundamentos da al. a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Trata-se de uma decisão que põe termo ao processo e, estando esgotada a cadeia de recurso ordinário, é, de acordo com jurisprudência já firmada, o Tribunal Constitucional competente para julgar o recurso.

III. LEGITIMIDADE

O Recorrente é Réu no Processo n.º 23/18 que corria, na altura, os seus termos na DNIAP, pelo que tem direito de contradizer, segundo dispõe a parte final do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC) que se aplica, de modo subsidiário, ao caso em análise, por previsão do artigo 2.º da referida LPC.

Assim sendo, o Recorrente tem legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como estabelece a alínea a) do artigo 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

IV. OBJECTO

O objecto de recurso é saber se o Acórdão da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proferido a 7 de Dezembro de 2018, contraria os princípios da legalidade, da presunção da inocência, da tutela efectiva e do julgamento justo.

V. APRECIANDO 

É jurisprudência corrente dos Tribunais Superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

Como é sabido, os fundamentos dos recursos devem ser claros e concretos, pois aos Tribunais não incumbe averiguar a intenção dos recorrentes, mas apreciar as questões submetidas ao seu exame.

As conclusões das motivações não podem limitar-se a mera repetição formal de argumentos, mas constituir uma resenha clara que proporcione ao Tribunal Superior uma correcta compreensão do objecto dos recursos.

No caso concreto, depreende-se, resumidamente, que são duas as questões a decidir, designadamente a ilegalidade da sua detenção e a severidade da medida de coacção imposta.

  1. Da Ilegalidade da detenção.

Neste aspecto, importa sublinhar que o ora Recorrente não alegou a ilegalidade da sua detenção, quer em sede de impugnação para o Juiz de turno do despacho do Ministério Público que determinou a sua prisão, quer em sede de recurso para o Tribunal Supremo do despacho do Juiz de turno que manteve a medida de coacção desta questão.

Com efeito, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo” e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, os recursos visam apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em casos excepcionados pela lei, doutrina que vale para este Tribunal Constitucional.

A ser assim, não pode este Tribunal conhecer de factos, sobre os quais os Tribunais comuns não se pronunciaram, pelo que, no rigor dos rigores, não se deveria conhecer destas questões.

Mas, sempre se dirá que se trata de mero equívoco do Recorrente.

Na realidade, temos a certeza de que, quer o Magistrado do Ministério Público, quer o Juiz de turno, sabem que a suspensão do mandato de Deputado não determina a perda de qualidade de Deputado, porque, senão a expressão usada nunca poderia ser “suspensão”.

Com efeito, o Deputado que se encontre na situação de suspensão de mandato, mantém-se Deputado, perdendo apenas os direitos e deveres a que está obrigado até que retome o seu mandato na Assembleia Nacional (vide n.º 2 do artigo 10.º, da Lei n.º 17/12, de 16 de Maio).

Entre os direitos “lato sensu” contam – se as imunidades que visam proteger a Assembleia e, reflexamente, os Deputados de uma eventual utilização da via penal com o propósito de perturbar ou afectar a dignidade, a composição e o funcionamento da Assembleia.

As imunidades valem (ora para a própria instauração do processo, ora para a prisão), como verdadeiros obstáculos processuais, na medida em que não permitem o andamento normal do processo.

Estas prescrições estatutárias têm correspondência no artigo 150.º da Constituição.

Residindo o fundamento da imunidade na defesa da dignidade da Assembleia e do mandato do Deputado, as imunidades são garantias destinadas a assegurar as condições para o livre e independente exercício das suas funções. Daí que se afirme que as imunidades não visam proteger, directa e imediatamente, o titular do órgão de soberania individualmente considerado, mas sim o conjunto de actos e condutas por ele realizados no exercício das suas funções. Este fundamento é bastante para sustentar a ideia de que as imunidades não são privilégios.

No mesmo sentido, Gomes Canotilho, em anotação à Constituição da República Portuguesa (CRP) quando escreve: “… As imunidades são garantias, existem para defender os deputados de acções ou intromissões provindas do exterior (…) as regalias são situações de vantagem, semelhantes a direitos subjectivos a que acrescem aos direitos comuns dos cidadãos…”. 

Ora, tratando-se de garantias cujo fundamento reside, como se disse anteriormente, na defesa da dignidade da Assembleia e do mandato de Deputado, naturalmente que, enquanto o mesmo estiver suspenso, não beneficia das mesmas, tal como resulta da Constituição (n.º 1 do artigo 150.º) e do próprio Estatuto (n.º 1 do artigo 15.º), na medida em que, não estando no exercício daquelas funções, não há nada a assegurar.

O cerne aqui reside exactamente, no saber se o Recorrente estaria ou não suspenso das suas funções?

Entende este Tribunal que, como o próprio alega, aquando da sua exoneração do cargo que vinha ocupando, endereçou uma carta à Assembleia Nacional a solicitar a sua reintegração, tendo o Presidente da Assembleia Nacional remetido à respectiva Comissão para dar sequência às diligências necessárias até ser admitido a reintegrar o seu lugar de Deputado.

Não se argumente que, nesse ofício, o Presidente da Assembleia Nacional se refere ao Recorrente como Deputado para sustentar a ilegalidade da prisão, pois, como se disse e se sublinha, continua de facto a ser Deputado e, como tal, deve ser tratado.

Logo, a resposta à questão exige saber se à data da prisão preventiva o Recorrente já estaria ou não reintegrado?

Também aqui, é o próprio Recorrente que vem dizer das diligências prévias efectuadas pela Procuradoria-Geral da República junto da Assembleia Nacional, antes da aplicação de qualquer medida de coacção, para evitar, como se depreende, a invocada ilegalidade.

A resposta da Assembleia Nacional foi lapidar ao afirmar categoricamente que o Senhor Deputado ainda tinha o mandato suspenso.

O Recorrente entendeu ter andado mal esta Instituição, na medida em que, no dia da sua exoneração, enviou uma carta a Sua Excelência o Presidente da Assembleia Nacional a solicitar a sua reintegração, pelo que, desde essa data, retomou o seu mandato.

Porém, entende este Tribunal que a interpretação do Recorrente não se ajusta aos normativos legais que o integram, porquanto, da conjugação dos mesmos, resulta que o Deputado só reintegrará o seu lugar depois de a Comissão respectiva se pronunciar (vide n.º 2 do artigo 10.º supra referenciado), o que ainda não aconteceu, tanto assim que nem o Recorrente vem provar documentalmente essa decisão.

Isto porque, embora o Estatuto seja omisso quanto à reintegração, refere expressamente, no n.º 4.º do artigo 8.º da Lei n.º 17/12, de 16 de Maio (Estatuto do Deputado), que a suspensão do mandato de Deputado é deliberada por Resolução da Assembleia Nacional.

Por sua vez, determina o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) que a suspensão do mandato termina por cessação do cargo público incompatível com a função de Deputado, no caso da alínea a), do n.º 7 do presente Estatuto, referindo o seu n.º 2 que, na data em que o Deputado substituído retoma o seu mandato, cessam os direitos e deveres do Deputado que estava a substituir.

Com efeito, mal se compreenderia, perante a existência de um Deputado em substituição, que a reintegração do Deputado substituído fosse automática, antes de aquele ser afastado, com fundamento no retomar das funções deste. Isto conduziria, em todas as situações, a um acumular de funções por dois Deputados (o substituto e o substituído), o que é inadmissível, desde logo face ao número de deputados eleitos por cada Partido Político com assento na Assembleia Nacional.

Naturalmente que não há uma norma de onde resulte directamente esta ilacção, seja na CRA, seja no Estatuto do Deputado, mas tal resulta, desde logo, do senso comum e de uma conjugação de todos os dispositivos que vimos citando, de onde se depreende, sem qualquer dúvida razoável, que a reintegração não é, como pretende o Recorrente, automática, mas sujeita a todo um procedimento que garanta a transição das funções de um para o outro, através de uma coordenação e conhecimento atempada, por um normal, responsável e harmonioso funcionamento da Assembleia, bem como, pelo respeito que merece o Deputado que no momento ocupa o lugar e que goza dos mesmos direitos do próprio Recorrente.

É, aliás, com este entendimento que são elaboradas as Resoluções da Assembleia Nacional quando há a cessação da suspensão de mandato de Deputado e a sua consequente reintegração (vide, por exemplo, as Resoluções nºs 36, 37 e 38/18, de 19 de Novembro).

Pelo exposto, não restam dúvidas ao Tribunal de que o mandato do Recorrente estava suspenso, pelo que não goza das imunidades parlamentares, não tendo, por isso, sido violado o princípio da legalidade.

Dir-se-á, ainda, que a decisão recorrida também não violou o princípio da igualdade.

Este princípio é entendido como limite à discricionariedade, não vedando, porém, a lei a realização de distinções, antes proíbe a adopção de medidas que estabeleçam situações discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio e, no caso, a decisão está sustentada na lei.

  1. Da medida de coacção e bloqueio de contas.

a) Sobre a prisão Preventiva.

O Recorrente discorda da medida aplicada que não respeitou os princípios da adequação, proporcionalidade e necessidade. Além disso, diz que não se verificam quaisquer dos pressupostos previstos na Lei das Medidas Cautelares, designadamente, o perigo de fuga e a continuação da actividade criminosa.

Vejamos:

Uma leitura atenta do Acórdão recorrido mostra as razões que levaram ao indeferimento do recurso ali apresentado pelo ora Recorrente e que estão devidamente fundamentadas.

Quanto ao perigo de fuga, ensina o Professor Germano Marques da Silva o seguinte: “...importa ter bem presente que a lei não presume o perigo de fuga, exige que esse perigo seja concreto, não bastando a mera probabilidade de fuga deduzida de abstractas e genéricas presunções, mas sim deve se fundamentar os elementos de facto que indiciem concretamente aquele perigo, nomeadamente porque revelam a preparação da fuga, como por exemplo, o facto de o arguido ter na sua posse um bilhete de avião para outro país, ou ser de um país estrangeiro e ter um compatriota à sua espera com uma viatura no momento da sua detenção (vide, Curso de Processo Penal, vol. II, 3a Edição, Editorial Verbo, pág. 265).

Também, o Prof. Cavaleiro de Ferreira defendia que “não deve apreciar-se unilateralmente o interesse fundamental de assegurar a execução da sentença final ou de assegurar a presença do arguido no processo, mas deve também atender-se à efectiva probabilidade do risco eventual de insegurança”, e, sobre o perigo de fuga, afirmava que “não é de exagerar, ampliando-o, o perigo de fuga. É um perigo real, mas relativo; pode o arguido ausentar-se para o estrangeiro ou esconder-se no território nacional. Mas a coordenação internacional da repressão criminal e o instituto da extradição tornam cada vez menos seguro um meio de fuga, que aliás, não está à disposição de todos” (cfr. citado autor, in Curso de Processo Penal, II, 1981, página 419).

Ora, resulta evidente da decisão recorrida que a aplicação da medida, com a qual o Recorrente não se resignou, faz uso de uma multiplicidade de argumentos para mantê-la e que estão sobejamente amparadas, denotando domínio das exigências cautelares e do carácter excepcional desta medida, tendo em conta a realidade do País, bem como da necessidade de, no caso, ser proporcional e ajustada.

O Tribunal recorrido manteve-a por entender, como evidenciam os vários argumentos, existir o perigo de fuga e o perigo de perturbação da investigação e da recolha da prova.

Resulta, dos fundamentos evocados pelo Tribunal recorrido, que esta medida foi aplicada apenas como função cautelar, atinente ao próprio processo, e não de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada. Isto porque, dizer-se que ocorre o perigo de continuação da actividade criminosa, parece desde logo partir-se do pressuposto que estamos perante uma actividade criminosa. Ora, tal juízo não pode deixar de ter natureza meramente indiciária já que, como se disse, não tendo havido ainda nenhuma decisão e encontrando-se o processo numa fase indiciária, continua a valer superiormente o princípio da presunção de inocência.

Não merece, pois, reparo, a decisão recorrida quando evidencia o perigo de fuga e a continuação da actividade criminosa, que, sublinhe-se uma vez mais, não foram questionadas pelo Recorrente.

Relativamente aos alegados princípios constitucionais, importa ainda referir que a decisão de aplicação de uma medida de coacção tem sempre de respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade e, se for o caso, da subsidiariedade da prisão preventiva.

Neste caso importa referir que respeitar o princípio da adequação significa escolher a medida que poderá constituir o melhor instrumento para garantir as exigências cautelares do caso, ou seja, para alcançar o fim visado.

Deste ponto de vista, a medida de coacção de prisão preventiva constitui, para o Tribunal recorrido, um meio adequado para corresponder aos particulares receios de fuga e de continuação da actividade criminosa.

Em relação ao princípio da proporcionalidade, a medida de coacção escolhida deve manter uma relação directa com a gravidade dos crimes e da sanção previsível, cabendo ponderar aqui elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução e a importância dos bens jurídicos atingidos.

Considerando a gravidade dos crimes indiciados e sem que se revele qualquer circunstância que dirima a culpa, atenta sobretudo à função exercida pelo ora Recorrente, sobre o qual impende uma especial obrigação de respeitar o erário público, não se verifica, de acordo com os fundamentos invocados pelo Tribunal recorrido, que a medida tenha sido desproporcional pese embora o facto de, pela natureza do crime, a tendência das políticas criminais modernas apontem para a adopção de medidas que visem, em primeira linha, a recuperação dos bens, pelo que, também, não ofenderia o princípio da proporcionalidade caso se exigisse ao arguido uma caução económica em detrimento da medida de prisão preventiva.

O respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excepcional, que só pode ser aplicada “in extremis”, ou seja, quando nenhum outro meio se anteveja como adequado e suficiente. 

Porém, estando devidamente fundamentada pelo Tribunal recorrido a medida de coacção aplicada, não houve violação ao princípio da legalidade.

b) Das contas bloqueadas.

Neste sentido, o Recorrente diz ter sido violado o princípio de protecção da família, na medida em que lhe foram bloqueadas as contas pelo Digno Magistrado do Ministério Público. Para além disso, essa medida nem sequer está prevista na Lei das Medidas Cautelares.

O Recorrente não invocou este facto no recurso que deu lugar ao aresto impugnado, pelo que valem os argumentos já expostos quanto à ilegalidade da detenção.

Porém, sempre se dirá que esta medida visa garantir ou evitar a fuga de património e, uma vez que a lei também permite que o Ministério Público a aplique, apesar de o dever fazer “cum grano salis”, não se vê de que forma se violou o mencionado princípio, até porque não existem no presente processo elementos suficientes para conhecer desta questão.

No entanto, sempre se dirá que devem ser absolutamente salvaguardadas os direitos e os deveres de assistência a que está obrigado o Recorrente, atento ao disposto nos artigos 822.º e seguintes do Código de Processo Civil.

  1. Do princípio da presunção da inocência.

Este princípio é invocado, as mais das vezes, em sede de recurso da medida de coacção prisão preventiva, também fruto de uma interpretação demasiado abrangente.

Isto porque a Constituição consagra o direito à liberdade ao determinar que ninguém pode ser total ou parcialmente privado de liberdade, a não ser em consequência de sentença condenatória pela prática de um crime. Mas, posteriormente admite algumas excepções a esta regra, onde, naturalmente se incluem as medidas de coacção, quando, por razões de natureza cautelar, se pode impor uma medida privativa da liberdade, como a prisão preventiva, que tem sempre um carácter subsidiário e excepcional.

Uma coisa é uma medida cautelar, outra, uma pena de prisão.

Não se põe, assim, em causa, o princípio constitucional da presunção de inocência do Recorrente, já que não se está em presença de uma presunção judicial, dado que a presunção de inocência, enquanto regra a considerar em sede de processo, se encontra estabelecida pelo legislador constitucional. 

Quanto à inocência dos indiciados, acusados ou pronunciados em processo penal, temos de concordar com autores como Bettiol, José Souto de Moura, Castanheira Neves, quando referem que a presunção de inocência não é uma verdadeira presunção em sentido técnico. Na realidade, a experiência mostra que a grande maioria dos acusados, normalmente, em sede de julgamento, será condenada. O que é normal é que o grau de probabilidade de absolvição, em virtude da prova da inocência, seja bem menor do que o grau de probabilidade de ser proferida sentença de condenação.

 Por outro lado, “… entender a presunção de inocência de modo absoluto, conduzir-nos-ia à in constitucionalização da instrução em si mesma, pois esta encerra já, ainda que por vezes de forma mitigada um choque com a liberdade individual do acusado” – “Constituição da República Portuguesa” anotada – Gomes Canotilho e Vital Moreira, I volume, pág. 215.

Ou seja, não há que confundir condenação com medida de coacção, sob pena de não poderem ser admitidas medidas restritivas da liberdade que, como se sabe, não se esgotam na prisão.

Assim, não se verifica qualquer violação a este princípio.

Conclui-se, pois, pela improcedência deste recurso.

DECIDINDO

Nestes termos

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário os Juízes do Tribunal Constitucional em: 

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

 

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 22 de Maio de 2019. 

 

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente) 

Dr. Américo Maria de Morais Garcia

Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa 

Dr. Carlos Magalhães

Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto 

Dra. Júlia de Fátima Leite Silva Ferreira

Dr. Raul Carlos Vasques Araújo 

Dr. Simão de Sousa Victor (Relator) 

Dra. Teresinha Lopes