ACÓRDÃO N.º 553/2019
PROCESSO N.º 666-B/2018
(Processo Relativo a Partidos Políticos e Coligações)
Recurso para o Plenário
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
A Comissão Instaladora do Podemos Juntos por Angola -PODEMOS - JA, melhor identificada nos autos, representada pelo seu Coordenador, Américo Kolonha Chivukuvuku, veio ao Plenário do Tribunal Constitucional interpor o presente recurso do Despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente, proferido a 9 de Outubro de 2018, que rejeitou a sua inscrição como partido político e cancelou o seu credenciamento.
O Despacho de rejeição recorrido tem fundamento no facto de a Comissão Instaladora não ter apresentado a este Tribunal os elementos essenciais definidos na lei para a inscrição do PODEMOS-JA, nos termos dos artigos 12.º n.º 6, 14.º e 16.º todos da Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro - Lei dos Partidos Políticos (LPP), designadamente:
A Recorrente, inconformada com o Despacho de rejeição do pedido de inscrição, alegou essencialmente, que:
Conclui requerendo a anulação do Despacho de rejeição proferido pelo Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional e, em consequência, o provimento do pedido de inscrição do PODEMOS-JA, por aceitação tácita formal.
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II. COMPETÊNCIA
Nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 14.º da LPP, das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho - Lei do Processo Constitucional (LPC), compete ao Tribunal Constitucional credenciar comissões instaladoras e inscrever partidos políticos mediante despacho do Venerando Juiz Conselheiro Presidente.
Ao abrigo do n.º 1 do artigo 18.º da LPP, cabe recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional “do acto do Presidente do Tribunal Constitucional que ordene ou rejeite a inscrição de um partido político”.
A Lei n.º 2/08, de 17 de Junho - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) refere, na alínea i) do artigo 16.º, que ao Tribunal Constitucional compete, em geral, administrar a justiça em matéria jurídico-constitucional, nomeadamente “ verificar a legalidade na formação de partidos políticos (…), bem como declarar a sua extinção, nos termos da Lei dos Partidos Políticos”.
É, pois, competente o Plenário do Tribunal Constitucional para apreciar e decidir sobre o presente recurso, nos termos da alínea b) do artigo 64.º da LPC.
III. LEGITIMIDADE
A Comissão Instaladora do PODEMOS-JA tem interesse directo em que o Plenário deste Tribunal aprecie o seu pedido, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigoº 18.º da LPP e do artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º da LPC, tem legitimidade para interpor o presente recurso.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é o Despacho do Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional, datado de 09 de Outubro de 2018, que rejeitou a inscrição do PODEMOS-JA como partido político e determinou a extinção da sua Comissão Instaladora.
A) Enquadramento Geral
A questão de fundo que aqui se coloca é saber que razões assistem à Recorrente relativamente aos argumentos invocados em face da Constituição da República de Angola (CRA) e da Lei.
Desde logo, é importante reter que a Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro – LPP, estipula, no n.º 1 do artigo 14.º que “a inscrição de um partido político é feita a requerimento de, no mínimo 7500 cidadãos, maiores de 18 anos e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, devendo, entre os requerentes, figurar, pelo menos, 150 residentes em cada uma das 18 províncias que integram o país”.
O n.º 2 do citado dispositivo legal estabelece a exigência de entrega de um conjunto de documentos que, imperativamente, devem ser apresentados ao Tribunal Constitucional apensos ao requerimento do pedido de inscrição de um partido político.
No estrito cumprimento da lei, os cidadãos que requeiram a sua inscrição devem remeter os documentos enumerados de forma taxativa e cumulativa no sobredito artigo, dentre os quais enfatizamos a fotocópia do bilhete de identidade ou cartão de eleitor dos 7500 cidadãos subscritores e os respectivos atestados de residência.
Assim sendo, não restam quaisquer dúvidas de que o processo de inscrição de um partido político é formal e rege-se pelos princípios da legalidade, da tipicidade e da taxatividade.
B) Sobre a Verificação do Preenchimento dos Requisitos Formais
No caso sub judice, da verificação técnico-jurídica feita, ressaltam à vista flagrantes contradições na documentação exibida pela Comissão Instaladora, bem como a falta de autenticidade de algumas declarações referenciadas como tendo sido emitidas por órgãos da administração local do Estado. A título demonstrativo das irregularidades relacionadas com vícios na documentação dos subscritores, foram detectadas assinaturas válidas e outras inválidas, como se resume no quadro seguinte:
Províncias |
Assinaturas conformes |
Assinaturas não conformes |
BENGO |
327 |
114 |
MALANJE |
356 |
546 |
LUANDA |
499 |
1.298 |
CABINDA |
364 |
736 |
HUÍLA |
1.355 |
1.400 |
NAMIBE |
147 |
224 |
LUNDA-SUL |
222 |
366 |
LUNDA-NORTE |
181 |
239 |
BIÉ |
359 |
255 |
BENGUELA |
440 |
460 |
HUAMBO |
514 |
665 |
MOXICO |
172 |
733 |
CUANZA-SUL |
119 |
328 |
CUANZA-NORTE |
311 |
224 |
UÍGE |
283 |
102 |
ZAIRE |
244 |
230 |
CUANDO CUBANGO |
101 |
495 |
CUNENE |
132 |
280 |
TOTAL |
6.126 |
8.695 |
Como se pode visualizar no quadro supra, relativamente as assinaturas a Comissão Instaladora do PODEMOS-JA não preencheu, integralmente, os requisitos legalmente estabelecidos, nas províncias do Cuando Cubango, Cunene, Cuanza-Sul e Namibe de apresentação do número mínimo de 150 assinaturas.
Sobre esta questão, a Recorrente nada junta ao processo que possa provar o contrário ou pôr em causa a avaliação feita pelo Tribunal Constitucional, sendo que o argumento que arrola sobre a conformidade dos documentos é alegar que as assinaturas das províncias do Namibe, (224), Cuanza – Sul (328) Cuando Cubango (495) e do Cunene (280) foram suportadas por declarações assinadas presencialmente pelos respectivos cidadãos e emitidas pelas administrações municipais, com a particularidade de que, no caso do Namibe, as autoridades tradicionais foram chamadas a certificar a residência dos respectivos cidadãos.
Ora, sob essa lógica de compreensão não assiste razão à Recorrente. A falta de preenchimento deste requisito essencial, isto é, o número mínimo exigível quer a nível nacional quer a nível provincial, é fundamento bastante para considerar a improcedência do pedido de inscrição, pois, não obstante as irregularidades apontadas em geral, o número total de subscritores apresentado pela Comissão Instaladora é de 6126, quando a lei exige um numerus clausus (mínimo) de 7500.
C) Sobre a Autenticidade dos Documentos Emitidos pelos Órgãos da Administração Local do Estado.
Sobre esta matéria, importa sublinhar que a Comissão Instaladora carreou para o processo alguns documentos que pecam por vícios que acarretam a sua invalidade.
Com efeito, quanto às declarações de residência apresentadas na fase suplementar, veio a Administração de Viana (ofício n.º 27/ GAB.ADM/ ADMV/2018) dizer que a assinatura constante da declaração colectiva de residência, datada de 5 de Abril de 2018, não pertence ao Administrador Municipal, sendo, por isso, como já referimos, inválida.
De igual modo, a Administração do Município de Cacuso, província de Malanje, por via do ofício n.º 162/ADM.M.C/2018, enviado a este Tribunal, não confirmou ter emitido declarações colectivas de residência, em nome da aludida Comissão Instaladora.
Em relação à província do Cuando Cubango, foram entregues cópias de declarações colectivas de residência emitidas pela Administração Municipal do Menongue, em detrimento dos respectivos documentos originais, contrariando, deste modo, o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 14.º da LPP.
Na mesma senda, foram igualmente consideradas inválidas as declarações individuais da Administração Comunal das Mabubas, província do Bengo, por não terem sido emitidas por uma administração municipal ou pelo governo provincial, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 14.º da LPP.
Em face de tão evidentes e ostensivas irregularidades, não pode o Tribunal Constitucional assumir qualquer posição susceptível de promover a ilegalidade, mormente, quando existem informações veiculadas por órgãos competentes que, ipsis verbis, manifesta e literalmente vieram prestar esclarecimento dando nota de que as assinaturas desses atestados de residência não são das autoridades administrativas competentes com poderes para o efeito, tratando-se, claramente, de um acto de usurpação de funções.
Assim, relativamente a este ponto, é entendimento deste Tribunal que se deve seguir a jurisprudência constitucional já perfilhada nos Acórdãos nºs 500/2018 e 370/2015, sob pena de violação flagrante dos princípios da legalidade e da igualdade material.
Perante os factos que antecedem, torna-se evidente que bem andou o Venerando Juiz Conselheiro Presidente ao desatender e considerar como inválidas e desconformes à lei os sobreditos atestados, por não terem sido emitidos pelos governos provinciais ou administrações municipais, à luz das alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 14.º da LPP.
D) Quanto aos Prazos Administrativos de Deferimento Tácito
Sustenta a Recorrente, nas suas alegações, que o vencimento do prazo para decisão da inscrição e rejeição do PODEMOS-JA configura um acto administrativo (material), sujeito ao disposto no artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro - Sobre Normas do Procedimento e da Actividade Administrativa -, e, por isso, confere-lhe o direito de formalização da inscrição, por deferimento tácito.
Verdadeiramente, não se pode acompanhar o raciocínio aqui esgrimido, pelo que, convém esclarecer o seguinte:
A Constituição da República proclama Angola como um Estado democrático de direito assente no princípio da separação de poderes, catalogando os Tribunais como órgãos de soberania a quem incumbe, com plena autonomia, independência e imparcialidade, administrar a justiça em nome do povo, (artigos 105.º e 174.º, n.º 1).
A citada Lei suprema estabelece, na alínea d) do artigo 120.º, competências ao Presidente da República, enquanto titular do Poder Executivo, de direcção dos serviços e da actividade da administração do Estado.
Por conseguinte, não entram na categoria de actos administrativos os praticados pelos órgãos judiciais e legislativos.
Ainda nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro – Lei da Impugnação dos Actos Administrativos “são actos administrativos os praticados no exercício das suas funções pelos órgãos da Administração Central e Local do Estado e pelos órgãos de direcção das pessoas colectivas de direito público”.
Em rigor, no alcance do espírito e da letra do artigo 57 do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro, deferimento tácito atribui-se a um acto praticado por um órgão administrativo do Estado, o que não é claramente o caso do Tribunal Constitucional, pelo que é forçoso equiparar um acto jurisdicional a um acto administrativo, como pretende a Recorrente fazer crer, por manifesta inconstitucionalidade e flagrante violação da lei.
Como se pode assacar, os argumentos aduzidos pela Recorrente são destituídos de razão e sem fundamento legal.
Ademais, analisada a questão num outro ângulo, o alegado deferimento tácito sempre estaria condicionado ao respeito do princípio da legalidade, porquanto, neste caso, em concreto, a Comissão Instaladora não viu satisfeita a sua pretensão de inscrição do PODEMOS-JA porque não cumpriu com os requisitos essenciais legalmente exigíveis.
F) Sobre a Violação do Princípio da Filiação Única
Uma outra referência digna de menção é o facto de a Recorrente ter violado o princípio da filiação única, vejamos:
Dispõe o n.º 2 do artigo 12.º da LPP que, para efeito de credenciamento, a Comissão Instaladora deve indicar os objectivos da constituição do partido, as linhas do programa, os estatutos, a denominação, a relação nominal dos membros, o certificado de registo criminal, as cópias dos bilhetes de identidade dos membros e os recursos financeiros de que dispõe para a preparação do processo de inscrição.
A lei não impõe ao Tribunal o dever de informar a Comissão Instaladora da necessidade de os membros procederem à desvinculação partidária na fase de credenciamento. Contrariamente, o n.º 3 do artigo 10.º da LPP considera necessário que, por razões inerentes à salvaguarda do princípio da filiação única, o militante deve notificar a este Tribunal sempre que se desvincule do partido a que pertença, contudo, esse pressuposto legal não foi observado pela Recorrente.
Por aqui, é fácil concluir que cabia aos membros da Comissão Instaladora previamente comunicar a sua desvinculação do partido em que se filiaram antes da formulação definitiva do pedido de inscrição, pelo que é ineficaz o argumento da Recorrente, a fls. 28 dos autos, quando alude que os proponentes não pertencem a nenhum partido político.
Para todos os efeitos o Despacho de aceitação do requerimento de inscrição deveria ter rejeitado, in lime, o pedido de inscrição do partido, cancelar a autorização de organização de condições e extinguir a Comissão Instaladora, por violação expressa do artigo 23.º da LPP, que prevê o seguinte: “ ninguém pode estar inscrito simultaneamente em mais de um partido político nem subscrever o pedido de inscrição de um partido enquanto esteja filiado noutro partido político”.
Porém, por imperativo da relevância constitucional que este Tribunal tributa ao princípio da democracia política, consubstanciado no direito dos partidos existentes e que vão existir concorrerem em torno de um projecto de sociedade, para a organização e expressão da vontade democrática dos cidadãos, consagrado no n.º 1 do artigo 17.º da CRA, foi proferido um despacho de aperfeiçoamento para permitir que a Comissão Instaladora corrigisse as insuficiências do processo de modo a observar a legalidade.
Todavia, há que referir que não foram supridas todas as irregularidades.
Por outro lado, não pode a Recorrente desconsiderar que durante o ajuizamento do processo de inscrição por parte do Venerando Juiz Conselheiro Presidente, este Tribunal, no contexto das atribuições colegiais do Plenário, prolactou o Acórdão n.º 497/2018, de 14 de Agosto, que postula a necessidade do respeito pelo cumprimento do princípio da filiação única no âmbito dos partidos políticos em formação, designadamente, PODEMOS-JA e DIA (Desenvolvimento Inclusivo de Angola), no sentido de serem constituídos fora e não dentro da CASA-CE, como estava a acontecer.
Atento às datas do sobredito Acórdão (14 de Agosto de 2018) e do Despacho de rejeição recorrido, 9 de Outubro de 2018, verifica este Tribunal que transcorreram 56 dias, sem que os membros da Comissão Instaladora cumprissem a decisão judicial de desvinculação da Coligação em que estavam filiados, contrariando o disposto no n.º 2 do artigo177.º da CRA, que impõe o acatamento obrigatório das decisões judiciais.
O dever de cumprimento do princípio da filiação única é uma exigência constitucional que visa garantir o funcionamento democrático e estável e sem concorrência desleal no seio dos partidos políticos ou coligação de partidos políticos, formados ou em formação, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º da CRA.
Neste contexto, o Tribunal Constitucional conclui que o Despacho de rejeição do pedido de inscrição do PODEMOS-JA, com fundamento na “falta dos elementos essenciais” para a sua inscrição como partido político, e o cancelamento da sua Comissão Instaladora, está em plena conformidade com a CRA e a lei.
Assim sendo, resulta lógico e evidente que não existe violação da Constituição da República de Angola, da lei nem situações que lesem os direitos, liberdades e garantias constitucionais dos integrantes da Comissão Instaladora, tal como a mesma pretendeu fazer crer nas suas alegações.
DECIDINDO
Nestes termos,
Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE E MANTER O DESPACHO RECORRIDO.
Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional.
Notifique
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 22 de Maio de 2019
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)
Dr. Américo Maria de Morais Garcia
Dr. António Carlos Pinto Caetano de Sousa
Dr. Carlos Magalhães
Dra. Josefa Antónia dos Santos Neto
Dra. Júlia de Fátima Leite Silva Ferreira (Relatora)
Doutor. Raul Carlos Vasques Araújo
Dr. Simão de Sousa Victor
Dra. Teresinha Lopes